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Diagnosticando e Avaliando o Abuso Sexual em Crianças através de Técnicas

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2. A Avaliação Psicológica Pericial da Criança Sexualmente Vitimizada

2.2. Diagnosticando e Avaliando o Abuso Sexual em Crianças através de Técnicas

Wintom e Mara (2001) afirmam que a avaliação psicológica da criança abusada envolve avaliações investigativas e clínicas. As avaliações investigativas destinam-se a facilitar a revelação de dados (sobre o abuso) pela criança, a coletar evidências, e fornece material relevante e legal para o tribunal e juízes. As avaliações clínicas têm como foco o conhecimento da percepção e dos sentimentos da criança sobre o fato ocorrido, o conhecimento do seu estado psicológico, dos efeitos colaterais do abuso, das suas habilidades de enfrentamento e da necessidade de tratamento

psicoterapêutico, procurando avaliar os efeitos do trauma no desenvolvimento emocional da criança. Segundo Mattos (2002), o diagnóstico de abuso sexual tem, além da finalidade de coleta de evidências para fins judiciais, a finalidade de fornecer informações sobre o estado psicológico da criança para fins psicoterapêuticos, procurando compreender a representação psíquica do abuso e avaliar o impacto da violência sobre o desenvolvimento da sua personalidade.

O Psicodiagnóstico Rorschach é um instrumento muito útil neste processo de avaliação investigativa e clínica, pois é capaz de fornecer indícios de que o abuso ocorreu e de analisar o estado psicológico da criança (as áreas mais danificadas do seu psiquismo e também as áreas não danificadas do seu funcionamento mental). A importância de se conhecer as áreas não danificadas deve-se ao fato de que é necessário “desenvolver a parte não comprometida do psiquismo, a parte não vitimada da criança, ou seja, seus potenciais cognitivos e emocionais” (Mattos, 2002, p. 199); isto é extremamente importante para o planejamento de estratégias psicoterapêuticas.

Para Furniss (1993) e Mattos (2002), nem todas as crianças abusadas apresentam dano psíquico ou ficam psicologicamente perturbadas, pois uma parte delas fica apenas assustada ou confusa com o acontecimento, entretanto, todas são afetadas psicologicamente, em maior ou menos grau, pela experiência abusiva, sendo que a maioria necessita de trabalho psicoterapêutico para minimizar o dano; a avaliação do dano psíquico se faz necessária para saber se a criança necessitará de psicoterapia. A psicoterapia visa atender às necessidades específicas de cada criança, daí a importância de se conhecer quais áreas do psiquismo da criança foram afetadas e quais não foram. Crianças que foram vítimas de abuso sexual grave e prolongado, por exemplo, podem necessitar de longa e intensiva psicoterapia. Segundo Mattos,

avaliar o grau do dano psicológico é importante também para se fazer um prognóstico do tratamento. Quanto mais áreas da vida psíquica da criança são comprometidas, maior o dano. Ippolito (2003) acredita que o conhecimento dos aspectos intrapsíquicos do trauma também pode contribuir para o desenvolvimento de metodologias para o atendimento da criança abusada.

Segundo Rovinski (2002, 2004a), as técnicas e os métodos de investigação utilizados na avaliação psicológica forense não diferem de forma substancial do processo de avaliação psicológica clínica, necessitando apenas de uma certa adaptação.

Nestas avaliações psicológicas realizadas com a criança abusada, diferentes técnicas e testes psicológicos podem ser utilizados para facilitar a sua comunicação e informação sobre o abuso, para conhecer seus sentimentos e pensamentos sobre o fato e para avaliar o seu estado psicológico: brincadeiras com fantoches, com famílias de bonecos, com bonecos anatômicos (que possuem órgãos genitais); técnicas projetivas gráficas como desenhos livres, desenhos da família, desenhos com estórias, HTP (House-Tree-Person); e testes projetivos verbais como o Teste de Apercepção Infantil (CAT), as Fábulas de Düss e o Psicodiagnóstico Rorschach, entre outros.

É fato reconhecido e afirmado por diversos psicólogos infantis que o brincar da criança é sua atividade essencial e sua melhor forma de expressão, assim como a do adulto é a linguagem verbal. Mattos (2002) afirma que através do brincar a criança se expressa, apreende e elabora o mundo, e exercita sua capacidade de relacionamento e de percepção de si e do outro. A entrevista com a criança envolve a brincadeira, mais do que apenas verbalizações, principalmente em se tratando de crianças pequenas.

Muitas crianças, especialmente as menores, não têm o conhecimento ou o vocabulário necessário para dizer aos clínicos o que aconteceu a elas, pois é difícil para uma criança colocar seus pensamentos e sentimentos em palavras. Além disso, quando o agressor é alguém da família da criança, ela freqüentemente sente um intenso conflito ao ter que identificar o agressor e verbalizar o que experenciou; para uma criança, é bem mais fácil e menos estressante relatar o que aconteceu de forma lúdica e simbólica, através de técnicas e testes projetivos (Miller, Veltkamp & Jansom, 1987).

As técnicas e testes projetivos são um dos principais instrumentos de avaliação que o psicólogo utiliza para obter da criança dados relativos ao abuso. Existe, entre os psicólogos, a preocupação de, ao procurar colher provas do abuso com a criança, não expô-la a uma nova vitimização, a chamada revitimização ou vitimização secundária. Quando a criança chega ao psicólogo para uma avaliação da credibilidade da sua acusação, já teve que repetir sua história para diversos profissionais pelos quais já passou (delegado, médico, etc.). Além disso, muitas vezes a perícia chega vários meses ou até anos depois da revelação, despertando na criança um novo sofrimento ao fazê-la relembrar do abuso (Viaux, 1997). Winton & Mara (2001) sugerem que o número de entrevistas com as crianças seja minimizado, para não adicionar a ela mais estresse e sofrimento; Furniss (1993) alerta para o cuidado de que a intervenção de qualquer profissional deve ter como objetivo principal evitar a revitimização.

Furniss (1993) e Rouyer (1997) acreditam que as investigações médicas e judiciais podem produzir um novo trauma, ou seja, produzir a revitimização ao pedir para a criança relembrar as circunstâncias e detalhes da sua vitimização; à criança é perguntado coisas do tipo: “o que ele fez com você? Onde ele te tocou? De que

forma?”. Tais perguntas, embora necessárias ao andamento do processo judicial, provocam na criança intensa ansiedade e medo; a própria atuação profissional torna- se uma nova forma de violência contra a criança, gerando a revitimização.

Em 11 de março de 2005 aconteceu, na cidade de Goiânia-GO, o colóquio “Culturas e Práticas Não-Revitimizantes de Inquirição de Crianças e Adolescentes Sexualmente Explorados”, realizado pelo Projeto Invertendo a Rota, do Centro de Estudo, Pesquisa e Extensão Aldeia Juvenil (CEPAJ), da Universidade Católica de Goiás (UCG). Neste colóquio, se buscou fortalecer o compromisso para a criação de uma vara especializada para o julgamento de crimes contra crianças e adolescentes e foi discutida a importância do atendimento multidisciplinar integrado às vítimas do abuso sexual, pois esta é uma maneira de evitar que tenham que repetir continuamente os fatos e de que sejam novamente expostas ao sofrimento e ao estresse psicológico (“A inquirição da criança vítima de abuso sexual”, 2005).

Por isso, neste momento de avaliação psicológica, evitam-se perguntas diretas sobre o abuso (para não expor novamente a criança a uma situação estressante, ansiogênica e revitimizadora), e a criança é convidada a falar de si, dos seus sentimentos e dos acontecimentos de uma forma lúdica, através de bonecos, desenhos, estórias e testes verbais que comunicam o abuso de forma simbólica, pois “as crianças abusadas sexualmente precisam de meios apropriados para expressar sua raiva, medo, hostilidade e outros sentimentos que possam estar inibidos ou reprimidos” (Miller et al., 1987, p. 48). Mattos (2002) afirma que o uso de tais instrumentos intermediários ajuda a criança a revelar os fatos do abuso de uma forma que não a expõe a uma situação constrangedora e revitimizadora, pois fornece a ela uma distância confortável dos fatos ocorridos.

mostrar o que aconteceu a ela, sem o estresse que seria gerado por perguntas diretas e intrusivas; estes são um meio através do qual ela “pode expressar uma gama de sentimentos conscientes e inconscientes e projetar sua experiência no mundo” (Winton & Mara, 2001, p. 138).

Os desenhos freqüentemente dramatizam o trauma que a criança vivenciou, são um meio através do qual ela pode comunicar como se sente ou o que aconteceu a ela, ou seja, é um meio de contar a sua estória, além disso, o uso dos desenhos também é útil para levantar indícios de que a criança foi abusada sexualmente (Miller et al., 1987). Para estes autores, os desenhos também podem ser usados no tribunal, pois facilitam a comunicação da criança sobre o abuso, além do mais, as técnicas e testes projetivos fornecem informações clínicas relevantes que podem ajudar no processo global de avaliação da criança abusada sexualmente. É interessante relembrar um caso de abuso sexual avaliado pelo Prof. Dr. Rodolfo Petrelli no qual uma criança, do sexo feminino, abusada pelo pai, desenhou no teste do Desenho da Família, um dedo no lugar do pai, e, à IV prancha do Teste de Rorschach respondeu: “é o monstro que aparece toda noite no meu quarto”. Thomas (1980, citado por Miller & Veltkamp, 1989), aplicou o Desenho da Figura Humana em crianças abusadas sexualmente e constatou que tais desenhos tendem a ser mais sexualizados, com freqüente ênfase nas áreas genitais ou nos seios, o que indica preocupação com questões sexuais e conhecimento sexual que está além do apropriado para a idade infantil. O Desenho da Família pode prover dados clínicos que podem ser usados na avaliação da qualidade do relacionamento da criança com seus pais e com seus irmãos (Miller & Veltkamp, 1989).

Com relação aos bonecos anatômicos, Jample e Weber (1987, citados por Miller & Veltkamp, 1989) avaliaram seu uso por crianças abusadas e não-abusadas e

verificaram que as crianças abusadas sexualmente demonstraram mais comportamentos sexuais nas brincadeiras com tais bonecos do que as não abusadas.

O uso de estórias imaginativas, como, por exemplo, as Fábulas de Düss, ajudam a criança a expressar sentimentos e detalhes relacionados ao trauma e podem revelar com o que a criança está mais preocupada no momento. O Teste de Apercepção Infantil (CAT) pode revelar aspectos específicos de experiências de vida estressantes, como abuso sexual, abuso físico e negligência (Miller & Veltkamp, 1989).

Poucos estudos foram encontrados com relação ao levantamento de indícios e ao diagnóstico do abuso sexual utilizando-se o Psicodiagnóstico de Rorschach, e estes serão relatados no próximo subitem.

Para Mattos (2002), tais procedimentos facilitam a comunicação entre o psicólogo e a criança e a ajuda a identificar as pessoas e os fatos relativos ao abuso sem uma ansiedade excessiva e prejudicial, pois “é mais fácil para ela apontar num desenho a parte de seu corpo que foi tocada ou mostrar com os bonecos como o abuso se deu do que contar com palavras” (p. 188).

Este forma de proceder na inquirição de crianças vítimas de abuso sexual minimiza o dano adicional que pode ser causado por uma inquirição mal conduzida que coloca a criança novamente em contato com lembranças extremamente dolorosas que adicionam a ela maior sofrimento psíquico. O inquérito sem dano, realizado através de brincadeiras e testes projetivos, faz com que a criança comunique o abuso de forma simbólica, porém tão realista e tão verdadeira quanto uma comunicação verbal direta, mas com a enorme vantagem de utilizar a forma mais natural e espontânea de comunicação infantil (o brincar) e de não causar uma revitimização. As respostas simbólicas fornecidas aos testes projetivos não podem

ser manipuladas de forma consciente e intencional pelo examinando, por isto elas comunicam fatos reais; é uma linguagem verdadeira e não manipulada, lembrando que as respostas das crianças às perguntas diretas sobre o abuso sexual podem ser manipuladas caso esteja sob ameaça do agressor para negar os fatos, ou caso esteja sendo induzida por um terceiro a afirmar a ocorrência de um abuso que não aconteceu. A análise das respostas simbólicas ao Psicodiagnóstico Rorschach tem se mostrado um meio muito útil de revelar indícios de abuso sexual, por isto este teste tem sido muito utilizado no serviço de psicodiagnóstico da Aldeia Juvenil.

Estes instrumentos (técnicas e testes projetivos, bonecos, brinquedos) estimulam o comportamento projetivo, entendido como a projeção, por parte do indivíduo, do seu mundo interno, dos seus sentimentos e das suas experiências e vivências passadas nos estímulos externos apresentados. Por indução dos estímulos projetivos, sentimentos e vivências passadas são exteriorizados e trazidos à superfície, mas sem que o indivíduo se dê conta disso, por isto se afirma que tais respostas não podem ser manipuladas de forma consciente e intencional pelo examinando; segundo Murstein et al. (1961, citados por Miller & Veltkamp, 1989), nas técnicas e testes projetivos, o sujeito não está consciente do que está revelando de si mesmo. A projeção conserva o conteúdo do sentimento original (ligado ao objeto original que o produziu), e este sentimento pode ser deslocado e exteriorizado em um outro objeto que desperta as características do objeto original (Anzieu, 1984). O Psicodiagnóstico Rorschach proporciona à criança um meio para projetar e expressar as experiências que vivenciou e seus sentimentos em relação a estas, através de respostas simbólicas. Dito de outra forma, é um instrumento de detecção da história de vida interior, que registra os eventos de forma simbólica, mas

realística, não sendo necessário expor à criança à perguntas diretas (e revitimizantes) sobre o abuso sexual.

O Psicodiagnóstico Rorschach tem sido empregado por algumas instituições e profissionais que trabalham com crianças suspeitas de terem sido abusadas sexualmente, para fins de confirmação ou não do abuso (de uma maneira não revitimizadora) e para a avaliação da extensão e da profundidade do possível dano psíquico causado a elas, pois é um teste de personalidade que detecta a história de vida interior e que avalia a estrutura e a dinâmica do funcionamento psíquico.

2.3. O Psicodiagnóstico Rorschach e as Avaliações Investigativas e Clínicas do

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