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Pressupostos cognitivos: metáfora e esquemas imagéticos

CAPÍTULO I: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

1.1 VARIAÇÃO E MUDANÇA LINGUÍSTICA

1.1.1 GRAMATICALIZAÇÃO: A CONCEPÇÃO DE UMA MUDANÇA

1.1.1.5 Pressupostos cognitivos: metáfora e esquemas imagéticos

No processo evolutivo dos estudos linguísticos, surge, na década de 80, como questionamento a alguns pressupostos gerativistas, a denominada Linguística Cognitiva (LC), tendo Lakoff como um de seus precursores.

Conforme Velozo (2013, p. 75), a linguística cognitiva “é constituída por posições teóricas que partem da hipótese da motivação conceptual da gramática, segundo a qual fenômenos léxico-gramaticais devem ser explicados a partir de mecanismos mais gerais da cognição humana”. Para os cognitivistas, “a linguagem não constitui um componente autônomo da mente, ou seja, não é independente de outras faculdades mentais” (MARTELLOTA e PALOMANES, 2011, p. 179). Dessa forma, a LC defende a hipótese da não modularidade da linguagem, assumindo uma perspectiva integradora em relação aos módulos tradicionalmente estabelecidos. Conforme os pressupostos da LC, não há necessidade de se distinguir conhecimento linguístico de conhecimento não linguístico.

Dessa não separação dos conhecimentos, conforme apontam Martellota e Palomanes (2011), advém a concepção de que as línguas não podem ser explicadas somente por mecanismos formais autossuficientes, sendo fundamental levar em consideração “os processos de pensamento subjacentes à utilização de estruturas linguísticas e sua adequação aos contextos reais nos quais essas estruturas são construídas” (p. 179). Daí o surgimento da corrente sociocognitivista.

De acordo com os sociocognitivistas, “a estrutura léxico-gramatical das línguas naturais reflete, em alguma medida, a estrutura do pensamento” (VELOZO, 2013). Em decorrência disso, assume-se que a representação do conhecimento de mundo não é fundamentalmente diferente da representação semântica, e que os processos cognitivos gerais, como mecanismos de categorização e de atenção, motivam os fenômenos gramaticais.

Nesse sentido, a construção da significação referente ao universo cultural leva em conta a captação dos dados da experiência. Dessa forma, “uma das hipóteses centrais dessa abordagem é que as experiências humanas mais básicas, as quais se estabelecem a partir do corpo, fornecem as bases dos sistemas conceptuais humanos” (VELOZO, 2013, p. 75). Daí dizer que o pensamento é compreendido, portanto, como corporificado, uma vez que sua estrutura e sua organização estão associadas diretamente à estrutura do corpo, assim como às

restrições humanas de percepção e de movimento no espaço. (MARTELLOTA e PALOMANES, 2011).

Nessa perspectiva, “o significado linguístico não é arbitrário, porque deriva de esquemas sensório-motores” (OLIVEIRA, 2001, p. 24). O significado corpóreo não seria nem exclusivo, nem prioritariamente linguístico. O esquema mental (imagético cinestésico) que surgiria diretamente da experiência corporal do falante com o mundo (ponto de partida, percurso, ponto de chegada, por exemplo) ancora o significado de suas expressões linguísticas sobre o espaço. São, portanto, as ações desse falante no mundo que lhe permitem apreender diretamente esquemas imagéticos espaciais e são esses esquemas que dão significado às suas expressões linguísticas. (cf. OLIVEIRA, 2011)

Acredita-se que as relações corpóreas do falante com o mundo, mesmo ainda antes que falasse, estruturam esquemas imagéticos, não proposicionais, com os quais atribui sentido as suas sequências linguísticas. Oliveira (2011) cita os seguintes esquemas: a) CAMINHO: os deslocamentos do sujeito de um lugar para outro; B) RECIPIENTE: o esquema de estar dentro e fora de algum lugar; c) BALANÇO: aprendido em ensaios para ficar em pé.

Araújo (2008), ao expor teoricamente os esquemas imagéticos, relaciona os principais, conforme quadro 2, a seguir:

Quadro 2 - Classificação dos esquemas imagéticos baseado em Clausner; Croft (1999) Esquemas de ESPAÇO Em cima -embaixo, frente-atrás, esquerda-direita,

próximo-longe, centro-periferia, contato

Esquemas de ESCALA Percurso

Esquemas de CONTÊINER Contenção, dentro-fora, superfície, cheio-vazio, conteúdo

Esquemas de FORÇA Equilíbrio/balanço, contraforça, compulsão, restrição, desbloqueio, bloqueio, desvio, atração Esquemas de

UNIDADE/MULTIPLICIDADE

Fusão, coleção, separação, reiteração, parte-todo, incontável-contável, ligação

Esquemas de IDENTIDADE Combinação, sobreposição

Esquemas de EXISTÊNCIA Remoção, espaço delimitado, ciclo, objeto, processo

Fonte: adaptado de Araújo (2008, p. 24)

Como salienta Araújo (2008), um quadro como esse poderia sugerir que a delimitação e a identificação de tais esquemas seria uma tarefa fácil. No entanto, praticamente todos os autores concordam sobre as dificuldades de encontrar uma base segura para a

delimitação dos esquemas imagéticos possíveis. Ainda mais quando se atenta para o fato da sua dinamicidade inerente.

Além de não ser fácil delimitar os esquemas possíveis, alerta Oliveira (2001) que nem todos os conceitos são resultantes de esquemas e que também há determinados domínios da experiência humana cujo sentido depende de mecanismos de abstração e não somente da relação corpórea. Partindo disso, a LC trabalha, então, com o conceito de metáforas, vistas como o mapa (conjunto de relações entre entidades definidas abstrata e logicamente) entre um domínio da experiência concreta e outro domínio mais abstrato. Note-se que, nesse contexto, tal conceito não se confunde com a figura de linguagem que se aprende a classificar na escola. Na perspectiva de Lakoff e Johnson (1980), a metáfora é concebida como um processo cognitivo que nos permite construir e/ou mapear esquemas mentais aprendidos de forma direta pelo nosso corpo. Tais esquemas são acionados em domínios mais abstratos cuja experimentação nos é indireta.

Lakoff e Johnson (1980) tipificam as metáforas em três subcategorias, de acordo com suas funções cognitivo-linguísticas:

1. Metáforas orientacionais – estruturam os conceitos de linearidade tendo como base orientações lineares não-metafóricas.

2. Metáforas ontológicas – projetam características de uma entidade ou substância sobre outra entidade ou substância que a priori não possui essas características. As personificações são metáforas desse tipo.

3. Metáforas estruturais – estruturam experiências ou atividades em termos de outras experiências ou atividades. São chamadas, genericamente, metáforas literais, porque são, em geral, inconscientes, automáticas e convencionais.

A partir dessas características, pode-se observar que a metáfora é uma relação de transferência de domínios conceituais e, conforme salientam Gonçalves et al. (2007, p. 43), ao discorrerem sobre o que propõem Heine et al.(1991),

a metáfora envolvida na gramaticalização, diferentemente daquela relacionada às figuras de linguagem, seria pragmaticamente motivada e voltada para a função na gramática. A partir dela não se formam novas expressões; predicações preexistentes são introduzidas em novos contextos ou aplicadas a novas situações por meio da extensão de significados: é a

‘metáfora emergente’, cuja origem, que propicia a gramaticalização, seria de natureza ‘categorial’. Esse sentido permite entender que o desenvolvimento

das estruturas gramaticais pode ser descrito em termos de algumas categorias básicas e parte sempre, unidirecionalmente, do elemento à esquerda – mais concreto.

Esse continuum metafórico de gramaticalização é mostrado por Heine et al (1991)

apud Gonçalveset al (2007, p. 43) da seguinte forma:

PESSOA>OBJETO>ATIVIDADE>ESPAÇO> TEMPO>QUALIDADE

Interessante observar que essas transferências baseiam-se em esquemas que partem dos domínios mais concretos para domínios mais abstratos, visto que as categorias situadas mais à esquerda da escala representam conceitos mais básicos da experiência humana.

Conforme atesta Coelho (2006), ao tratar de mudanças semânticas, os processos metafóricos são facilmente reconhecidos, uma vez que em muitas ocorrências essas mudanças são credenciadas à possibilidade que a língua oferece ao falante de empregar um sentido em termos de outro. Assim, com o tempo, aquela expansão metafórica se sagra e passa a incorporar o léxico de forma tal que os falantes não têm mais consciência de tratar-se de uma extensão de usos.

Conclui-se, a partir dessas explanações que, partindo da concepção de que a gramaticalização é o resultado de manipulação conceitual, é possível compreender que tenha na metáfora um mecanismo motivador.