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2.3 Lexicografia

2.3.4 Dicionário de língua monolíngue

Cada tipo de obra lexicográfica apresenta suas peculiaridades, o que irá interferir tanto na elaboração quanto no desenvolvimento de atividades voltadas às questões semântico-lexicais para ampliação de vocabulário dos aprendizes. Sob esse prisma, dentre uma lista de classificações, esta pesquisa direciona seu olhar para o dicionário de língua monolíngue.

Esse tipo de dicionário pode ser classificado como dicionário-padrão, com uma macroestrutura de 50.000 a 70.000 verbetes, aproximadamente, e como dicionário geral da língua. Além disso, Biderman (2001c) considera também como dicionários de língua monolíngue aqueles conhecidos como dicionário escolar, com uma nomenclatura que possui uma média de 25.000 verbetes, e o infantil, com uma quantidade aproximada de 5.000 a 10.000 entradas lexicais.

Em relação ao dicionário geral da língua, ele é o que mais se aproxima do ideal de registro e descrição do léxico de um sistema linguístico. Conforme classificação de Rey- Debove (1984, p. 64):

o dicionário de língua é um dicionário geral que nos fala do conjunto das palavras duma língua e que dá a definição delas. Sua nomenclatura apresenta, pois, todas as classes de palavra, geralmente com exceção dos nomes próprios, e indica-se a classe de palavra de cada entrada.

Desse modo, ele é, segundo Rey-Debove (1984, p. 67), um texto de “descodificação”, em que se conhece o significante do lexema e procura-se o seu significado. Em princípio, o seu objetivo é descrever o léxico total, aproximando-se em maior ou menor medida (dependendo do volume de unidades lexicais) da competência léxica ideal.

Todavia, ressaltamos a impossibilidade em se conseguir atingir toda essa amplitude do léxico total, devido ao seu caráter aberto. Em virtude desse conjunto ser indeterminado, ele requer que sejam estabelecidos critérios para a sua descrição, tais como, por exemplo, a gradação de evidência e importância, mensurada pela frequência das unidades lexicais e sua notoriedade em relação ao contexto sociocultural do léxico comum (REY-DEBOVE, 1984).

Além disso, a apresentação e a estruturação de suas unidades são delineadas quanto aos seus componentes gráfico-fônico, sintático e semântico. Esses três blocos desenham a referência da escrita e da pronúncia, a categoria lexemática, com seu gênero e número, além de sua definição e análise de significado (REY-DEBOVE, 1984).

[...] é um texto duplamente estruturado que apresenta: a) uma seqüência vertical de itens, ditos "entradas", geralmente dispostos em ordem alfabética, seqüência essa chamada "nomenclatura"; b) um programa de informação sobre essas entradas, que forma com elas os verbetes. As entradas são sempre signos lingüísticos, e a informação dada deve aplicar-se, ainda que em pequena parte, ao signo, como o faria, por exemplo, a lista telefônica. Considera-se que a definição é uma informação sobre o signo (seu significado) e sobre a coisa designada pelo signo (o que essa coisa é). (REY-DEBOVE, 1984, p. 63)

Além dessa estrutura básica apresentada, a presença de exemplos se faz primordial. Isso porque assume a função de: evidenciar a unidade lexical em uso; expor provas que confirmem o que foi enunciado; revelar informações sintáticas restritivas seletivas; e clarificar o sentido que pode não ter sido bem compreendido na definição, mostrando a unidade léxica em funções diversas, desde a mais usual até a mais rara (REY-DEBOVE, 1984).

Vale salientar que a organização do dicionário compreende uma microestrutura, composta pelo verbete14, e uma macroestrutura, que compõe a lista geral das entradas lexicais. Sobre o verbete, Biderman (2001b, p. 18) considera que ele “deve ser completado com informações sobre registros sociolinguísticos do uso da palavra e remissões a outras unidades do léxico associadas a este lema por meio de redes semântico-lexicais”. Ademais, ele é a unidade mínima na organização do dicionário, constituído, de modo global, por uma palavra- entrada15 ou lema, acompanhada por um conjunto de dados sobre ela.

Referente a essa questão, Murakawa (2001) apresenta alguns elementos que, de certa forma, atendendo aos objetivos do dicionário, aparecem nos verbetes de obras lexicográficas clássicas e até mesmo nas mais modernas:

1) palavra-entrada ou lema com um aspecto gráfico definido a critério do autor/editor; 2) definição do lema e das diversas acepções que possa ter. Essas acepções devem ser indicadas com um sinal gráfico específico (a numeração, por exemplo); 3) etimologia; 4) pronúncia; 5) ortografia; 6) sinônimos, antônimos e outras relações semânticas; 7) marcas linguísticas (diacrônicas, diatópicas, diafásicas, diastráticas, diatécnicas, de transição semântica “figurado”); 8) exemplos; 9) informação gramatical; 10) fraseologia; 11) outras informações que se julguem necessárias. (MURAKAWA 2001, p. 241) Destarte, compreendemos que, no verbete, a definição é a marca cultural que cada comunidade linguística firma em sua língua, sendo elemento essencial na microestrutura do

14 Biderman (2001a) também considera o verbete como um artigo lexicográfico.

15 De acordo com os pressupostos lexicológicos abordados, neste estudo, denominamos essas palavras-entrada

dicionário. Assim, também pela definição lexicográfica, o dicionário torna-se um objeto da língua e o suporte de um gênero que revela as realizações linguísticas na sua transitividade pancrônica, marcando transformações de diversas ordens na sociedade (MURAKAWA, 2001). Segundo Rey-Debove (1984, p. 66):

A definição é uma perífrase que pretende ser sinônima da palavra a ser definida (...) e que se acha colocada numa predicação do tipo: "um X é um Y que..., etc" , isto é, numa identidade entre duas classes de objetos (e não de signos). É só falando das coisas que a definição pode dar-nos o sinônimo do signo. Os lingüistas, todavia, recusam esse método não lingüístico que constitui o verdadeiro interesse do dicionário, embora usando naturalmente definições assim obtidas, em seus trabalhos teóricos. A função gramatical da definição é, por causa da sinonímia, obrigatoriamente a mesma que a da palavra considerada. Não é nunca uma frase.

Nesse âmbito, o dicionário, como uma organização sistemática do léxico na tentativa de descrevê-lo, em relação ao seu conteúdo, leva em consideração o fato de as entradas lexicais poderem direcionar-se tanto a elementos linguísticos quanto extralinguísticos. Contudo, ocorre que a Lexicografia enfrenta, assim, paradoxos na tentativa de identificação e determinação das suas unidades léxicas e dos sintagmas que estão em processo de lexicalização.

Já sobre os aspectos macroestruturais dos dicionários de língua monolíngue, Biderman (2001c) considera que o início da complexidade desse assunto decorre da frágil fundamentação de critérios lexicológicos sobre as unidades léxicas que compõem a lista geral das entradas lexicais. Nesses termos, os lexemas, quando manifestados no discurso, geram problemáticas no estabelecimento de limites entre as lexias (principalmente em relação às lexias compostas e complexas) e o nível de soldadura16 de suas unidades léxicas.

Sobre esse assunto, reconhecemos que o dicionário traz registros dos hábitos gráficos de uma língua e, como recurso legitimado pela cultura linguística social, ele deve imbuir-se de uma tradição lexicográfica confiável. No entanto, segundo Biderman (2001d), a tradição lexicográfica brasileira tem se mostrado em desacordo com as transformações da língua. Desse modo, a autora analisa que o arbítrio dos lexicógrafos gera, muitas vezes, incongruências em relação ao conteúdo e à forma com que as unidades léxicas são apresentadas.

16 Esse nível de soldadura vai além dos aspectos gráficos, relacionando-se com contextos semântico-pragmáticos.

Por exemplo: a perda do hífen em “pé de moleque” (tipo de doce), segundo o Novo Acordo Ortográfico, não retira o alto nível de soldadura das partes que o compõem, devido à força que essa unidade léxica possui na comunidade linguística que a utiliza no seu discurso. Nesse sentido, não seria aceito, por exemplo, acrescentar “pé sujo de moleque”, pois perderia o sentido definido socialmente.

Essa é uma das questões que torna o fazer dicionarístico complexo, pois a mutabilidade da língua exige um olhar que acompanhe as mudanças de paradigmas culturais que movimentam o fazer discursivo e, por conseguinte, as unidades lexicais das enunciações. Segundo Rey-Debove (1984), o léxico na língua muda de forma mais rápida. Ocorre, assim, que seus usuários podem dominar a sua gramática, mas não o seu léxico total. Nesse sentido, é preciso levar em consideração esse fator quando da utilização do dicionário em sala de aula.

Ainda, segundo Rey-Debove (1970), o falante de uma comunidade linguística possui um conhecimento amplo do sistema gramatical de sua língua, que, apesar da complexidade de suas regras, elas apresentam-se em número limitado e são perfeitamente administráveis. Tal fato não ocorre em relação ao léxico: um indivíduo é incapaz de dominar em sua totalidade o léxico de uma língua, devido ao número incalculável de itens. Assim, o conhecimento sistêmico gramatical é internalizado desde muito cedo pelos sujeitos, diferente do léxico, que é enriquecido ao longo da vida, seja naturalmente ou por meios metalinguísticos.

De certo, os usuários da língua utilizam apenas uma pequena fração de toda a possibilidade lexical. Todavia, essa situação não impede que a comunicação ocorra em sua plenitude, mas gera alguns fatos que merecem ser observados. Um desses fatos refere-se à estratificação social pela utilização de determinado vocabulário.

Assim, o grupo de unidades lexicais conhecidas pelo indivíduo forma um conjunto mais hegemônico e presente no discurso oral. Nesses termos, a maioria dos usuários possui um vocabulário reduzido e a vida em sociedade acaba estratificando aqueles que possuem um conhecimento de vocabulário semelhante (REY-DEBOVE, 1970).

Além disso, existem algumas especificidades nas formas de manifestação desse vocabulário que são específicas para cada grupo. Essas questões não devem passar despercebidas pelo professor no trato com o trabalho com o léxico da língua materna, a partir do uso dos dicionários. Com efeito, abordamos brevemente, a seguir, sobre a abrangência de algumas dessas variedades da língua no dicionário de língua monolíngue.