• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

1.4 MODO/MODALIDADE

Há que se ressaltar que, nos estudos linguísticos sobre modalidade, uma das discussões iniciais é sobre a existência ou não de enunciados não modalizados (cf. NEVES, 2006). De acordo com Neves (2006), do ponto de vista comunicativo-pragmático, a modalidade pode ser considerada uma categoria automática, uma vez que não se concebe que o falante deixa de marcar, de algum modo, seu enunciado em termos de verdade do fato expresso, bem como que deixe nele certo grau de certeza sobre essa marca. Assim, todo enunciado seria marcado pelo falante e, portanto, modalizado. A autora ressalta ainda que, se a modalidade é um conjunto de relações entre o locutor, o enunciado e a realidade objetiva, é pertinente propor que não existem enunciados não modalizados.

No entanto, conforme salienta Neves (2006), a tradição linguística não tem tratado a modalização dos enunciados nessa perspectiva. Ducrot (1993, apud NEVES, 2006) defende que o conceito de modalidade, como todo conceito, é opositivo, ou seja, se há modal, há também não modal. Para esse autor (op. cit.), “o aspecto não-modal dos enunciados viria da descrição das coisas, das informações a propósito delas, da informação objetiva, e os aspectos modais seriam os relativos às tomadas de posição, às atitudes morais, intelectuais e afetivas expressas ao longo do discurso”. (p. 153).

Dessa forma, segundo observa Neves (2006), são muitos e diversos os estudos sobre modalidade. Isso acontece pelo fato de que são várias as conceituações dessa categoria, os campos de estudo, as orientações teóricas e os tipos de modalidades, sendo que ora se privilegia um, ora outro tipo de modalidade.

Conforme explica Fernandes (2011, p, 157), esse não é um embate recente.

Tais estudos remontam à antiguidade clássica. Os lógicos formais ocuparam- se em elaborar um sistema que desse conta, de forma coerente e precisa, das proposições que expressavam raciocínio válido. Assim, fixando regras abstratas que determinavam relações de inconsistência, incompatibilidade, contradição e oposição, definiam a verdade ou a falsidade das proposições.

Estabeleceram-se, desse modo, as modalidades tradicionalmente reconhecidas: as aléticas, ou aristotélicas, que se referem ao eixo da existência.

Dessa maneira, a noção de verdade deixa de ser absoluta para ser necessária ou possível. Estabelecidas as modalidades aléticas, os lógicos definiram ainda dois eixos conceituais, o do conhecimento e o da conduta, nomeando, então, as modalidades epistêmica e deôntica, do eixo da crença e da conduta, respectivamente. (cf. NEVES, 2006).

Necessário se faz aqui destacar que a tentativa de definir a modalidade leva à necessidade de definição também da categoria modo. Gonçalves (2013, p. 53) discute sobre a dificuldade em separar essas duas categorias e afirma que isso “reside no fato de que, na maioria das línguas, essas categorias nem sempre se apresentam de forma clara. Seus limites são muito tênues, não sendo possível demarcar, com precisão, o início e o fim entre essas duas noções [...]”.

Também Fonseca (2010, p. 70), ao retomar Bybee (1985), mostra que “Modo e Modalidade são termos usados para designar uma vasta variedade de funções linguísticas que têm sido discutidas de um ponto de vista lógico e semântico”. Nessa perspectiva, acrescenta que modo é uma marca do verbo que demonstra como o falante se mostra para colocar a proposição dentro do contexto discursivo, salientado que a formulação generalizada desse conceito é intencional para recobrir tanto marcas de força ilocucionária quanto marcas de graus de comprometimento do falante com a verdade da proposição, a modalidade, portanto.

Entretanto, apesar de estarem entrelaçados, modo e modalidade não são apresentados dessa forma em grande parte das gramáticas tradicionais.

A gramática tradicional não faz referência à categoria discursiva modalidade. A tradição gramatical privilegiou tão somente o estudo do modo ao tratar dos modos do verbo no âmbito da morfologia e dos verbos modais em oposição aos verbos sensitivos e causativos no que se refere à sintaxe. De fato, o modo está intimamente ligado à categoria modalidade, contudo, apesar de a gramática tradicional não ter quaisquer intenções de tratar as categorias linguísticas sob o ponto de vista discursivo, percebe-se que o conceito de modo permanece confuso e pouco explorado na abordagem tradicional. (FERNANDES, 2011, p. 162).

Ao tratar das flexões verbais, Cunha (1971) trata dos modos e os define como “as diferentes formas que toma o verbo para indicar a atitude (de certeza, de dúvida, de suposição, de mando etc) da pessoa que fala em relação ao fato que enuncia”. (p. 172). Essa definição demonstra que, mesmo não mencionando a expressão modalidade, nela está aliada a noção de

modo à ideia de avaliação pelo falante do conteúdo expresso pelo verbo, aproximando essa noção do que habitualmente se considera modalidade.

Neste ponto, pode-se inferir, então, que os modos verbais são um dos meios linguísticos de expressão de modalidade, como se vê na próxima subseção.

1.4.1 MEIOS LINGUÍSTICOS DE EXPRESSÃO DA MODALIDADE

De acordo com Neves (2006 [1996]), a modalidade pode ser expressa por diferentes meios linguísticos, dentre os quais se destacam os seguintes:

(a) verbo auxiliar modal: Esse jogador deve figurar entre os melhores do país23.

(b) verbo de significação plena, indicador de opinião, crença ou saber: Penso que esse

jogador figurará entre os melhores do país.

(c) advérbio: Certamente, esse jogador figurará entre os melhores do país.

(d) adjetivo em posição predicativa: É certo que esse jogador figurará entre os melhores

do país.

(e) substantivo: Meu desejo é que esse jogador figure entre os melhores do país.

(f) as próprias categorias gramaticais (Tempo/Aspecto/Modo) do verbo da predicação:

Paulo acreditava que o jogador figuraria entre os melhores do país.

Além desses elementos, Neves (2006) diz que expedientes puramente sintáticos podem ser usados na modalização de enunciados. Destacam-se, neste ponto:

(g) unipessoalização, que se alterna com a 1ª pessoa do singular e minimiza a participação do falante: Eu sei – disse João – que o jogador estará na lista dos melhores.

(h) intercalação de orações em 1ª pessoa, que produz o efeito contrário ao da unipessoalização: O jogador não atuou tanto, mas estará na lista dos melhores, eu acho.

Por fim, para completar a lista, Neves (2006) afirma que há meios prosódicos que sempre estão presentes na modalização em língua falada e, com base em Saint-Pierre (1991), distingue três classes de modalizadores, a partir da teoria dos atos ilocucionários:

23

Todos os exemplos apresentados para ilustrar os meios linguísticos de expressão da modalidade foram criados pela autora com base em sua intuição de falante.

(i) os marcadores prosódicos, que se relacionam à entonação e a outros componentes ligados à voz, podendo alterar a força ilocucionária de atos diretivos e assertivos, ou podendo apenas reforçar a modalização expressa pelos marcadores de outro nível estrutural;

(j) os marcadores morfológicos e sintáticos, que são os auxiliares de modo, as locuções de intensidade24, a modalidade impessoal, os advérbios modais e a colocação em relevo (topicalização, por exemplo);

(k) os marcadores discursivos, os quais podem tanto ultrapassar o quadro da proposição quanto indicar convenções de emprego da língua (repetição e formas de polidez, por exemplo).

Como se vê, são vários os recursos linguísticos dos quais o falante pode se valer para expressão da modalidade, podendo até mesmo essa modalidade ser um recurso de persuasão argumentativa, demonstrando a marca do falante em seus enunciados, como se vê na próxima seção.