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UMA VIDA NA ARTE

NOVA CARA DO MUNDO

O cometa Halley vai passar

Toda cidade acorda pra ver o cometa Ele é enorme e fabuloso

Destrói idades pensamentos de homem(...). O cometa me traz o anúncio de outros mundos

e de noite eu não durmo

atrapalhado com o mistério das coisas visíveis,

No rabo imenso do cometa

passa a luz, passa a poesia, todo mundo passa!115

Murilo começou a Faculdade de Farmácia em 1916, abandonando o curso logo no segundo ano. No colégio interno de Niterói, iniciou a atividade literária. Comunicou à família que se recusaria a continuar estudando. Virou problema: o jovem que queria ser poeta. Ele mesmo relata a sua decisão:

“Não revelo vocação para nenhum ofício, divirto-me em contrariar a opinião comum, prego partidas a quase todos; padres e professores perdem a cabeça comigo. Declaro sistematicamente que só quero ser poeta, nada mais.” (is 167)

Em 1917, Murilo vai para o Rio, para o Colégio Santa Rosa, em Niterói, de onde foge para ver Nijinski dançar no Municipal: "Nijinski dançando no arco-íris / Reconcilia céu e terra”, outra revelação poética. O pai e a madrasta tentaram colocá-lo em algum emprego, e Murilo experimentou várias profissões: telegrafista, prático de farmácia, guarda-livros, funcionário do cartório do pai, professor de francês na cidade mineira de Santos Dumont. Tentativas inúteis. Em 1921 foi morar definitivamente no Rio de Janeiro com um irmão, que conseguiu empregá-lo como arquivista de uma repartição pública. Colaborou com alguns jornais e, em seguida, com a Revista de Antropofagia. Em 1930, seu pai, Onofre Mendes,

115MENDES, Murilo. Nova cara do Mundo. Revista de Antropofagia, ano 2. nº 14, julho 1929. Disponível em:

49 conforma-se com o destino do filho e patrocina a publicação do primeiro livro “Poemas”. Com ele, Murilo conquista o prêmio Graça Aranha.

A década de 20 marca o início do movimento modernista, que eclode com a Semana de Arte Moderna, em São Paulo, no ano de 1922. Murilo, já no Rio de Janeiro, tem o seu primeiro contato com poesia modernista brasileira.116 Sem se envolver muito, o poeta admite ter ficado sensível ao movimento: “Em 1922 eu estava no Rio, olhando de longe e com simpatia o movimento, mas sem aderir oficialmente, porque nunca tive instinto gregário, o que sempre me impediu de fazer parte de qualquer grupo”.117 Não demorou muito o pintor

Ismael Nery118 aparece na vida dele e acaba gerando uma grande influência em seu espírito católico essencialista119. Aliás, em 1934, foi o próprio Nery que, no leito de morte, provocou essa reconversão em Murilo em meio a uma grande crise religiosa. Na Revista Ordem, de fevereiro de 1935, Murilo resgata dois poemas, considerando Ismael Nery e ele próprio portadores de “uma atmosfera única na poesia brasileira”. Murilo admite:

Ismael Nery conservou-se sempre cristão. A época em que ele viveu era muito desfavorável ao catolicismo no Brasil. Os intelectuais eram, na grande maioria, agnósticos, comunistas ou comunizantes (...). A religião parecia-nos como qualquer coisa de obsoleto, definitivamente ultrapassada. (...) Não era possível, sobretudo a uma pessoa de bom gosto, ser católica. Nós todos éramos delirantemente modernos, queríamos fazer tábua rasa dos antigos processos de pensamentos e instalar também uma espécie de nova ética anarquista.(...) Mas (Ismael) permanecia firme na sua fé, que considerava apoiada sobre um valor absoluto, definitivo, eterno. (...)

116 DIAS, André Luiz de Freitas & SILVA, Frederico Spada. Os arquivos de Murilos Mendes: Biblioteca e

filioteca . Disponível em: http://pendientedemigracion.ucm.es/info/especulo/numero44/mmendez.html. Acesso em: 14.05.2013.

117 FRIAS, Joana Matos. O erro de Hamlet: poesia e dialética em Murilo Mendes. Rio de Janeiro: 7 Letras,

2002. p. 23. Este trabalho recebeu em 2001 o Prêmio de Literatura Murilo Mendes, categoria ensaio, concedido pelo Centro de Estudos Murilo Mendes – UFJF.

118 Ismael Nery foi não só artista como homem de vanguarda: desenhista, pintor e arquiteto, filósofo e poeta.

Diferente dos outros artistas da Primeira Geração Modernista, ele não buscava uma identidade nacional; antes se aproximava de valores universais, internacionalistas, de acordo com sua ideias filosóficas e místicas. Disponível em: http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo2/modernismo/artistas/nery/index.htm. Acesso em: 30.07.2013. O depoimento sobre a rara e fervorosa entre os dois artistas pode ser lido nos escrito de Murilo Mendes: MENDES, Murilo & JUNIOR, Davi Arrigucci. Recordações de Ismael Nery. São Paulo: EDUSP, 1996.

119 A arte de Ismael Nery, diz-nos Jorge Burlamaqui, “não é só uma percepção da vida pelos sentidos. A grande

produção artística deixada por Ismael obedece a um conjunto filosófico gerado de um pensamento constantemente preocupado com o absoluto, o essencial e com a unidade”. Esse “conjunto filosófico” foi batizado por Murilo Mendes de essencialismo. (Essencialismo: busca da essência maior de todas as coisas.

Aragem do Sagrado. Deus na Literatura brasileira contemporânea. São Paulo, Edições Loyola, 2011. p. 119). Não é fácil, no entanto, dizer em que consiste essa filosofia. Ismael não nos deixou nada substancial escrito sobre o tema. Dizia que “se suas ideias eram verdadeiras, haveria de se transmitir na sucessão das idades, não importando que aparecessem com o nome dele ou de outro”. Disponível em: http://escamandro.wordpress.com/2011/11/28/o-essencialismo-de-ismael-nery/. Acesso em: 18.04.2013.

50 Apresentava-nos o Cristo não só na sua divindade, mas também na sua humanidade, mostrando-nos constantemente a verdade da encarnação e, ainda, o Cristo como filósofo e modelo supremo dos poetas e artistas (...). Pouco a pouco, apesar de nossa rebeldia e nossas indecisões, começamos a perceber que o evangelho não era um livro remoto e superado, mas uma fonte de vida, pois contém a doutrina d’Aquele que se declarou a própria vida.120

A poesia da geração de 30 surgiu imbuída de grande preocupação social, e isso é especialmente perceptível na poesia de Murilo Mendes, que analisa o destino do ser humano como um todo. Em 1932, escreve o poema "História do Brasil". Em 1934, desenvolve temas religiosos e, em 1935, com o poeta alagoano Jorge de Lima, escreve "Tempo e Eternidade". O título faz referência a uma passagem bíblica, e narra um episódio de solidariedade ao Cristo. Com esta obra, Murilo parece ter abandonado para sempre o culto do epigrama cortante121, que todos retinham na memória e todos os amigos do humor repetiam. Na obra vamos encontrar, ainda, uma poesia totalmente voltada a Deus; ao contato de Deus, tudo se diviniza. Todo o seu fervor, todo o seu grande deslumbramento vem de Deus e vai para Deus. É dali que vem o sentido universal, amplo, envolvente e grandioso da poética de Murilo Mendes, atento a todas as virtudes cristãs, especialmente a piedade. O coautor da coletânea, Jorge de Lima, é conhecido como o poeta da serenidade, da majestade e do amor a Deus, o poeta do deslumbramento divino. Em 1936, Murilo publica “O sinal de Deus”, em sintonia com os traços religiosos já encontrados em outras obras. Couto comenta que:

O projeto cultural pessoal de Murilo Mendes, compartilhado com outros artistas como Ismael Nery e Jorge de Lima, comporta concepções que partem dos arquétipos bíblicos e dos dogmas católicos que, reelaborados na poesia, são transformados em princípios de exercício crítico e alcançam a tipificação de apostolado e de messianismo artístico.122

Na Revista A Ordem, edição de 1936, encontramos a publicação de dois poemas que retratam essa mudança na vida do poeta:

120 NERY, Ismael. Recordação de Ismael Nery. Folha de São Paulo, Folhetim, 28.10.1984.

121 Epigrama (Grego: ἐπί-γραφὼ, literalmente, "sobre-escrever"), é uma composição poética breve que expressa

um único pensamento principal, festivo ou satírico, de forma engenhosa. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Epigrama. Acesso em: 06.08.2013.

122COUTO, Alda Maria Quadros do. O sinal de Deus na cartografia crítica de Murilo Mendes. Tese de

Doutorado em Letras. Campinas, 1997. Disponível em: http://libdigi.unicamp.br/document/?code=000120840. Acesso em: 08.08.2013.

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