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Talvez mereça reparos ter tratado em pri- meiro lugar da terapêutica a que a doente esteve sujeita, para após este eapítulo procurar fazer o diagnóstico do caso clínico. Mas esta sequência de assuntos é natural, pois muitas vezes o resultado obtido com o tratamento vem elucidar-nos sobre o verdadeiro diagnóstico.

E, como foi preciso lançar mão de todos os meios clínicos para poder etiquetar a doença de que era portadora a nossa doente, fica perfeita- mente demonstrada esta ordem de capítulos que á primeira vista parece um contrasenso.

Diagnosticar com segurança, não é em muitos casos tarefa fácil. Temos de ponderar muito antes de assentar de um modo definitivo sobre o diagnós- tico a pôr; encontram-se escolhos de tal modo, que por vezes é impossível ultrapassá-los, mas nunca devemos confessar-nos vencidos.

Vamos portanto procurar fazer*o diagnóstico, ba- seando-nos na sintomatologia, exames laboratoriais e terapêutica.

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A doente apresantava um padecimento gástrico que embora fosse leve, era bastante antigo.

A sintomatologia não era de molde a pensar em processos ulcerosos, pois não havia no seu pas- sados.hematémeses ou melenas que viessem confir- má-lo. Dadís a frequência de neoplasias gástricas era plausível encararmos a questão por este lado, tanto mais que a doente apresentava na região epi- gástrica um tumor de forma considerável. Este, po- dia ter-so enchertado em alguma úlcera gástrica que tivesse passado despercebida. Sabemos que a sua evolução foi rápida, pois bastou mês e meio para atingir o tamanho quo apresentava quando da sua entrada.

Mas o exame do conteúdo gástrico feito á nossa doente não se coaduna com o de uma neoplasia. A acrescentar a isto, há o exame radioscópico que mostrou um estômago normal.

Posta de parte esta primeira hipótese, podiamos pensar numa pionefrose que se acompanhasse deste cortejo sintomático. Mas, o exame renal não de- monstrou a existência de pontos dolorosos; o tumor era movei com a respiração, e não havia cólicas ne- fréticas. A situação especial do tumor, poderia ainda lembrar a existência dum cancro do pâncreas, mas a doente não acusava dores, icterícia, perturbações digestivas ou fezes pastosas e amareladas, indicati- vas desta doença.

Acudia ao nosso espirito a idêa de neoplasma intestinal, mas o diagnóstico de modo nenhum se

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harmonisava com a sintomatologia apresentada no nosso caso.

Lendo detidamente as lições de Clínica Médica do ilustre Prof. Thiago d'Almeida, nomeadamente o m vol., podia pensar-se num caso de sífilis perito- nial de forma tumoral. Mas no nosso caso não ha- via ascite nem dores, como na doente citada nas referidas lições.

Tuberculose peritonial também não podia ser, visto não existir lesões pulmonares que definissem a bacilose, e geralmente a bacilose peritonial é de origem secundária. A contrariar tal hipótese está ainda a falta de ascite, e o estado geral não se coa- dunava com uma tal formação de etiologia bacilar. O padecimento tinha de forçosamente estar locali- sado no fígado.

A confirmar esta asserção está o grande au- mento do fígado e a forte aderência da massa tu- moral a este órgão; o tumor acompanhava-o nas suas excursões com os movimentos respiratórios, e não se notavam aderências supra-hepáticas aparen- tes (radioscopia).

Feita a localisação do tumor, é necessário pro- ceder á sua classificação etiológica.

A tuberculose do fígado é consecutiva a lesões pulmonares, sendo a sua propagação feita por duas vias:

a) Contiguidade: As afecções bacilares pleu-

rais ou peritoniais podem reproduzir esta doença no fígado. Straus e Gamaleia, reproduziram expe- rimentalmente a tuberculose hepática injectando

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culturas do bacilo de Koch no peritoneu de co- baias.

b) Via circulatória: a veia porta e artéria he-

pática são ainda acusadas de servir de meio de transmissão bacilar. «Dobrokionsky, diz que não é preciso haver lesões intestinais para que os escar- ros deglutidos levem o bacilo de Koch ao contacto dos quilíferos e linfáticos intestinais; por este modo penetram na veia porta, e daí no fígado. A atestar esta opinião estão as experiências de Dupré, que injectou culturas de bacilos nas veias, obtendo deste modo casos níticos de bacilose hepática. Alguns pa- tologistas, querem ainda que as vias biliares sir- vam de meio transmissor bacilar, mas ainda não houve confirmação de tal facto.

Na tuberculose hepática há febre constante e a caquexia é geralmente rápida. Nada disto apresen- tava a doente.

Abcesso do fígado, não podia ser visto que a doente nunca viveu em países quentes nem teve disenteria amibiana, que só esporadicamente se pode encontrar no nosso país. A evolução não é própria desta afecção.

Ponhamos de parte a colecistite e o tumor da vesícula biliar, que não apresentam sintomas que de longe se assemelhem com os da nossa doente-

Seria quisto hidático? Esta idêa, depois das considerações que acibo de fazer aparece ao nosso espírito. A evolução do tumor feita tam rapida- mente, não é própria desta afecção. Embora a evo- lução do quisto seja feita por vezes de um modo

63 insidioso, a doente nunca teve acessos de urticaria, nem tem aversão pelas gorduras.

Havia, é certo, no ponto culminante do tumor, um ponto de renitência com flutuação nítida, que uma punção exploradora fez desviar o diagnóstico. A falta de eosinofília, embora não seja de grande valor, visto que há quistoã sem eosinifilia, é contudo, um elemento de diagnóstico valioso quando adicionado a outros.

A reacção de Weinberg e Parvu foi negativa. Finalmente, nos últimos anos apareceu um mé- todo de diagnóstico ao alcance de todo o policlí- nico e de um valor tam considerável que suplanta os dois elementos já citados: é a chamada Ana-

filaclo-reacção de Casoni.

Para se avaliar do valor deste método, basta dizer que a reacção de Weinberg dá 25 % de resul- tados positivos, ao passo que o anafllacto-reacção dá 91 % aproximadamente!

Ora, nesta doente a reacção foi negativa. Três elementos favoráveis vieram confirmar os dados estabelecidos pela clínica que se não inclinava para o diagnóstico de quisto hidático.

Como afecção rara e que podia apresentar a nossa doente era o chamado «Abcesso não parasi-

tário do fígado ». A este respeito fez Johnes uma

comunicação em que cita um caso de abcesso não parasitário, situado na linha média, 2 dedos acima do umbigo. Laparotomisada a doente, achou-se um quisto de parede amarelada, encravado em pleno tecido hepático. Continha um litro de bilis. Feito

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o exame bacteriológico, verificou o antôr que o líquido era completamente asséptico. O exame mi- croscópico da membrana quística, mostrou-a tape- tada de células epiteliais cúbicas, descamadas em vários pontos, encontrando-se restos de pequenos canais biliares. O autor conclui que o quisto era devido a retenção biliar.

Tendo-se procedido na nossa doente a uma punção exploradora por meio de um trocarte, esta foi branca.

Estava também posta de parte a noção de abcesso não parasitário.

O único diagnóstico aceitável atendendo á sin- tomatologia e estado geral apresentado pela doente é o de sífilis hepática simulando um tumor.

Resta agora, para terminar o nosso modestís- simo trabalho proceder ao diagnóstico diferencial de sífilis hepática e cancro, o que constituirá o assunto do capítulo que se segue.

Diagnóstico diferencial entre

No documento Sífilis hepática simulando um tumor (páginas 46-52)

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