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Outros critérios de tipologização de obras de referência lexicográfica: os usuários

CAPÍTULO III ― METODOLOGIA DO TRABALHO LEXICOGRÁFICO

3.8 Outros critérios de tipologização de obras de referência lexicográfica: os usuários

aprendizagem

Não poucos autores têm discorrido sobre a concepção de usuários de dicionários e sobre a necessidade de instaurar essa concepção como traço inerente às obras de referência bilíngues e monolíngues para aprendizes de L2.

Gelpì (1997, p. 70) argumenta, neste sentido, que um dicionário “se produz para sanar umas necessidades; e as necessidades são manifestadas pelos usuários”31. A pesquisadora explica ainda que um dicionário se concebe para servir a um tipo específico de usuário e que qualquer decisão que afete a quantidade e o tipo de informação oferecidos no dicionário projetado terá de levar em conta tais necessidades.

Essas questões, apesar de parecerem óbvias, nem sempre se consideram na elaboração de obras de referência, ainda que se destinem a um fim pedagógico. Não é fácil, como se sabe, definir e delimitar o usuário potencial de um dicionário, por essa razão se torna complexo estabelecer o traço “usuário” em projetos lexicográficos a serem desenvolvidos. Para implementá-lo, há que se considerar a intervenção de diversos fatores relacionados ao potencial utente, como a idade, a competência comunicativa na L1 e na L2, as atividades a serem desenvolvidas com o auxílio da obra (de compreensão ou produção de texto), etc. (GELPÌ, 1997, P. 70).

31 "es produeix per resoldre unes necessitats; i les necessitats són les que manifesten els

105 Essas questões, apesar de parecerem óbvias, nem sempre se consideram na elaboração de obras de referência, ainda que se destinem a um fim pedagógico. Não é fácil, como se sabe, definir e delimitar o usuário potencial de um dicionário, por essa razão se torna complexo estabelecer o traço “usuário” em projetos lexicográficos a serem desenvolvidos. Para implementá-lo, há que se considerar a intervenção de diversos fatores relacionados ao potencial utente, como a idade, a competência comunicativa na L1 e na L2, as atividades a serem desenvolvidas com o auxílio da obra (de compreensão ou produção de texto), etc. (GELPÌ, 1997, P. 70).

Sobre esse tema, Hernández (1998, p. 50) acrescenta que muitas obras didáticas são elaboradas para atender a usuários ideais, que nada têm a ver com os reais usuários de língua. A fim de resolver a problemática, Hernández postula uma tipologia para usuários de obras lexicográficas de referência,destinadas à aplicação pedagógica. A tipologia proposta por esse autor se centra nas necessidades dos usuários ou aprendizes de língua e engloba as seguintes noções,

1. usuários com uma boa competência comunicativa no idioma (falantes nativos e/ ou bilíngues);

2. usuários que estão em processo de aprendizagem da língua de referência, como língua segunda e/ ou estrangeira;

3. usuários que estão em fase de aprendizagem de língua materna, em sua vertente formal-normativa.

A tipologia de usuários de dicionários didáticos de Hernández (1998) visa a auxiliar os métodos de concepção lexicográfica e possui um caráter normativo, defendido pelo próprio autor que afirma que a classificação postulada busca "un correcto uso y aprovechamiento de los diccionarios" em salas de aula (HERNÁNDEZ, 1998, p. 50).

Mais recentemente, Fuertes-Oliveira e Arribas-Baño (2008, p. 4-5) precisaram os conceitos relacionados às necessidades dos usuários de dicionários pedagógicos, listando os seguintes traços como balizadores para a Lexicografia de Aprendizagem,

106 1. abordagem rigorosa de descrição do uso da língua, facilitada pela

disponibilidade de corpora;

2. representação ótima da informação visando a auxiliar os usuários em suas necessidades comunicativas e cognitivas;

3. mudanças nas categorias de informação tradicionalmente privilegiadas, o que determina, por exemplo, que o significado assume papel de destaque na descrição do léxico, apesar de que na atualidade a organização de dicionários didáticos priorizam, cada vez mais, os princípios combinatórios das unidades lexicais (Rundell, 1998; Fuertes- Oliveira e Arribas-Baño, 2008, p. 2). Isso significa dizer que o foco de descrição da Lexicografia Didática também recai no Comportamento Sintático das unidades lexicais, padrões de complementação nominal, verbal e adjetival, fraseologia, etc. Essa perspectiva implica um reconhecimento do valor do contexto na descrição lexicográfica, em detrimento da tradicional visão isolacionista da linguagem aplicada na Lexicografia tradicional. Implica, ademais, superar a oposição Léxico

versus Gramática (...);

4. entendimento mais preciso sobre a relação entre a Lexicografia e outras disciplinas;

5. as decisões do lexicógrafo se baseiam nas funções do dicionário a ser concebido.

Esses traços devem fundamentar as análises, teoria e prática em Lexicografia Pedagógica. Esses critérios metodológicos complementam, de certa forma, as noções prévias observadas em Gelpì (1997) e Hernández (1998).

Contrariamente a Gelpì e Hernández32, Fuertes-Oliveira e Arribas-Baño (2008) fundamentam as propostas no estudo de dicionários especializados do âmbito da economia de negócios, destinados à aplicação didática33.

32Gelpì (1997) analisa os dicionários gerais, contemporâneos, bilíngues catalão-castelhano. Hernández

(1998) concentra as análises e reflexões na categoria lexicográfica didática dos dicionários escolares, os quais se destinam a uma aplicação no sistema universal de ensino.

33 Fuertes-Oliveira e Arribas-Baño (2008) usam o termo dicionário de língua para fins específicos em

referência aos seguintes tipos lexicográficos: dicionários especiais, dicionários para fins específicos/ especiais, dicionário que descrevem âmbitos temáticos, dicionários segmentais e dicionários restritos. Senguindo as orientações de Tarp (2005a, b), os citados autores sustentam que o hiperônimo dicionário de

107 Esses últimos autores abordam temas relacionados a usuários, usos e funções dos dicionários e observam que os estudos sobre tipologia de dicionários tendem afocar as dicotomias dicionário bilíngue versus dicionário monolíngue.

A distinção entre as citadas categorias lexicográficas existe e é justificável porque, como se sabe, há que se delimitar o objeto das pesquisas em Metalexicografia; para fazê-lo há que se postular categorias e sistemas taxonômicos.

A dicotomização dicionário bilíngue versus dicionário monolíngue é pouco produtiva para a presente proposta porque o modelo lexicográfico que aqui se propõe é um tipo híbrido, que contempla e compatibiliza de forma a tornar complementares traços estruturais, derivados de abordagens metodológicas, que na tradição lexicográfica e gramatical se consideram opostas, quais sejam, abordagem enciclopédica e linguística, abordagem onomasiológica e semasiológica, abordagem linguística extra e intrassistêmica.

A próxima subseção apresenta outras questões concernentes à Lexicografia Pedagógica com vistas ao ensino de línguas. Os autores considerados nas reflexões empreendidas na próxima subseção assumem uma posição mais tradicional de Lexicografia de Aprendizagem, na medida em que somente contemplam os dicionários monolíngues de aprendizagem, como dicionários de aprendizagem.

3.9 Dicionários de aprendizagem como ferramenta didática: usos e outros