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Entrevistas: dificuldades e facilidades diante da questão racial

4 Cultura, Identidade e Reconhecimento

4.3 A observação participante

4.3.5 Entrevistas: dificuldades e facilidades diante da questão racial

Neste subcapítulo, gostaríamos de falar das facilidades e dificuldades de entrevistar as pessoas da comunidade de Santo Antônio de Pinheiros Altos e as percepções que tivemos ao longo do processo de observação.

A primeira dificuldade enfrentada em nossa pesquisa, como já foi dito, foi com o transporte, porque o ônibus fazia o trajeto somente uma vez por dia, sendo uma viagem de manhã de Santo Antônio para Piranga e à tarde de Piranga para a comunidade. Isso tornou mais complicado o trabalho de coleta de dados, pois foi necessário morar na localidade, já que não possuíamos automóvel. Outro meio de locomoção foi a carona, entretanto, como ninguém nos conhecia, nem sempre era fácil obtê-la.

Essas dificuldades se agravavam quando havia alterações climáticas, principalmente, quando iniciada a estação da chuva, pois, nossa pesquisa de campo durou vários meses ao longo de 2008. Nos meses das cheias, entre setembro e dezembro, o acesso ao local tornava-se cada vez mais restrito. Percebeu-se também que, após o décimo quinto dia útil de cada mês, o meio de transporte ficava ainda mais escasso devido à diminuição dos passageiros. Por esses fatores, Santo Antônio apresenta oscilações entre períodos de isolamento involuntário e períodos nos quais as redes de comunicação ficam mais facilitadas.

Outro obstáculo que enfrentamos foi com o lugar de hospedagem. Embora ao obstáculos, tivemos uma ajuda muito grande da supervisora Nelma, pois ela havia pedido para os professores que moravam na “casinha” para nos receber. Apesar de haver na comunidade muitas casas vazias, propriedade de pessoas que trabalham em outras cidades, percebemos que não havia muita oferta de casas para alugar, devido a um retorno em períodos de férias e feriados dessas pessoas.

Mesmo sendo recebidos na “casinha”, vivemos vários momentos complicados, uma vez que algumas pessoas que moravam na referida casa não

conversavam entre si. A saída para esta situação, foi sempre estar com as pessoas na comunidade, procurando permanecer “neutro” nessas ocasiões. Estes conflitos giravam em torno dos próprios professores, devido ao fato de morarem em sistema de república. Na “casinha”, havia tarefas domésticas para realizar e quando algum deles falhava, era motivo para desavenças. Outros conflitos surgiam na divisão da conta do supermercado, sobre quem faria a comida ou mesmo quem “faria sala” para visitas.

Uma outra dificuldade percebida no campo estava relacionada com a “questão da cor”129 das pessoas. Como se referir a elas acabou se tornando uma

dificuldade. Podemos citar Dona Kita, branca, família tradicional de Santo Antônio, professora há mais de 40 anos, que em uma conversa informal, ao se referir à descendência das pessoas do local, jamais afirmava que eles eram negros, com ressalvas de que isso poderia ofender aos moradores. Sobre a utilização desse adjetivo para os moradores de Santo Antônio, conversamos, informalmente, com algumas pessoas antes de ir ao campo e todas fizeram ressalvas sobre a utilização do termo crioulo. Segundo estas pessoas a comunidade era conhecida como Santo Antônio dos Crioulos130, mas a aplicação deste termo nunca foi usual, devido à carga preconceituosa e os entrevistados fizeram questão de evitar o referido termo.

Em determinados momentos da pesquisa, percebi que o fato de eu ser negro contribuiu para nos aproximar de algumas questões levantadas por nossos entrevistados. Muitas das vezes, os entrevistados, ao se referirem aos seus antepassados, afirmavam que eles eram negros. A diversas vezes apontavam pra mim, fazendo referência à minha cor também, o que os deixavam mais à vontade, estabelecendo comigo uma relação de identificação.

No momento das entrevistas, o constrangimento de falar era grande e perceptível. Com certeza, para a maioria das pessoas aquele era sendo o

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Neste momento não estou usando cor com sentido pejorativo, mas uma simples expressão utilizada por todas as pessoas com as quais tive contato antes de fazer a visita de campo em Santo Antônio.

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Na verdade este termo é utilizado para classificar a comunidade, pois em Piranga existem três comunidades com Santo Antônio, e para diferencia-las a comunidades com maior população negra, foi denominada como Santo Antônio dos Crioulos, lembrando que eram feitas muitas ressalvas à utilização deste termo.

primeiro contato com os instrumentos de pesquisa: (mp4 e máquina digital) e com um pesquisador com o qual não estavam familiarizados. Eles ficaram com vergonha de falar, na verdade, até mesmo de se aproximar. Entretanto, Lado, nosso informante e acompanhante de todas as entrevistas fazia com que as pessoas se soltassem mais. Para que elas ficassem mais a vontade, utilizamos à técnica voltada para objetos biográficos.

De acordo com Juniele Rabelo de Almeida, “os objetos biográficos são construções do mundo material que incorporam experiências de vida do seu possuidor.”131 Assim, estes objetos potencializam e estimulam as narrativas

dos colaboradores e podem se constituir em um bom motivo para iniciar uma conversa. Podemos citar o cachimbo e a lamparina de Dona Inês, assim que ela mostrou tais objetos à entrevista fluiu. Com Magá iniciamos a entrevista com respostas monossilábicas, mas fizemos um retorno para seu filho em seus braços, e notamos que teve uma fluidez de sua fala após utilização de tal técnica.

No entanto, não se pode afirmar que houve somente dificuldades, porque todas as etapas foram facilitadas pela ajuda das pessoas e de nossos informantes. Vale destacar que a duração desta pesquisa coincidiu com um momento de ansiedade pela espera do certificado de reconhecimento da comunidade quilombola e com o desfecho desse processo. Assim, a receptividade em campo e a presença de um pesquisador também negro podem ser inseridas, na interpretação dos agora “quilombolas” de Santo Antônio, como mais um indicador das novas etapas de inserção e valorização social que podem vir por aí.