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Dialogismo e dialogicidade na mediação pedagógica online

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3 MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA, DIALOGISMO, METODOLOGIAS ATIVAS E

3.2 Dialogismo e dialogicidade na mediação pedagógica online

A EAD Online apresenta-se, em seus preceitos gerais, através de características transformadoras, democráticas e sociais. Isso acontece não somente pelo sentido de flexibilizar a aprendizagem, como também, não apenas por pessoas estarem temporalmente e geograficamente separadas, mas sim por permitir uma educação libertadora, coletiva e participativa.

A modalidade educacional, realizada através do AVA e por intermédio de suas ferramentas de interação, possibilita ao educador criar situações colaborativas de aprendizagem, permitindo o surgimento de diferentes vozes no discurso, através do diálogo, convidando os educandos a se posicionarem sobre o tema em questão. A manifestação do diálogo, expressivo na EAD, consente aos envolvidos contribuírem mutualmente para reflexões críticas, além de autoria individual, como também, reinventando o caráter coletivo dessas produções.

O estudioso russo Mikhail Bakhtin (2011), em seus estudos direcionados à Linguística, assim como o educador brasileiro Paulo Freire (2010), em seus estudos sobre Educação, aproximaram-se numa linha de pensamento, valorizando o diálogo como fenômeno existencial, histórico e social da humanidade.

Essa aproximação dos autores sobre o diálogo demonstra, efetivamente, a contribuição deste à construção do conhecimento no cenário da EAD, mesmo que isso não tenha sido proposital. É através do diálogo que podemos problematizar as interações construídas no AVA, entendendo que estas vão além de aquisições cognitivas e transmissão de conteúdo. Bakhtin (2011), nas palavras de Silva (1997, p. 27), “considera duas possibilidades para se interpretar o conceito de diálogo. [...] além de constituir uma das formas cruciais na interação verbal, o diálogo deve ser

analisado no sentido mais amplo, enquanto princípio constitutivo de toda a comunicação verbal”.

A primeira forma que o diálogo se apresenta, no sentido mais exato da palavra, encontrou diferentes possibilidades de significação. O diálogo apresentado na interação verbal, único e somente, não envolve apenas o emissor ou receptor da mensagem, mas a recepção ativa do discurso de outrem, o que é fundamental para a construção do diálogo. Essa recepção ativa da mensagem proporciona ao outro, além da interpretação, sua incorporação no diálogo, de modo que este se torne o sujeito-emissor da mensagem.

Quando analisamos a forma mais “ampla” que o diálogo pode se apresentar, apreendida assim por Bakhtin (2011), verificamos a existência da comunicação verbal nas diversas formas de reflexões que o dialogismo se compõe: “dialogismo na interação verbal; dialogismo interno dentro do próprio texto; dialogismo nas relações dialógicas entre textos e enunciados anteriores e/ou enunciados posteriores à interação comunicativa e dialogismo na interação dialógica entre texto-contexto, enunciado-enunciação” (SILVA, 1997). A palavra é concebida e materializada em linguagem interior e na consciência, apresenta-se ideológica, relacionando-se com outros significados sociais, além de ser peça privilegiada da comunicação cotidiana, em meio à compreensão e interpretação (BAKHTIN, 2011).

Já Freire (2010), em sua abordagem sobre a educação, defende a ideia de que as práticas didáticas devem levar o educando a assimilar o objeto de estudo, fazendo o uso da dialética com a realidade. Isso em contraposição à educação de caráter tecnicista e alienante, chamada por ele de educação bancária. Para o autor, esse pensamento levaria o educando a criar sua própria educação, por caminhos mais autônomos e libertadores.

Dentro da concepção freireana de “educação libertadora”, é preciso que o educador se distancie do papel de narrador, rompendo com a ideia de que o educando é repositório de conteúdo pronto, mas levando este a se posicionar, criticamente, diante dos discursos em questão. Esta maneira do educador se apresentar, vista por Freire (2010), conduz à construção de uma metodologia participativa, democrática e coletiva, que através do diálogo serão geradas manifestações, em conjunto, de trocas de experiências. Ressalva, Freire (2010), ao dizer que o diálogo é um fenômeno humano, por entender que o sentido essencial

da palavra está em sua íntima relação de ação e reflexão. As dimensões de ação e reflexão não podem ser entendidas de modo separado, priorizando uma e não a outra, mas de modo que para o diálogo possa existir, elas estejam sendo articuladas juntas.

Na dinâmica da EAD Online, em especial aquela desenvolvida em AVA, o contato entre os envolvidos se dá através das ferramentas tecnológicas disponíveis na plataforma. O processo educativo acontece, em especial, através da dinâmica de ação e reflexão dos diálogos construídos pelo educador-mediador. Isso possibilita diálogos mais frequentes entre professores e estudantes, estudantes e estudantes. Esse fenômeno acontece pelas próprias características dessa modalidade educacional, como também pelo estímulo à interação oferecido por práticas pedagógicas mediadoras, como é o caso daquelas que são construídas em ferramentas de discussão, tais como: fórum, wiki, blog e chat. É nessa concepção dialética que o diálogo configura um caminho onde ambas as partes se sentem elementos humanizador e transformador da realidade.

(...) o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes. (...) É um ato de criação. Daí que não possa ser manhoso instrumento de que lance mão um sujeito para a conquista do outro. A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos dialógicos, não a de um pelo outro. (FREIRE, 2010, p. 91).

Na natureza do diálogo, encontramos um propósito socialmente revelador, pois é dele que vem a possibilidade de transformação e libertação humana. É através do diálogo que construímos a aproximação de diferentes realidades, promovendo o reconhecimento do homem em seu semelhante. Assim, podemos afirmar que o diálogo pode estabelecer uma relação igualitária de troca de sentimentos, necessidades, expectativas e experiências.

Para a EAD, “a extensão e a natureza do diálogo são determinadas pela filosofia educacional do indivíduo ou grupo responsável pela elaboração do curso, pelas personalidades do professor e do aluno, pela matéria do curso e por fatores ambientais”. (MOORE; KEARSLEY, 2013, p. 241).

Dentro desse entendimento e na perspectiva de estudo desta pesquisa, o papel mediador do educador requer que sejam propostas questões de maior afinidade com a língua e com o tema abordado, levando o educando a apropriar-se dos conteúdos discutidos, exercendo sua autonomia, disciplina e reflexão. Dessa maneira, o docente assume o papel de ponte entre o que está sendo proposto, as reflexões construídas e as reflexões discutidas.

Freire (2010, p. 83) afirma que “o fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve”.

A postura dialógica na modalidade de EAD Online encaixa-se perfeitamente com as habilidades existentes nas ferramentas de discussão. Os fóruns de discussão, as wikis, os blogs e chats contribuem diretamente na construção e socialização do conhecimento pelos sujeitos envolvidos, oferecendo-lhes a possibilidade de interação entre si, como também, com o conteúdo abordado. Por via dessa relação dialógica é que o conhecimento é construído e/ou reconstruído no AVA. São através das atuações que favorecem o dialogismo, que os mediadores pedagógicos criam momentos constantes de ação-reflexão.

O uso do termo dialogismo, assim empregado por Bakhtin (2011), sugere cuidados nas questões de gênero, cultura, religião, procedência geográfica, em situações mediadas pelo professor. O que é proposto pelo educador, por meio de uma linguagem comum e universal, possibilita a humanização do diálogo, como também o combate às relações assimétricas do discurso. Isso fortalece os laços de inclusão e pertencimento ao debate, em que todos os educandos poderão contribuir, mutualmente, de alguma maneira.

Em Freire (2010), o diálogo está em acontecimento, ou seja, em constante ação-reflexão. Portanto, para o autor, a dialogicidade transpõe a consideração de uma característica de linguagem, como encontramos no dialogismo, mas permite ser uma via social de humanização do ser. Outro destaque concebido por Freire (2010) é a condição da verdade no discurso. O pensar verdadeiro, crítico, não condicionado e nem aprisionado a alienações. Freire (2010) ainda aponta que a dialogicidade se dá até mesmo antes de uma situação pedagógica entre educadores e educandos, mas desde o momento em que o educador constrói o conteúdo programático.

Contudo, a partir do que foi exposto nesse trabalho sobre noções de dialogismo e de dialogicidade no contexto da EAD Online, são aceitáveis as contribuições dadas pelos pensadores Bakhtin (2011) e Freire (2010), principalmente no que dizem respeito ao desenvolvimento, à construção e socialização do conhecimento a partir do diálogo, como também sua importância para uma educação libertadora, igualitária, humana e transformadora da realidade educacional existente.

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