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UMA VIDA NA ARTE

DIANTE DO CRUCIFIXO

Meu Deus, porque me fizestes junto de Ti em oposição a Ti, Porque me criastes com o céu e o inferno dentro de mim, Porque me fizestes nascer sobre o signo do amor ideal, Porque me destes a sede do inatingível e do absoluto E porque não me integraste desde o princípio, Através dos tempos e até a consumação dos séculos, Na Tua verdade, na Tua essência e na Tua vida!... 123

Um ano depois, escreve “A Poesia em Pânico” que recebeu aplauso de Mário de Andrade. Em 1940, conhece Maria da Saudade Cortesão124 e, em 1947, casa-se com ela. Com “O Visionário” (1941), Murilo retoma alguns temas já apresentados no seu livro de estreia, ao questionar o mistério do tempo, “...que se manifesta simbolicamente na mulher, guardiã, em seu corpo, da semente que faz brotar a vida, pois seu ventre é o depositário do passado e do futuro, amadurecendo e se renovando a cada gestação”. Sua produção continua com “As Metamorfoses” (1944) e “Mundo Enigma” (1945). Neste último encontra-se uma coleção de poemas dedicados à mulher, Maria da Saudade Cortesão.

Sua primeira tentativa na prosa é “O discípulo de Emaús” (1945), composto de algumas centenas de aforismos, em que diz: “Passaremos do mundo adjetivo para o mundo substantivo”. É nessa época que o poeta colaborou com frequência na imprensa brasileira, escrevendo muito sobre música, como no suplemento Letras e Artes, do jornal A Manhã. Publicou uma longa série de artigos, intitulada Formação de Discoteca, em que revelou seu

123 Disponível em:

http://www.obrascatolicas.com/livros/Revista%20A%20Ordem/Revista%20Completa%20A%20Ordem%20Jane iro%20de%201937.pdf. Acesso em: 01.04.2013.

124 Maria da Saudade Cortesão, filha do historiador e poeta português Jaime Cortesão (1884-1960), exilado no

52 atuante e profundo conhecimento de música, além de escrever também sobre artes plásticas.125

Em 1947, publica “Poesia Liberdade” e, em 1949, “Janela do caos”. Em 1952, faz sua primeira viagem em família à Europa, e inicia amizade com André Breton, René Char, Camus, Magritte126 e outros. Entre 1953 e 1956, o poeta ministra conferências em universidades na Bélgica e Holanda. Com “Contemplação de Ouro Preto” (1954), o autor inaugura uma nova fase em sua poesia: o reencontro com a verdade aparentemente contraditória de que a tradição pode ser um atalho para o Absoluto. Instala-se na Itália127 (1957), aos 56 anos de idade, contratado pelo Departamento Cultural do Itamaraty para ministrar aulas de Estudos Brasileiros na Universidade de Roma e afirma-se como crítico de arte. Com o poema “Tempo espanhol” (1959), Murilo Mendes demonstra sua paixão pela Espanha, país onde poderia ter se estabelecido em 1956 – um ano antes de radicar-se definitivamente em Roma – se a Espanha não lhe tivesse negado a residência no país.128

Publica, ainda em 1959, "Siciliana", texto bilíngue traduzido por G. Ungaretti, e, em 1965, "Italianíssima: 7 murilogrammi". Com sua mulher, a também poeta Maria da Saudade Cortesão, recebe escritores, artistas, cineastas e intelectuais em seu apartamento da Via Del Consulato. Muitos deles serão evocados por Murilo em seu “Retratos-relâmpago” (1973). Mas, afinal, o que o poeta pretendia encontrar na Europa? Vejamos o que diz Fiorezi:

Exatamente as sombras amadas de tudo aquilo que leu, de toda a sua formação, notadamente francesa. Ele espera encontrar tais sombras amadas de toda tradição literária, na qual vai se iniciar em seu período de formação, ainda em Juiz de Fora, e com a qual vai ter contato

125 GILFRANCISCO. Murilo Mendes: Um poeta visionário. Disponível em:

http://www.germinaliteratura.com.br/literaturagfesp_agosto2006.htm. Acesso em: 01/05/2013.

126 André Breton foi um escritor francês, poeta e teórico do surrealismo. 1896-1966, Paris-

França.Obras: Nadja, Manifesto do surrealismo; René Char foi um poeta francês, inicialmente ligado ao grupo surrealista de Paris, tendo publicado livros em coautoria com alguns destes, como Ralentir Travaux, com André Breton e Paul Éluard.1907-1988. Paris, França; Albert Camus, foi um escritor, romancista, ensaísta, dramaturgo e filosofo francês nascido na Argélia. Foi também jornalista militante engajado na Resistência Francesa e nas discussões morais do pós-guerra. 1913-1960, Villeblevin, França; René François Ghislain Magritte foi um dos principais artistas surrealistas belgas, ao lado de Paul Delvaux, 1898-1967, Lessines, Bélgica. Obras: The Son of Man, La trahison des images, Golconda. Disponível em: http://pt.wikipedia.org. Acesso em: 14.07.2013.

127 LUCAS, Fábio. Murilo Mendes: poeta e prosador. São Paulo: EDUC, 2001. “Lírico e prosador

revolucionário de poéticas fortes e chocantes, foi homem de gestos e corajosos e ousados. No dia da entrada das forças alemãs na Áustria, telegrafou a Hitler protestando em nome de Mozart. E, ao chegar a Roma, declarado

persona non grata pela Espanha, quando o Brasil já mergulhara no pântano da ditadura militar, levantou um brinde ao fim de todas as ditaduras”.

53 através de alguns artistas europeus que conhece no Rio de Janeiro, como Vieira da Silva, Arpade Arsenes, entre outros.129

O poeta retorna às suas origens no livro “A idade do serrote”, escrito entre 1965 e 1966, e publicado em 1968. Em 1970, publica “Convergência”. Conforme Santos, “na obra, percebe-se um diálogo que abarca as obras anteriores do poeta em um processo intratextual e intertextual com os escritores e artistas de diferentes épocas do ocidente e do oriente e com pessoas queridas”.130 Como um poeta que busca inovar, Murilo escreve “Poliedro” (1972).

Menezes destaca que nesta obra, “além de variadas memórias e citações de outros autores, o poeta se reinventa biograficamente por meio de seus animais”.131 Em 1972, Murilo recebe o

Prêmio Internacional de Poesia Etna-Taormina, o maior concedido a um poeta na Itália. Neste mesmo ano Murilo Mendes fez a última visita ao Brasil, após 17 anos de ausência. Fioreze acrescenta que Murilo, além da sua vida modesta, com enormes dificuldades financeiras, no Rio de Janeiro, viajava pouco, ou seja, “seus deslocamentos eram restritos a uma pequena ida à Bahia, a algumas estações em Petrópolis e a uma permanência um tanto desagradável em Juiz de Fora”. O ano de 1972 foi igualmente importante para o poeta, pois é o ano que coincide com a publicação do livro de Laís Corrêa de Araújo132 dedicado à obra muriliana. Era um bom motivo para reerguer o ânimo do poeta uma vez que um sentimento de angústia tomava conta dele, pois esperava ver publicada a sua obra completa no Brasil, onde seu nome caíra no esquecimento. Seu desejo era de que a Imprensa Oficial de Belo Horizonte viesse a editar seus poemas.133 Por iniciativa do Conselho Estadual de Cultura de São Paulo, sai a primeira série do livro “Retratos-relâmpago” (1973); a segunda série seria publicada no ano da morte do poeta. Murilo Mendes veraneava em Portugal, na casa de seu sogro Jaime Cortesão, quando, em 13 de agosto de 1975, acometido por uma fulminante síncope cardíaca, falece em Lisboa, cidade descrita em seu livro “Janelas verdes” (1989), publicado postumamente, como "consabidamente bela”.

129 FIOREZI, Fernando In: Murilo, Cecília e Drummond 100 anos com Deus na poesia brasileira. São Paulo:

Edições Loyola, 2004. p. 108.

130 SANTOS, Rita de Cassi Pereira dos. Diálogo Poético. In: Revista do Grupo GT Teoria do texto Poético, vol.

9, 2010. Disponível em: http://www.textopoetico.com.br. Acesso em: 08.08.2013.

131 MENEZES, Felipe Amaral Rocha de. Animais biográficos: um estudo de Poliedro, de Murilo Mendes.

Dissertação de Mestrado em Letras, Minas Gerais, 2010. Disponível em: http://hdl.handle.net/1843/ECAP- 867M3U. Acesso em: 08.08.2013.

132 Poetisa, escritora e jornalista Laís Corrêa de Araújo Ávila, além de artigos de crítica literária, publicou um

livro de ensaios sobre o poeta Murilo Mendes, com quem manteve intensa correspondência. Faleceu em Belo Horizonte, aos 78 anos. Enciclopédia Itaú Cultural Literatura Brasileira. Disponível em: http://itaucultural.org.br. Acesso em: 14.04.2013.

133 Murilo Mendes: Modernista desarticulado. Disponível em: http://www.terra.com.br/tremdeminas/murilo.htm.

54 Deixou mais de vinte livros publicados em português, italiano e francês, bem como uma vasta biblioteca e uma importante coleção de arte, coleção preciosa, nascida toda da amizade e do convívio com grandes artistas brasileiros e europeus. Uma parte desses arquivos - livros e obras de arte - encontra-se no Museu de Arte Moderna Murilo Mendes (MAM), criado pela Universidade Federal de Juiz de Fora para abrigá-los.

No ano de 1977, dois anos após a morte de Murilo Mendes, a Universidade Federal de Juiz de Fora recebeu a biblioteca do poeta, composta de mais de 2.800 volumes das mais diversas áreas (literatura, artes plásticas, música e filosofia), pelas mãos de sua viúva Maria da Saudade Cortesão Mendes, fazendo cumprir o testamento do poeta, que destinara seu acervo pessoal à instituição. O acervo de artes plásticas do escritor, proveniente da Fundação Calouste Gulbenkian, de Lisboa, só em 1994 veio para Juiz de Fora, por interferência do governo brasileiro, constituindo, então, o Centro de Estudos Murilo Mendes (CEMM), abrigado na casa onde o poeta nascera e passara a infância e parte da adolescência.134

1.2 - Murilo Mendes e a linguagem religiosa

Linguagem é o sistema através do qual o homem comunica suas ideias e sentimentos, seja através da fala, da escrita ou de outros signos convencionais.135

Religiosa: adjetivo de religião (do latim religio, -onis: re-ligar ou ligar novamente), é conjunto cultural susceptível de articular todo um sistema de crenças em Deus ou num sobrenatural, e um código de gestos, de práticas e de celebrações rituais.136

Para Finley, “a linguagem religiosa tem um propósito específico: possibilitar que as pessoas conversem sobre a experiência religiosa humana, em particular, para os cristãos (...), para que falemos dos mistérios centrais da fé cristã”.137 Finley acrescenta, ainda, que “a

134 DIAS, André Luiz de Freitas & SILVA, Frederico Spada. Os arquivos de Murilos Mendes: Biblioteca e

filioteca Disponível em: http://pendientedemigracion.ucm.es/info/especulo/numero44/mmendez.html. Acesso em: 14.07.2013.

135 Revista de estudos literários, 2010. Disponível em: http://www.significados.com.br/linguagem. Acesso em:

02.06.2013.

136 BARBOSA, Leila Maria Fonseca & RODRIGUES, Marisa Timponi Pereira. Arte e Espiritualidade – O

discurso religioso na obra de Murilo Mendes. Revista Magis Cadernos de Fé e Cultura, nº 04, 1995, Centro Loyola de Fé e Cultura. Disponível em: http://www.clfc.puc-rio.br/pdf/fc04.pdf. Acesso em: 05.03.2013.

55 linguagem religiosa pode tanto revelar como esconder; ela é tudo que dispomos para falar de Deus e da experiência religiosa”. No parágrafo 40, do Catecismo da Igreja, encontramos a afirmação:

Como nosso conhecimento de Deus é limitado, também é limitada nossa linguagem sobre ele. Só podemos falar de Deus tomando as criaturas como nosso ponto de partida, e segundo nosso modo humano limitado de conhecer e pensar.138

Nas obras de Murilo Mendes a linguagem religiosa cristã é sempre recorrente. Percebe-se, em grande parte dos seus poemas, a inspiração no Verbo de Deus Encarnado, de quem apreende a Poesia Máxima.139 Não é de se estranhar que as poesias do período de 1930- 1950 buscavam expressar, de forma mais densa, a verdade humana ou social de cada artista, fato que levou alguns poetas modernos a entenderam a arte de fazer versos como uma atividade de caráter religioso, conferindo à poesia a temática religiosa, especificamente a do pensamento cristão-católico.

É célebre a afirmação de Manuel Bandeira ao apreciar as poesias do autor de “As Metamorfoses”: “Murilo Mendes é um dos quatro ou cinco bichos-de-seda da nossa poesia, isto é, os que tiram tudo de si mesmos.”140 A aproximação de Murilo com o Cristo

companheiro e o Cristo da Escritura deixa entrever em seus poemas o interesse em aprender do Cristo o Caminho e a Vida. Para Murilo, “O espírito de Emaús é o espírito de companheirismo com o Cristo” (dE 746), e “Ser amigo é repartir a vida” (dE 746). Desta forma, em seus poemas, ele expõe o que experimentou ao aprofundar no conhecimento da Escritura: “A vida da Escritura consiste Nele (na pessoa de Cristo), desde a primeira palavra do Genesis até a última do Apocalipse”. (dE 232)

“Tirar tudo de si mesmo” faz alusão ao Cristo Crucificado na experiência de esvaziamento para servir mais a Deus. Murilo é um poeta que, na busca da Verdade, de poeta essencialista para católico convertido e fervoroso, se encontrará criando uma nova linguagem religiosa – a poesia com profundos traços antropológicos e religiosos. Ele fala a partir da sua experiência e da sua visão de mundo para o homem moderno, e muitos se identificarão com

138 Cat., 40.

139 SILVA, Francis Paulina In: MORI, Geraldo De., SANTOS, Luciano., & CALDAS, Carlos.(orgs.). Aragem do

Sagrado. Deus na Literatura brasileira contemporânea. São Paulo: Edições Loyola, 2011. p. 115.

140 BANDEIRA, Manuel. Apresentação da Poesia Brasileira In: Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro:

56 esse novo jeito de olhar a pessoa no mundo, porque de certa forma ele fala a partir da pessoa nas suas mais diversas realidades, conforme afirma Rodrigues141:

A obra de Murilo Mendes é composta de prosa poética e de versos, sendo, pois, uma obra literária. E literatura é uma prática através da qual o homem, como indivíduo, realiza sua necessidade de permanência, de imortalidade. Nela, ele se coloca por inteiro, em toda sua complexidade, ao elaborar o texto, o tecido, a tecitura que pressupõe os vários fios - sociológicos, ideológicos, históricos, filosóficos, estruturais, religiosos - que constituem a unidade Homem.

Ao destacar alguns aspectos da vida e das obras de Murilo Mendes percebemos que há neste autor, poeta, brasileiro, mineiro, católico, ou como ele mesmo afirmou em “Microdefinição do autor”: “dentro de mim discutem um mineiro, um grego, um hebreu, um indiano, um cristão péssimo, relaxado, um socialista amador”, uma preocupação com a pessoa e sua relação com o mundo. Essa relação interessa à presente pesquisa, que busca perceber na poesia de Murilo Mendes a mística cristã a partir da Antropologia.142

O tempo de convivência de Murilo com a mística católica culminou na morte de Ismael Nery, e na conversão de Murilo a um catolicismo entusiasta e messiânico143, disposto a “restaurar todas as coisas em Cristo”, como o próprio Murilo se propunha em “Tempo e Eternidade”. A religiosidade na obra do poeta divide espaço com uma temática cósmica, social e mística. A figura do poeta como testemunha de Deus ecoa no poema. Murilo se reconhece como da “raça do Eterno”:144

Eu sou da raça do eterno

Do amor que unirá todos os homens: Vinde a mim órfãos de poesia, Choremos sobre o mundo mutilado. (Filiação)

141 RODRIGUES, Marisa T.P. & BARBOSA, Leila M.F. Revista Magis Cadernos de Fé e Cultura, nº 04, 1995,

PUC/RIO. In: O Discurso Religioso na Obra de Murilo Mendes. Disponível em: http://www.clfc.puc- rio.br/pdf/fc48.pdf. Acesso em: 14.03.2013.

142 MANZATTO, Antonio. Teologia e Literatura: reflexão teológica contida a partir dos romances de Jorge

Amado. p. 93.

143 SILVA, Francis Paulina In: MORI, Geraldo De., SANTOS, Luciano., & CALDAS, Carlos.(orgs.). Aragem do

Sagrado. Deus na Literatura brasileira contemporânea. p. 115.

144 SILVA, Rosana Rodrigues da. Tempo e Eternidade: a poesia religiosa de Jorge de Lima e de Murilo Mendes.

In: Revista de Estudos Literários Terra roxa e outras terras. Vol. 3.2003. p. 120. Disponível em: http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa/g_pdf/vol3/vol3_te.pdf. Acesso em: 15.04.2013.

57 Aparentemente hermético Murilo Mendes é um dos nossos poetas que viveram em comunhão mais estreita com o mundo, com as variações sociais, políticas e morais do tempo. Esta era uma das características de seu trabalho desde “Poesia Liberdade” (1943-1945), publicada em 1947. Nesse livro, Murilo Mendes apresenta duas séries de poemas enfeixados, que testemunham e refletem o que houve de mais terrível nesses dois anos: a guerra e as decepções provenientes dos efeitos da própria guerra e da paz ainda longínqua. Murilo sabe que a função do poeta é a de ser aquele ouvido resistente que poderá perceber “o choque do tempo contra o altar da eternidade”145.

Bosi afirma que “Murilo perfura a crosta das instituições e dos costumes culturais”146

para irromper a linguagem religiosa que de tal modo se configura como sua linguagem poética. “A poesia pode favorecer a mística e ajudar na comunicação espiritual, que não se transmite através de conceitos”147 comenta Manzatto, e, neste caso, Murilo Mendes expressa

sua mística religiosa numa linguagem mística, que é também poética. À afirmação de Bosi de que “a linguagem religiosa faz a ligação do homem com sua totalidade”,148 complementamos

afirmando que religião, mística e poesia contribuem para que a pessoa enxergue o humano na sua totalidade. Quando esses elementos se separam, deixam de prestar um serviço ao individuo e à coletividade. Muito mais que isso, nem a religião, nem a mística e nem a poesia existem para afastar a pessoa do real; quando a afastam, existem problemas. Para Murilo, deixar de promover a profunda relação entre mistério e vida partindo do cotidiano, das crises e dos questionamentos é romper com a possibilidade de uma dimensão nova de abertura das pessoas entre si, com o mundo e com Deus.

2. - Em Murilo Mendes, vida e poesia caminham juntas

“Se não nos elevamos, o peso do mundo nos esmagará.” A poesia de Murilo Mendes, com características do cristianismo, mantém-se de mãos dadas com a realidade. Em 1945 torna-se visível a aproximação do poeta com a passagem

145 MENDES, Murilo. Poesia Liberdade. Rio de Janeiro: Agir, 1947.

146 BOSI, Alfredo. História Concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 447.

147 MANZATTO, Antonio. Teologia e Literatura: reflexão teologia contida a partir dos romances de Jorge

Amado. p. 77.

58 neotestamentária do evangelho de Lucas. Murilo Mendes escreve o poema “Emaús” e a obra “O discípulo de Emaús”, deixando transparecer que faz experiência semelhante à relatada no texto bíblico em que aquele forasteiro, que vai abrindo os ouvidos e depois os olhos, se toma como o discípulo de Emaús.149 Para Yunes: “O discípulo vai resgatar o ‘espírito de Emaús’ para poder pensar o mundo moderno, as relações entre arte, poesia, pintura, música, dança, arquitetura e a fé, a Igreja católica, a vida material e a eterna, principalmente”.

Escrita em prosa, a obra O discípulo de Emaús, através de suas comparações, indica mais semelhanças que diferenças entre o religioso cristão e o poético. Murilo Mendes demonstra que o caminho proposto pelo Cristo é o que há de melhor a ser anunciado e a ser seguido. Para ele, “o espírito de Emaús é o espírito de companheiro com o Cristo” (dE 234):

O espírito de Emaús é o contrário do espírito de gabinete e de laboratório: é o espírito antitécnico, de desprendimento, de improvisação e de fraternidade no essencial.A vida poética pela contemplação das obras divinas, pelo aprofundamento das Escrituras, o companheirismo a céu aberto, o pão eterno, uma posta de peixe e um favo de mel. É o complemento e a plenitude do espírito do Sermão da Montanha, o mais alto e perfeito exemplo de vida poética jamais proposto aos homens.

Benício comenta que “o espírito de Emaús, contrário a todo academicismo, foi o que inspirou Murilo Mendes a escrever O discípulo de Emaús” 150. Fomentando em seu artigo um

diálogo entre Jesus Cristo e Murilo Mendes, apresenta-nos o poeta como “essencialmente cristocêntrico, declarando-se eternamente seduzido pela humanidade do Filho de Deus”, ou seja, assumindo uma vida poética compatível com a teologia.

Murilo encontra sentido no entrelaçamento das relações dos diversos “mundos” e, principalmente, no que se refere à religião. Esta não deve ser estanque, mas relacional, a fim de contribuir excepcionalmente com o desenvolvimento da pessoa, do contrário: “Os que persistem em considerar a religião, a arte e a ciência como compartimentos estanques pouco avançarão no conhecimento do universo”.(dE 562)

149 YUNES, Eliana. (org.). Murilo, Cecília e Drummond. 100 anos com Deus na poesia brasileira. p. 101. 150 BENÍCIO, Paulo José. Cristo e o discípulo de Emaús. In: Fides Reformata6/1.2001. Disponível em:

http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_VI__2001_/Benicio.pdf. Acesso em: 01.04.2013.

59 2.1 – Questões de fé na Arte

Nas poesias de Murilo Mendes, especialmente a partir da sua conversão ao catolicismo, verificamos muitos relatos de uma vivência religiosa, ou ao menos de um interesse por questões da fé, porém, como afirma Junior: “Os modos murilianos de representação do sagrado não se fazem convencionais, uma vez que divergem daquilo que está colocado pelo discurso religioso tradicional”.151

Junior acrescenta: “nota-se que o poeta não quer formular respostas religiosas”152, fato

que identificamos em suas poesias, porém, ao resgatar aspectos contemporâneos, o poeta

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