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CAPÍTULO III ― METODOLOGIA DO TRABALHO LEXICOGRÁFICO

3.7 Dicionários de aprendizagem e fraseologia: origens, traços e métodos

O foco nas necessidades dos usuários é reconhecido em bibliografia especializada como traço mais proeminente da Lexicografia de Aprendizagem. Para lograr êxito, neste sentido, a lexicografia didática dota as obras de referência didática de dispositivos estruturais, como os que se explicitaram nas análises empreendidas no capítulo II.

Do ponto de vista linguístico, no entanto, a metodologia empregada na lexicografia didática se fundamenta na estruturação do Léxico, na medida em que procura dar conta dos significados ou sentidos das palavras e expressões e busca descrever as categorias gramaticais (COWIE, 2000, 1999).

As listas de palavras que deram origem aos dicionários de aprendizagem comprovam a preocupação dos precusores da Lexicografia de Aprendizagem com a estruturação do Léxico. Cowie (2000) exemplifica essa preocupação por meio de um dos verbetes extraído do Thousand-Word English (TWE), uma lista de palavras elaborada por Hornby (1937), e depois aprimorada por Palmer.

As entradas no TWE são palavras ou lexemas da língua inglesa. Tais lexemas não se representam, como se verifica abaixo, com base nas formas flexionadas, que ─ quando descritas ─ organizam-se no interior de cada verbete em relação ao lema. O mesmo método é aplicado aos derivativos morfológicos,

Exemplo XIII: Thousand-Word English e versão de verbete para o português (PALMER; HORNBY, 1937)

(1) DRAW [drc:], v.

drew [dru:], pret.

drawn [drc:n], past ppl.

(1. e.g., a picture) (2. e.g., a line) drawing [‘drc:in], n.

101 (1) DESENHAR [dezeña’]

desenhou [dezeñou], pret.

desenhados [dezeñadus], part. pass. Pl.

(1. exemplo, um desenho) (2. exemplo, uma linha) desenho [deze’ñu], n.

Os verbetes anteriormente reproduzidos mostram como as formas flexionais e os derivativos morfológicos da palavra entrada (draw ‘desenhar’) figuram no TWE, em negrito e letra minúscula. Esse fato atesta a preocupação dos autores em focar as idiossincrasias morfológicas do inglês e refletir o nível paradigmático de estruturação linguística nos protoverbetes do que viria ser um dicionário de aprendizagem.

O aludido verbete mostra ainda o gérmen da moderna descrição fraseológica, representada, exclusivamente pela “categoria das colocações”: a

line ‘uma linha’ <draw ‘desenhar’ <draw a line ‘desenhar uma linha’ (PASTOR,

1996; NEVES; FAULSTICH, 2012).

Não se verifica, no entanto, na protoestrutura de entrada de dicionário pedagógico anteriormente explicitada a descrição de fraseologismos mais fixos e idiomáticos, como locuções. A entrada ilustrada tampouco contempla definições e exemplos de uso, traços marcadamente estabelecidos pela tradição em lexicografia de aprendizagem.

Como se sabe, definições e exemplos de uso não são elementos novos na história da lexicografia ocidental, mas são traços intrínsecos de dicionários de aprendizagem. Apesar disso, não se pode afirmar que dicionários que não vislumbrem os citados traços não constituam obras de referência de aprendizagem, sob pena de que uma tal perspectiva se vislumbre como muito tradicional e restrita, já que implicaria considerar somente os dicionários monolíngues para estrangeiros como categoria lexicográfica de aprendizagem.

Claro está, no entanto, que a implementação dos citados traços estruturais no tipo lexicográfico in tela significa um avanço, que somente veio à luz em 1938, com a publicação da lista de vocabulário Grammar of English

Word (GEW), elaborada pelo professor britânico Harold Palmer.

A estrutura dos verbetes no GEW, a exemplo do Thousand-Word English (TWE), inclui informações sobre o significado, derivativos morfológicos e

102 formas flexionais em relação ao “lema”. A disposição microestrutural desses elementos mantém o padrão anteriormente fixado no TWE.

A inovação de método trazida pelo GEW se dá, contudo, na representação das unidades fraseológicas porque, além das colocações, descrevem-se locuções ou ‘idioms’ em inglês (COWIE, 2000). A transcrição abaixo explicita o método utilizado por Palmer para elaborar o Grammar of

English Word,

Exemplo XIV: entrada do Grammar of English Word, versão para o português (PALMER, 1938)

(2) SOFT

Soft [scft], softer [‘scfte], softest [‘scftist], adj.

1. = not hard a soft bed

soft leather [wood, etc.]. The ground is soft after the rain.

Which of the two chairs is softer?

Soft to the touch. … 2. = smooth

[…] as soft as silk

(2) MOLE/ MACIO

Mole [mc’li], mais mole [mais mc’li], molíssimo [mcli’simu], adj.

uma cama macia

couro macio [madeira, etc.].

O solo fica mole/macio depois da chuva.

Qual das duas cadeiras é mais macia?

Macio ao toque 2. = suave/ macio [...]

macio como a seda

É interessante constatar que o Oxford Advanced Learner’s Dictionary (OAD, 2001 [1948], p. 1277) manteve a mesma estrutura de entrada observada, em princípio no Thousand-Word English, e posteriormente no

Grammar of English Word, como se verifica na transcrição abaixo,

Exemplo XV: representação parcial do verbete ‘soft’ no OAD (2001 [1948])

soft / s ft; AmE s :ft/ adj. (soft.er, soft.est)

NOT HARD 1 changing shape easily when pressed; not stiff or firm: soft margarine ◊ soft feather pillows ◊ The grass was soft and springy. 2 less hard than average: soft rocks such as limestone ◊ soft cheeses HARD (…) […]

Have a soft ‘spot for sb/ sth (informal) to like sa/ sth: She’s always had a soft spot for you. (…)

Os avanços alcançados nos verbetes do OAD em relação aos verbetes das listas de palavras que o originaram representam as informações sobre o

OPP

103 lema. Essas informações, como se oberva, contemplam a transcrição fonética da variedade britânica do inglês e da variedade norte-americana.

Além disso, constata-se que o OAD oferece uma profusão de exemplos de colocações, sob a forma de exemplos de uso, como: soft feather pillow ‘travesseiro macio de penas’, soft cheeses ‘queijos macios/ moles’, soft grass ‘gramado macio’, soft rock ‘pedras mais flexíveis, moles’.

A exemplo do já observado nos verbetes do Grammar of English Word, mas não do Thousand-Word English, esse dicionário da Oxford descreve unidades fraseológicas mais fixas e idiomáticas. A estas unidades, reserva-se o espaço final dos verbetes que se introduzem pela etiqueta IDM, correspondente

ao termo idiomático.

As pesquisas fraseológicas destinadas à aplicação lexicográfica se aprofundaram somente a partir da publicação do segundo Interim Report on

English Collocations, um projeto de classificação das combinações de palavras

do inglês, conduzido por Palmer e Hornby (1933).

A importância desse documento para a descrição dos fraseologismos em dicionários monolíngues de aprendizagem resulta do fato de que

consistiu em uma classificação meticulosa das combinações de palavras do Inglês e mostrou o quanto do discurso e da escrita do dia a dia é de fato constituído de ‘frases fixas’, o que ajudou a pavimentar um crescimento forte da pesquisa fraseológica nos anos oitenta e noventa (COWIE, 1998a, 1999)30.

As combinatórias descritas no Interim Report eram basicamente "colocações", definidas por Palmer e Hornby como combinações de palavras que funcionam como um elemento unitário nas sentenças.

A partir disso, Palmer e Hornby (1933) postularam uma taxonomia que dividia as colocações em: (i) colocações verbais (to toe the line 'obedecer compulsoriamente, acatar'); (ii) colocações nominais (a tidy amount 'quantidade expressiva'); (iii) colocações adjetivais (as pleasant as Punch 'gratificante, desejável, confortável'), etc (COWIE, 1998, 2000). Essa

30it consisted of a meticulous classification of word-combinations in English, but it also shwoed how much of everyday speech and writing is in fact made up of 'fixed phrases', and it helped pave the way for the strong growths of interest in phraseology in the 1980s and 1990s (COWIE, 1998a, 1999).

104 classificação contemplava subcategorias que se subordinam aos três tipos há pouco pontuados, por exemplo, verb-collocations do tipo Verb + Specific Noun,

to catch a cold 'pegar um resfriado'.

O sistema fraseológico de Palmer e Hornby (1933) é importante porque, além de ser pioneiro, abriu caminho para a proposição de outras taxonomias que serviram de base para a descrição das combinações de palavras nos dicionários.

3.8 Outros critérios de tipologização de obras de referência lexicográfica: