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2.2 Termos básicos da Lexicologia

2.2.1 Léxico e vocabulário

Nesta pesquisa, percebemos o léxico como um sistema aberto de uma língua natural que se constrói, se perpetua e se retroalimenta em comunidades linguísticas. Ele engloba o leque de possibilidades comunicativas que o grupo de indivíduos possui à sua disposição dentro do seu contexto cultural, linguístico e criativo.

Por esse ângulo, ao mesmo tempo que visualizamos o léxico como um sistema que se mantém, também o encaramos em seu caráter mutável. Sobre esses aspectos, Dubois (1978, p. 364) define:

o léxico é o conjunto das unidades que formam a língua de uma comunidade, de uma atividade humana, de um locutor, etc. Por essa razão, o léxico entra em diversos sistemas de oposição, conforme o modo pelo qual é considerado o conceito.

Por esse seguimento, Vilela (1997) considera a descrição do que seja léxico em duas perspectivas, sendo elas: a cognitivo-representativa e a comunicativa; de modo que ambas integram o princípio linguístico de um “saber partilhado”:

O léxico é, numa perspectiva cognitivo-representativa, a codificação da realidade extralinguística exteriorizada no saber de uma dada comunidade. Ou, numa perspectiva comunicativa, é o conjunto de palavras por meio das quais os membros de uma comunidade linguística comunicam entre si. Tanto na perspectiva da cognição-representada como na perspectiva comunicativa trata-se sempre na codificação de um saber partilhado. (VILELA, 1997, p. 31)

Ainda sobre a definição do que seja o léxico, Biderman (2001d) elucida que ele possui como característica a amplitude de universo, a imprecisão e a indefinição de limites. Por conseguinte, o seu sistema é composto pela trajetória experiencial acumulada socialmente através dos tempos.

Dessa maneira, existe no léxico uma relação de tensão entre o indivíduo e a sociedade, de modo que sua possibilidade criativa, produtiva e transformadora interfere na produção, renovação, ressignificação, desaparecimento e ressurgimento de novas unidades. Essa tensão tem seu cume no caráter de manutenção advindo do próprio contexto de sistema que ele possui, que entra em conflito com as ações dos indivíduos sobre a estrutura lexical (BIDERMAN, 2001d).

Já em contraposição a esse caráter mais amplo do léxico, concebemos o vocabulário dentro de uma perspectiva de tempo e espaço delimitada, constituindo um conjunto mais particularizado, utilizado de modo específico e individualizado pelas comunidades linguísticas. Nessa concepção, Vilela (1997, p. 31) ressalta que:

[...] o léxico é o conjunto de palavras fundamentais, das palavras ideais duma língua; o vocabulário é o conjunto dos vocábulos realmente existentes num determinado lugar e num determinado tempo, tempo e lugar ocupados por uma comunidade linguística; o léxico é o geral, o social, o essencial; o vocabulário é o particular, o individual e o acessório.

Nesse sentido, avaliamos que léxico e vocabulário são elementos que não se opõem, mas coexistem, cada um com suas especificidades, em um universo linguístico. Nessa lógica, o léxico se realiza em um conjunto de vocábulos que refletem o legado social e cultural de um povo e que sofre com a própria movimentação dessa herança sociocultural. Já o vocabulário é o elemento da língua ao manifestar valores que legitimam as comunidades, cumprindo a sua imprescindibilidade comunicativa (OLIVEIRA, 2001).

Sobre essa não oposição entre léxico e vocabulário, Picoche (1977) expõe que devemos chamar de léxico todas as unidades lexicais que estão à disposição dos usuários da língua e todas aquelas do vocabulário utilizado por eles em determinadas circunstâncias. Ele é, dessa forma, uma realidade na qual só se pode permear pelo conhecimento do vocabulário específico às situações discursivas. Assim, ele transcende o vocabulário, tornando-se acessível por meio dele.

Decerto, a ocorrência de um vocabulário pressupõe à existência de um léxico de amostra. Nesse contexto teórico (PICOCHE, 1977), consideramos impossível quantificar as unidades que compõem o sistema lexical de uma língua. Desse modo, sugerimos que se trabalhe na escola com a ideia de um universo de possibilidades que se firmam, se concretizam e se renovam no uso, de modo inesgotável e ilimitado.

A fim de clarificar essas relações entre léxico e vocabulário, resumimos no quadro, a seguir, as suas características:

Quadro 2 – Características do léxico e do vocabulário

UNIVERSO LINGUÍSTICO

Léxico Vocabulário

Sistema aberto. Conjunto particularizado.

Imprecisão de limites. Perspectivas de tempo e espaço delimitadas. Tensão entre forças de manutenção e transformação. Manifestação de valores de um contexto linguístico. Está à disposição do usuário da língua. Utiliza-se das possibilidades do léxico da língua.

Em relação ao vocabulário, assumimos, em nosso estudo, o conceito bipartite adotado por Galisson (1979 apud DIAS, 2004), que o classifica em ativo e passivo. Assim, contrapomos esses dois conceitos na figura seguinte:

Figura 6 – Classificação do vocabulário ativo e passivo

Fonte: elaborado pela autora, a partir de Dias (2004).

Sobre essa classificação, Rey-Debove (1984, p. 60) expõe que “o vocabulário ativo é o que se tem o costume de empregar”, enquanto que o passivo é “o que compreendemos quando empregado por outras pessoas, mas que nós mesmos não temos o costume de empregar”. Existe, assim, uma zona gradual e intermediária entre parte do léxico que o usuário ignora, mas que é passível de ser compreendida, por meio de levantamento de hipóteses, e outra parte que, habitualmente, ele já utiliza com facilidade.

A partir dessa concepção, consideramos que as atividades de ampliação de vocabulário devem incidir nesse campo gradativo e intermediário de enriquecimento de vocabulário nas esferas ativa e passiva. Esse cenário nos leva a concordar que:

O reconhecimento de ser ‘a palavra a janela pela qual se pode vislumbrar o mundo’ enquadra os estudos de base lexical como uma produtiva estratégia a ser empregada no processo de ensino-aprendizagem – pela ampliação do seu vocabulário, o discente granjeará a condição de se agregar, em diferentes graus, de realidades e de experiências diversas das de que participara até então. Criadas tais condições, assumindo-se sem culpa nem timidez que o limite do mundo do indivíduo é determinado pela palavra que referenda, a Escola estará

O vocabulário passivo se revela como as possibilidades do sujeito em compreender e interpretar as unidades lexicais em determinados contextos de uso, utilizando-se de processos metacognitivos

para o seu fazer.

Esta FotoO caráter ativo dá-se pelo de Autor Desconhecido saber automatizado de um vocabulário que, já fazendo parte do léxico individual do

sujeito, é por ele utilizado sem necessidade de esforço

cumprindo o seu papel transformador, razão e justificativa únicas da sua existência. (SILVA, 2001, p. 121)

Picoche (1977) também se manifesta sobre a existência de vocábulos ativos e passivos. No mesmo sentido dos outros autores, ela percebe os vocábulos ativos como aqueles já conhecidos e que são utilizados espontaneamente; já os passivos são entendidos de modo mais ou menos preciso, quando encontrados em alguma leitura ou conversa. Nesse âmbito, os processos de ensino-aprendizagem que envolvem a ampliação de vocabulário devem caminhar para o desenvolvimento de atividades que sejam condizentes com essas duas abordagens.

Outrossim, consideramos que o léxico individual (GENOUVRIER; PEYTARD, 1974) entra em confluência com o geral, de modo que, dentro de uma visão pancrônica, ambos participam de um certo “flutuamento”:

O flutuamento do léxico é uma característica necessária a todas as línguas, como lembra Philipe Dresco (1979, p. 13) já que a precisão do uso de uma palavra é sempre apenas uma aproximação: a realização da palavra admite variantes fonéticas, semânticas e até gráficas. No nível semântico, a variação é um fato ligado à região, ao tempo e até aos usuários. (CARVALHO, 2001, p. 65)

Diante disso, destacamos que o ensino direcionado ao léxico, focado neste estudo nas relações semânticas de antonímia e sinonímia, deve ser realizado de modo a promover meios para que se fomente a ampliação das possibilidades de compreensão e interpretação do vocabulário passivo com vistas à ampliação do vocabulário ativo dos estudantes.

Além disso, acreditamos, ainda, que a ampliação de vocabulário, incentivada no contexto escolar, deve levar em consideração a constância e o caráter sucessivo de ações que promovam a incorporação de novas unidades ao léxico individual do aprendiz, bem como desenvolva a habilidade de reutilizar aquelas já conhecidas por ele, em contextos de significados ainda não conhecidos:

A incorporação paulatina do Léxico se processa através de atos sucessivos de cognição da Realidade de categorização da experiência, através de signos linguísticos: os lexemas. A percepção, a concepção e a interpretação dessa realidade são registradas e armazenadas na memória, através de um sistema classificatório que é fornecido ao indivíduo pelo Léxico. (BIDERMAN, 2001d, p. 181)

Sobre essa questão, ao pensarmos em propostas de atividades para o desenvolvimento de vocabulário, é importante levarmos em consideração que a memória do indivíduo registra de modo relativo o sistema lexical.

Dessa forma, quando há a ativação de um vocábulo, ocorre o desencadeamento de processos mnemônicos, que estimulam a formação de um determinado campo semântico, geralmente, caracterizado por um modelo binário de oposição, mesmo que relativa: “bom x mau”, “bonito x feio”, “lembrar x esquecer” (BIDERMAN, 2001d, p. 181). Nesse fluxo de campo semântico mnemônico, o indivíduo realiza atividades associativas. Ele pode, por exemplo, evocar em sua memória vocábulos sinônimos, formalmente semelhantes ou de significação contígua.

Segundo Biderman (2001d), a forma como se dá o processo de categorização e a estruturação lexical no indivíduo é uma área escassamente explorada pela Linguística. Ainda de acordo com a autora, empiricamente, pressupõe-se que uma categorização estrutural mnemônica ocorra por meio de conhecimentos prévios enciclopédicos, da taxonomia que a língua e a cultura atribuem à realidade, do potencial linguístico humano e do esforço cognitivo pessoal.

Por essas pressuposições teóricas concernentes aos termos referenciados – léxico e vocabulário, reconhecemos que, quando o professor tem consciência das relações, das peculiaridades e dos limites que envolvem esses dois termos lexicológicos, se possibilita que ele lance um olhar mais apurado na realização e na elaboração de suas atividades.

Ainda com o propósito de esclarecimento, a próxima seção foi desenvolvida, a fim de analisarmos as implicações do termo “palavra” na Lexicologia.