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E' no tractamento da ascite que o regimen lácteo tem sido empregado mais particularmente.

- Bontius e Mauriceau foram os primeiros que tor- naram este meio do domínio da practica vulgar no da medicina racional. Todavia os factos observados, não obstante o seu valor, foram passando a um esqueci- mento quasi profundo, quando em 1831 Christien res- gatou este meio e provou que, n'um grande numero de casos, havia uma incontestável utilidade.

Muitas observações, todas notáveis pelos seus bons resultados, foram apresentados por Christien, embora deixem muito a desejar debaixo do ponto de vista do diagnostico, por isso que não nos diz quaes as causas que provocaram a hydropisia e quaes as variedades em que mais particularmente se acha indicada.

Depois de Christien os ensaios multiplicaram-se, os resultados felizes confirmáram-se, o campo da sua appli- cação foi alargando, as condições da sua administração

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foram melhor determinadas e a medicação ficou occu- pando um importante lugar na therapeutica. Ghrestien com um completo resultado empregou contra a ascite a dieta láctea como alimentação quasi exclusiva e sem outro auxiliar que a paracentèse n'um pequeno numero de casos. A diurese representa um grande papel na me- lhora da ascite, e nas suas observações, quasi sempre se nota o augmente da quantidade das urinas. Este au- ctor dá leite na dose de um litro e meio até quatro ou cinco por dia; e notou que, quando os doentes faziam uso de alimentos sólidos, dava-se muitas vezes um ag- gravo no estado da doença, com diminuição da urina e augmento do derrame. Aconselha que se suspenda ou mesmo abandone o regimen lácteo depois de oito ou dez dias da sua applicação, quando se não tenham obtido melhoras; mas é sempre preciso tental-o de pre- ferencia a qualquer outra medicação. Para se vêr a ce- ga confiança que Ghrestien põe n'este meio, basta citar- mos o seguinte caso que refere na sua memoria.

Tractando de um doente atacado de ascite que não queria submetter-se ao regimen lácteo, sentenciou-o assim:—a vida ou a morte. O doente vencido por este terrível prognostico, submetteu-se e curou-se comple- tamente em quatro mezes.

Pecholier curou uma ascite, consequência de uma hypertrophia do fígado pelo regimen lácteo; o doente desviando-se d'esté remédio, o derramamento augmen- tava, e voltando ao leite, melhorava. Sue, medico de Marselha, affirma que o regimen lácteo é o tractamento que mais felizes resultados lhe deu nos derrames abdo- minaes. Os seus doentes só tomavam leite. Dava-o na dose de um a dous litros por dia. Karell affirma a uti-

lidade do regimen lácteo nas ascites e refere um grande numero de casos de cura.

Como se vê, todos os auctores são unanimes em re- conhecer a efficacia do leite n'aquellas doenças, sendo para notar que a medicação láctea offerece um caracter da contingência inhérente á idiosyncrasia do individuo, á re- acção do organismo vivo e bem assim ás causas e circu- mstancias diversas que muito devem influenciar o seu emprego e resultados. Mas a dieta láctea produzirá bom effeito em todas as ascites, em todas as hydropisias, qual- quer que seja a causa que as provoque? Certamente que não. A dieta láctea assim como nenhum outro methodo de tractamento pôde curar as hydropisias, as ascites que teem por origem uma alteração orgânica avançada do co- ração, do fígado ou do baço. Todavia se ella não pôde cu- rar, numerosas observações provam que ella pode ainda alliviar. A dieta láctea convém ainda ás hydropisias que sobrevem na convalescença de uma doença grave ou em consequência de um sarampo, d'uma escarlatina; áquel- las que andam ligadas a uma alteração do sangue; áquel- las que tem por origem a impressão do frio, a supres- são de suores ou de hemorrhagias habituaes, áquellas que tem por causa o abuso das bebidas alcoólicas. Fi- nalmente convém ainda áquellas que andam ligadas a uma irritação qualquer do peritoneo. As conclusões que Jaccoud tira da observação dos factos, são as seguintes: Nas hydropisias essenciaes e nas h ydropisias escar- latinosas, a medicação láctea tem uma acção curativa; nas hydropisias symptomaticas das doenças do cora- ção, dos pulmões e órgãos abdominaes, não tem senão uma acção palliativa.

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ga-se que o leite actua aqui como um poderoso diu- rético. A qual dos elementos do leite devemos attribuir a diurese? Questão bem difflcil de resolver. Biot na re- vista mensal de Medicina e Cirurgia exprime-se a este respeito da seguinte maneira: «Le lait est diurétique, «cela est incontestable et ne saurait être nié par les me- «decins qui ont employé cet agent thérapeutique; mais «il est bien difficile de ratacher cette action à l'un «quelconque de ses principes. Ce n'est pas á l'eau seule «qu'il la doit, sans quai le même effet diurétique «s'observerait avec l'eau pure; on l'a attribuée à ses «sels, mas ils existent en quantité trop peu considera- ble pourqu'on puisse l'admettre, ainsi que ceci res- «sort du tableau suivant, emprante au Cours de chimie «de M. Regnault.»

Mil grammas de leite contem:

Phosphato de cal 1,805 » de magnesia 0,170 » de ferro 0,032 » de aoda 0,025 Clorureto de sodio. 1,350 Carbonato de soda 0,115

E' pois provável que a acção diurética do leite seja devida a causas múltiplas não podendo porisso attribuil-a isoladamente nem á agua nem aos saes que contem. Na impossibilidade de darmos explicações po- sitivas, julgamos que a ascite é melhorada e curada por uma acção complexa do regimen lácteo actuando ao mesmo tempo sobre a causa e sobre o obstáculo, so- bre a exhalação e sobre a absorpção, pela circulação e nutrição geral. Na memoria de Christien acham-seexpos-

tas muitas observações que provam exuberantemente a efficacia do leite na ascite.

Por nos parecerem curiosas, reproduzimos as duas, seguintes:

i.a—Tracta-se de um individuo atacado de ascite,

de idade de 66 annos. Pela historia da doença, attribuia Christien a ascite ao abuso das bebidas alcoólicas. As urinas eram raras e ardentes. O ventre inerte e a sede intensa. Tudo concorria para lhe fazer esperar um bom resultado da dieta láctea e prescreveu-lh'a com confian- ça. Passados 25 dias, o doente faz-lhe saber que tinha começado o tractamento, que experimentava melhoras muito sensiveis, que urinava muito, que as suas urinas não eram tão carregadas,que o ventre tinha diminuido de volume, que as evacuações se restabeleciam, mas que se achava enojado com a bebida exclusiva do leite, pe- dindo-lhe com a maior instancia que lhe modificasse o tractamento. A sua resposta foi a seguinte: O leite ou a morte. O doente submetteu-se á dieta láctea que conti- nuou rigorosamente durante quatro mezes, restituindo-o a uma saúde regular que se conservou 6 annos. Mor- reu de uma pneumonia.

s.a—Tracta-se de Um inglez, de 20 annos, atacado

de uma hypertrophia considerável do fígado á qual suc- cedeuuma ascite, que em pouco tempo se tornou enorme. Paracentèse, novo derrame. Foi n'esta condição que a dieta láctea foi prescripta como alimento e medicamento. O doente tomava um litro e meio por dia, e ia augmen- tando successivamente a dose até três litros em 24 ho- ras. Tendo permittido ao doente alguns alimentos soli-

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dos. deu-se em seguida uma diminuição da urina e aug- menta do derrame. Severidade no emprego da dieta lá- ctea, melhoras consideráveis. No fim de um mez, nova concessão de alimentos sólidos que produziram resul- tados tão terriveis como pela primeira vez. Nova seve- ridade no uso exclusivo do leite. Novas melhoras. Ter- ceira alimentação. Ainda prejudicial. Volta á dieta lá- ctea, cura completa da hypertrophia e da ascite.

Estas observações, principalmente a ultima, são interessantes, por isso que nos fazem vèr as alternativas de melhora e recrudescência no estado do doente, á me- dida que a quantidade de leite augmentava ou diminuía com ou sem alimentos sólidos. Além d'isso, esta obser- vação mostra-nos não só os effeitos do leite como diuré- tico, mas ainda a sua acção sobre o fígado que voltou ás dimensões normaes.

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