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O tratamento da doente

No documento Sífilis hepática simulando um tumor (páginas 40-46)

A terapêutica, sendo a finalidade da Medicina, o ponto para onde convergem todos os ramos da sciência médica, mereceu em todos os tempos da parte dos clínicos o mais aturado estudo. Já Hipócra- tes, o pai da Medicina, lhe chamava «Grande Arte». E, com efeito, nada é mais difícil que instituir uma boa terapêutica, que vá mitigar o sofrimento dos que padecem.

Como bem disse Amédée Latour, «Sans la thé- rapeutique, le médecin n'est q'une sorte d'inutile naturaliste dont la place pent être à l'académie des curieux de la nature, mais non au lit du malade». A terapêutica é tam velha como o mundo, con- temporânea da criação, e certamente o primeiro homem, nas suas doenças e nos seu3 ferimentos, não tendo ninguém que o curasse, serviu se de tudo o que achou mai? conveniente, sendo ao mesmo tempo médico, cirurgião e farmacêutico de si mesmo.

A terapêutica, como todos os ramos das sciên- cias, atravessou por diversas vicissitudes até alcan-

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çar o incremento que hoje tem. E, de facto, como estamos longe do tempo em que os Egípcios consi- deravam o lodão, como símbolo da fecundidade universal! Este povo, cuja grandeza ainda hoje admiramos, conhecia o e m p r e g o de bálsamos e resinas; chegaram a um tam perfeito conhecimento de técnica de embalsamação de cadáveres, que causa assombro a contemplação de múmias conservadas nos seus monumentos há mais de 6000 anos! Hoje a imensidade de drogas é tal, que não há inteligência humana capaz de fixar sequer os seus nomes. Mas felizmente, que apesar do número enorme de medica- mentos, apenas alguns são indispensáveis para bem exercer o sacerdócio da Medicina.

Martinet, nos seus «Médicaments usuels», prova dum modo evidente a inconveniência do emprego das drogas e medicamentos de fórmula secreta, e a necessidade de bem saber manejar um número res- tricto que constitui o indispensável ao policlínico.

A eficácia do tratamento nem sempre é certa, dependendo de vários factores, dos quais os mais importantes são o estado mórbido e a receptibili- dade maior ou menor dos doentes.

Na nossa doente, apesar do estado geral não ser aparentemente grave, a sua evolução rápida exigia da parte do clínico intervenção pronta e acertada de uma uma medicação adequada, que sem delongas a entravasse. Como se tratasse de um caso de sífilis averiguada, não só pelo seu passado como também pelo exame do sangue que veio comprovar os dados clínicos, era de prever que se fizesse uma medicação

55 anti-sifilítica. O resultado da acção terapêutica vinha também contribuir para a elaboração do diagnós- tico, que neste caso apresentava bastante dificuldade em virtude da sintomatologia especial do caso.

Passo a descrever a medicação que fez a enfer- ma durante o tempo necessário para a minha obser- vação clínica.

i Desde 29/vm (dia de entrada) a 10 /ix/924. Fizeram-se á doente injecções de dois centíme- tros cúbicos de cacodilato de sódio, correspondendo a dois centigramas do medicamento.

Esta medicação estava naturalmente indicada em virtude da astenia em que a doente se encontrava^ ii De 10/ixa 24/ix/924.

Injecções de benzoato de mercúrio (1 cc): O n.° 188 do formulário geral do Hospital de Santo António corresponde ao benzoato.

Iniciando-se o tratamento mercurial, tratamento de prova, procurou-se por este meio verificar o resultado tirado com esta medicaçío. O efeito não se fez esperar, fazendo desaparecer as cefaleias, dores osteocópicas e queda de cabelo. O estado geral, embora lentamente, melhorou.

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iir De 24/ix a 2/x/924. Cianeto de Hg—um ce. 2 colheres de sopa de I K.

Intensiflcando-se o tratamento antnifilítico óbti- veram-se melhoras notáveis. Pela acção conjugada das injecções endovenosas de cianeto, e do iodeto de potássio, o tumor abdominal diminuiu um pouco. Embora tivesse aparecido uma estomatite no fim de 8 injecções de cianeto, esta, deve em parte a sua origem a uma falta de cuidado da doente com respeito ás prescrições médicas, pois não bo- chechava com o soluto de clorato de potassa.

iv 3/x.

Hóstias de enxofre, 2 p. dia.

Esta medicação teve unicamente um flm em vista. A doente estava a braços com uma estomatite mercurial muito intensa, pois chegou a infi tmação da mucosa bocal a tal ponto que a doente mal po- dia ingerir líquidos. O enxofre não gosa de proprie- dades antisifllíticas. Mas, como é um estimulante de todas as funeções, activa as secreções, aumentando deste modo a eliminação do mercúrio. Os sifilígra- fos para intensificar o tratamento mercurial ou bis- mutado, usam actualmente os compostos sulfurosos que em virtude das suas propriedades estimulantes e antitóxicas, tornam suportáveis maiores doses me- dicamentosas. ,

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A doente, por esta via, a breve trecho ficou cu rada da sua estomatite.

v 19/x/924. 914 —15 centig.

A l.a dose de neosalvarsan, teve um efeito

muito favorável sobre a formação tumoral, que di- minuiu extraordinariamente de volume, reduzindo- se a 2/3 do volumo primitivo.

vi 26/x/924. 924 — 15 centig.

Nova injecção de neosalvanan veio trazer mais acentuadas melhoras á doente.

Actualmente há uma tal variedade de produtos apregoados em revistas e jornais contra a sífilis, que a antiga e simples maneira de tratar o luétismo apresenta hoje uma fase interessante em virtude da quantidade de medicamentos que enchem o mer- cado. De entre todos os preparados, como guarda avançada, há dois que disputam a primazia: Os ar- senicais e os sais de bismuto. Alguns terapeutas di- zem ter alcançado com os sais de bismuto resulta- dos mais brilhantes que com o uso dos arsenicais.

E Emery, no Paris Medicai de 1922, diz acerca dos sais de bismuto, o seguinte:

u

cE' uma medicação activa, bem tolerada, não expondo ás surprezas por vezes dramáticas de me- dicação aríenical».

O reverso da medalha é dado por casos de albuminária micissa, citado por Hudelo e Gl. Si- mon: esta albutninária traduz lesões graves do rim.

No serviço de 2.a Clínica Médica, tem-se empre-

gado larga mano o neosalvarsan sempre com resul- tados satisfatórios.

A toxicidade dos sais de bismuto é evidente, e não se tem demonstrado que o poder cicatrizante seja superior ao dos arsenicais orgânicos, parecendo que a sua acção sobre a sífilis visceral é inferior.

No documento Sífilis hepática simulando um tumor (páginas 40-46)

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