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3. A proposta de pareamento entre gramática e dicionário na descrição de usos

3.1 O dicionário de usos

A Nota do editor/organizador que pode ser lida no Dicionário

de usos do português do Brasil18 postula que os dicionários da língua não devem apresentar as palavras como unidades de sentido isoladas, antes devem mostrá-las em função da combinatória com outras palavras e estruturas, com atenção especial às relações gramaticais e às propriedades colocacionais. Assim indica a proposta:

A montagem de cada verbete a partir da palavra-entrada obedeceu a critérios ligados ao modo como a língua se organiza. Além de apresentar uma seleção de traços taxonômicos, que têm por objetivo orientar as definições e torná-las mais claras 16 NEVES. Gramática de usos do português. 2ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Ed.

Unesp, 2011 [2000]. 1005 páginas.

17 BORBA (ed.). Dicionário de usos do português. São Paulo: Ática, 2002. 1674 páginas. 18 Ibid..

e acessíveis, contextualiza-se o uso da palavra. Para melhor entender o uso, optou-se por registrar as estruturas sintáticas ligadas ao sistema de complementação da língua, o que atinge não apenas os verbos, mas também os nomes, os adjetivos e certos advérbios.19

Como mostro em Neves,20 na tradição lexicográfica brasileira cada entrada lexical representa uma unidade cujo valor semântico é explicitado segundo uma codificação de sentido fechada em si, isolada e particular. As diversas obras lexicográficas disponíveis oferecem registros que mor- mente se assentaram, no decorrer do tempo, sobre as obras precedentes, e assim compuseram-se acervos de itens lexicais para os quais foram esta- belecidos significados potenciais raramente testados no uso da língua. Essas características são responsáveis, de um lado, por lacunas no recorte dos campos significativos, e, de outro, por superposições decorrentes da artificialidade no seccionamento da massa fluida de significação, o que muitas vezes compromete a aplicabilidade das acepções às ocorrências reais dos itens.

Os objetivos do Dicionário de usos do português do Brasil assim se definem, na Apresentação da obra:

Este dicionário pretende:

I. prover os usuários da língua escrita de um instrumento eficiente de agilização do uso escrito tanto na recepção como na criação do texto;

II. estimular a pesquisa vocabular e a reflexão sobre o próprio uso da língua;

III. fornecer elementos de avaliação das propriedades sintático-semânticas do léxico.21

Nessa linha, o dicionário vem estruturado de modo que o consu- lente tenha, de um lado, a visão geral de como a língua se organiza, e, de outro, a amostra real de como a língua está sendo efetivamente usada nos textos. Assim, “cada verbete apresenta-se como uma minigramática do item léxico, montada a partir de uma concepção distribucional, segundo a combinatória de traços”.22

19 BORBA, 2002, p. V.

20 NEVES. A gramática: história, teoria e análise, ensino. Ed. Unesp, 2002, p. 207. 21 BORBA, 2002, p. VI.

Quanto à organização dos verbetes, são cinco os níveis de informa- ção oferecidos (adiante explicitados): a) taxonomia; b) variação; c) infor- mação sintática; d) informação semântica e informação pragmática; e) contextualização.

a) Taxonomia

Indica-se a classe (e subclasse, se for o caso) da entrada. Como a classificação dos itens resulta da colocação contextual verificada nos usos, um mesmo item pode participar de mais de uma classe (e subclasse), e a ordem dessas indicações é resolvida pela frequência verificada; assim, por exemplo: jovem, mau e grosso primeiro são classificados como Adj, e depois como N e/ou Adv; anoitecer e pensar primeiro são classificados como V, e depois como N; diverso e próprio primeiro são classificados como Adj, e depois como Pron; mesmo primeiro é classificado como Pron, e depois como Adj e Adv.

Os verbos plenos se apresentam classificados sob a mesma orien- tação do dicionário anterior, ou seja, inicialmente pelo seu “tipo semân- tico”.23 Os substantivos (nomes) são classificados em Concreto e Abstrato

(de ação / de processo / de estado), mas só os abstratos têm o registro dessa

subclassificação em todos os casos (classificação verificável segundo as ocorrências oferecidas), os concretos só têm o registro quando há opo- sição dentro do verbete. Outras subclassificações, como Animado/Não

animado, Humano/Não humano, também são indicadas apenas quando

há a oposição.

b) Variação

A variação regional (Reg) é indicada sempre que o termo tenha ocorrido apenas em textos bem localizados regionalmente no córpus; por exemplo: chimango (Reg S); cabeça de campo (Reg NE). A variação de regis- tro é indicada sempre que tenha sido possível determinar, nesse sentido, o tipo de contexto ou de texto de ocorrência; por exemplo: taquara rachada (Coloq); toba (Ch); estereofono (Obsol). Também se buscou anotar o tom do discurso de ocorrência de certas palavras ou construções (ironia, soleni- dade, depreciação, etc.); por exemplo: timeco (Deprec).

c) Informação sintática

Registra-se o sistema de complementação apresentando-se a estrutura dos complementos de verbos, substantivos, adjetivos e advér- bios, com indicação, também, da forma dos complementos. Uma amostra desse tipo de registro em verbo e uma amostra em substantivo são apre- sentadas a seguir:

- indicarV∗ [Ação-processo] [Compl: nome+predicativo] 1 recomendar, designar: ... 2 indigitar: ... [Compl:

concreto não animado] 3 fazer a indicação de: ... [Compl: nome abstrato] 4 aconselhar o uso de: ... ∗ [Ação] [±Compl1: nome. Compl2: a + nome humano] 5 apontar; mostrar:

... [Compl: nome abstrato ou oração] 6 revelar: ∗ [Estado]

[Compl: nome abstrato]7 ser indício ou sinal de revelar revelar:

...

- indicação Nf ∗ [Abstrato de ação] [±Compl: de + nome] 1 sinalização: ... [±Compl1: de + nome. Compl2: a/para + nome] 6 sugestão, designação: ... [Sem compl] 8

orientação, informação: ... [Abstrato de estado] 9: ... ∗[Concreto] 10 registro, apontamento: ...

d) Informação semântica e informação pragmática

A informação semântica constitui o ponto de chegada das demais: ela fica constituída nas acepções, que são enumeradas, quando existe um conjunto delas. Suas formas de apresentação são a definição lexicográfica (como em horizontal: paralelo ao horizonte) e a equivalência léxica (como em homizio: esconderijo, valhacouto). A informação pragmática refere-se a indicações de uso, como se vê neste verbete:

- benzinho N 1 forma carinhosa ou irônica de dirigir-se a pessoa da intimidade: Me dá o dinheiro adiantado, benzinho, senão nada

feito. (DE)

e) Contextualização

Como se pode ver nas amostras de verbetes já apresentadas, a indi- cação de cada acepção (ou de uma informação pragmática) segue-se, em todos os casos (introduzida por sinal de dois-pontos), da abonação com ocorrências retiradas do córpus. E, como já observado na Introdução, os

trechos que ilustram as acepções são sempre remetidos às obras de onde foram retirados (que constituem o banco de dados), com indicação por siglas convencionadas do título da obra.

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