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CAPÍTULO I: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

1.5 A ARGUMENTAÇÃO PELA LINGUAGEM

1.5.2 DIALOGIA: LINGUAGEM E ARGUMENTAÇÃO

A visão dialógica da linguagem faz com que esta seja considerada “como uma ação orientada para uma finalidade específica [...] que se realiza nas práticas sociais existentes, nos diferentes grupos sociais, nos distintos momentos da história” (BRASIL, 1998, p. 20).

Segundo Travaglia (1996), nessa concepção, o indivíduo não usa a língua somente para traduzir e exteriorizar um pensamento, ou para transmitir informações a outrem, mas também para realizar ações, agir, atuar sobre o interlocutor (ouvinte/leitor).

De acordo com Geraldi (1999), por meio dessa linguagem, o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria levar a cabo, a não ser falando; com ela, o falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não preexistiam à fala.

Cabral (2011) também relata que comunicar não se limita a transmitir informações. Segundo ela, pode haver momentos em que o desejo seja somente fornecer uma informação, mas, frequentemente, há na comunicação “outros objetivos, como dar uma

ordem, expressar um sentimento, fazer um pedido, exercer algum tipo de influência, fazer o outro mudar de opinião, convencer enfim” (p. 9). Dessa forma, sendo a comunicação alguma forma de ação sobre o outro, a argumentação ganha lugar de destaque.

Depreende-se dessa afirmação que “o uso da linguagem é essencialmente argumentativo” (KOCH, 1995, p. 29) e que, para agir sobre o outro, influenciá-lo de algum modo, fazer com que o mesmo compartilhe daquilo que o falante pensa, é necessário se utilizar de mecanismos que possibilitem isso. A estes mecanismos, que se encontram na própria estrutura da língua, chamam-se marcas linguísticas da argumentação, que funcionam na determinação do “modo como aquilo que se diz é dito” (KOCH, 1995, p. 29).

Guimarães (1995) mostra que Ducrot (1973) já dizia que há na própria estrutura semântica a marca da relação argumentativa, que, na língua, é evidenciada por formas que marcam a própria enunciação do enunciado.

Neste sentido é que surge, por meio de Ducrot, criador da Semântica Argumentativa (ou Semântica de Enunciação), o termo operadores argumentativos, que são, segundo ele, elementos que estabelecem a relação argumentativa entre enunciados, pois os orientam para uma determinada conclusão. Assim, têm a função de lhes determinar a força argumentativa e a direção para a qual apontam, sendo importantes instrumentos de construção de sentido do texto.

Segundo Guimarães (1995), a presença dessas marcas linguísticas na relação de argumentação leva à construção dos conceitos de classe e de escala argumentativa propostos por Ducrot(1980). Assim, a diferença entre um e outro conceito está na força dos argumentos; por isso se diz que “uma classe argumentativa é formada por enunciados que levam a uma mesma conclusão e uma escala argumentativa é uma classe argumentativa ordenada pela força menor e maior dos enunciados” (GUIMARÃES, op. cit., p. 51).

Ao retomar Ducrot (1980), Cabral (2011) explicita a seguinte explicação de escala argumentativa: “um argumento p’ é, para um locutor, mais forte que um argumento p, em relação a uma conclusão r se, do ponto de vista do locutor, aceitar p’ como prova para r implica aceitar também p, mas não o inverso”. (p. 88).

Assim, depreende-se que o argumento mais forte inclui o mais fraco, ou seja, quando aceita o mais forte, o locutor aceita também o mais fraco, mas o fato de aceitar o mais fraco não implica que ele aceite também o mais forte.

Cabral (2011, p. 89-90) salienta ainda, baseando-se em Ducrot (1980), que “a decisão em torno de uma classe ou de uma escala argumentativa em relação a uma conclusão cabe inteiramente ao interlocutor”. Logo, ao construir seu discurso, o locutor elege os

argumentos que considera válidos para uma determinada conclusão, em um determinado contexto, e avalia, de acordo com suas crenças, quais são os argumentos mais fortes ou mais fracos para a conclusão a que visa.

Neste ponto é que se mostra evidente a modalidade via escalaridade, pois, conforme reforça Cabral (2011, p. 90), essa é uma avaliação que depende do locutor; “a língua apenas oferece os meios de marcar sua decisão”. Assim, ao “marcar a hierarquia numa escala argumentativa, o locutor assume um posicionamento diante do conteúdo de seu enunciado”. (p. 90).

Os operadores argumentativos são classificados, conforme Koch (1995, p. 30- 38), em nove tipos, de acordo com as funções (relações semânticas) que desempenham. A seguir, seguem alguns exemplos listados pela autora:

a) operadores que assinalam o argumento mais forte dentro de uma escala que direciona para determinada conclusão: até, mesmo, até mesmo, inclusive.

b) operadores que somam argumentos a favor de uma mesma conclusão: e, também, ainda,

não só...mas também.

c) operadores que introduzem uma conclusão relacionada a um argumento apresentado anteriormente: portanto, logo, pois.

d) operadores que permitem introduzir argumentos alternativos e levam a conclusões opostas ou diferentes: ou, ou então, quer...quer.

e) operadores que estabelecem relações de comparação entre elementos, visando a atingir determinada conclusão: mais que, tão...como.

f) operadores que introduzem uma justificativa ou explicação: porque, já que, pois.

g) operadores que contrapõem argumentos orientados para conclusões contrárias: mas (porém,

contudo, todavia, entre outros), embora (se bem que, ainda que, posto que, entre outros).

h) operadores que introduzem conteúdos pressupostos: já, ainda, agora.

i) operadores que, de acordo com a maneira com que foram empregados, podem tanto estabelecer uma conclusão positiva, quanto uma conclusão negativa: tudo, todos (afirmação),

nada, nenhum (negação).

Como será mais bem demonstrado no capítulo das análises, acredita-se que

chegar possa ser incluído na classe dos operadores escalares, já que parece demonstrar a

marcação de uma força enunciativa maior de um argumento/evento em detrimento de outro (s), como se vê no exemplo (6).

(6) "Vou mandar levantar outra parede.. " - Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho, Circularmente sobre a minha rede! Pego de um pau. Esforços faço. Chego a tocá-lo. Minh' alma se concentra. Que ventre produziu tão feio parto! A Consciência Humana é este morcego! Por mais que a gente faça, à noite, ele entra Imperceptivelmente em nosso quarto! (Augusto dos Anjos. Eu. 1884, grifos nossos).

Neste exemplo, temos: Evento 1: Pego de um pau Evento 2: Esforços faço.

E o evento mais forte: Evento 3: Chego a tocá-lo.

Assim, tocar o morcego é o clímax, o evento mais forte da enunciação do locutor ao relatar sua inquietação frente àquele ser asqueroso.

Além disso, a marcação do limite escalar dos eventos por meio do chegar justifica a tese de que ele indica modalidade, já que revela a escolha do falante em favor de uma determinada escala de eventos.