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Difícil captura dos xavantes

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CAPÍTULO I – TAPUIOS DO CARRETÃO

3 História do aldeamento

3.2 Difícil captura dos xavantes

Para o presente trabalho, são interessantes algumas informações sobre a associação entre o aldeamento e os xavantes, uma vez que os tapuios sempre se referem ao povo xavante, ao falar de seu passado. De fato, o aldeamento do Carretão foi criado pela administração provincial de Goiás para receber índios xavantes, “um dos últimos grupos hostis, que ameaçavam os colonizadores e os povoados do norte da Capitania” (Jordão, 1993, p. 78). A iniciativa buscava refrear suas constantes incursões aos arraiais garimpeiros que, progressivamente, vinham invadindo seu território. Antes dos aldeamentos, o contato dos colonizadores com os xavantes e outros nativos era marcado por investidas às suas aldeias com a determinação de exterminá-los. Tratava-se de uma prática de guerra com a intenção de ocupar as suas terras. A implantação do aldeamento era uma tentativa de acordo de paz, no contexto de uma política colonial menos agressiva, que propunha substituir a guerra e a escravização de índios hostis à colonização pela convivência com brancos em aldeamentos.

Por tratar-se de uma de uma política menos agressiva de contato com os índios, o acordo de paz com os xavantes e o conseqüente aldeamento no Carretão significaram uma

tarefa difícil e demorada. A primeira tentativa deu-se em 1784, por ordem do governador Tristão da Cunha, de acordo com Lazarin, (apud Jordão, 1993, p. 78):

A constituição de uma expedição de 98 praças, sob o comando de José Rodrigues Freire, guiados por um grupo de caiapós de São José de Mossâmedes. Incidentes durante a viagem levaram o Alferes Miguel Arruda de Sá a encabeçar a expedição, levando-a ao seu destino final. (...) percebendo a impossibilidade de convencer os xavantes de uma proposta de paz, ordenou que os caiapós, inimigos seculares dos xavantes, capturassem alguns para levá-los a Vila Boa. Foram capturados um guerreiro, algumas mulheres e crianças.

Conforme Lazarin (1985, p. 137) um prisioneiro foi batizado com o nome do governador (Tristão), ganhou brindes e recebeu honrarias. Durante muito tempo, chegou-se a acreditar nos propósitos de paz dos brancos, e o xavante recebeu a incumbência de atuar em seu grupo como emissário do governador, esclarecendo os propósitos de aldeá-lo nas proximidades de Vila Boa. Os xavantes resistiram firmemente de início, mas com a intervenção dos caiapós, convenceram-se da impossibilidade de se manterem hostis “sob pena de todo o poder dos brancos, dos caiapós, e demais nações, acroá, xacriabá, carajá e javaé recair sobre eles” (Ravagnani, apud Lazarin, 1985, p. 137). Persuadidos por essa ameaça, 38 índios acompanharam a comitiva de volta a Vila Boa. Em seguida, um contingente de dois mil xavantes manifestou disposição para o acordo de paz e marcharam para o Carretão.

Ravagnani, (apud Lazarin, 1985, p. 138) relata:

Finalmente, com seis meses de marcha dentro da Capitania, por não lhe permitir o seu grande peso andarem mais de meia légua por dia pelo grande número de velhos, cegos, e estropiados, e famintas crianças, carregando uns a outros sobre seus ombros; nesta figura entrou esta grande família na aldeia de Pedro III, no dia 7 de janeiro de 1788, cuja multidão jamais se tinha visto nesta Capitania, além do resto, que se espera entrar no estio vindouro.

A entrada no aldeamento foi solene, o que faz pensar nas grandes dimensões do aldeamento, seja pela quantidade de índios acolhidos de uma só vez, seja pelo cerimonial realizado para selar a entrega do povoado aos índios pela Coroa, ali representada pelas autoridades da província. Eis o relato do evento: “No meio de aclamações e alegria, e ao som

dos seus maracás, trombetas e caixas de guerra; aí esperava o vigário de Crixá, o sargento- mor Bento José Marques e muitas outras pessoas gradas (Alencastre, apud Moura, 2002, p.

A cerimônia que concedeu a posse do aldeamento aos índios contou com empolgados pronunciamentos. Segundo Alencastre (apud Moura, 2002, p. 15), o capitão José Pinto da Fonseca fez o seguinte discurso:

O nosso capitão grande, a quem os brancos, os negros, e as nações da vossa cor, xacriabás, crajás, javaés e caiapós, obedecem, aquele mesmo que, compadecido das vossas misérias, nos enviou a convidar-vos nas vossas próprias terras, a fim de deixardes a vida errante, em que viveis como indomáveis feras, e virdes entre nós gozar dos cômodos que vos oferece a sociedade civil, debaixo da muito alta, poderosa e maternal proteção da nossa augusta soberana, a Senhora D. Maria I, rainha de Portugal, que habita além do grande lago oceano, me envia aqui a receber-vos e cumprimentar-vos de sua parte, e segurar-vos as suas boas intenções, oferecendo-vos estes presentes, sinais de uma eterna aliança, com que deseja firmar a paz, união e perfeita amizade, com que reciprocamente nos devemos tratar.

Ao mesmo tempo, em nome do nosso capitão grande, vos faço real entrega desta aldeia, que para vosso domicílio tem destinado, a qual pertencendo-vos de hoje em diante como própria, também sereis perpétuos possuidores destes dilatados campos, rios e bosques, até onde as vossas vistas possam alcançar.

E para que o nosso capitão grande fique assaz persuadido de vossa resolução, sabendo de ciência certa a fé, obediência e inteira sujeição que à sua pessoa tributais, e à nossa invicta e amabilíssima rainha, se faz preciso que firmeis a vossa fidelidade com o juramento de uma perpétua, inalterável e eterna aliança.

O chefe da nação xavante confirmou a aliança com a Coroa (apud Moura, 2002, p. 16):

Arientomô-Iaxê-Qui, maioral da nação xavante de Quá, em nome de toda a minha nação, juro e prometo a Deus de ser, como já sou de hoje em diante, vassalo fiel da rainha de Portugal, Maria I, a quem reconheço por minha soberana senhora, mãe e protetora; e de ter perpétua paz, união e eterna aliança com os brancos; o que assim me obrigo a cumprir e guardar para sempre.

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