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Instituições formadoras

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CAPÍTULO I – TAPUIOS DO CARRETÃO

7 Instituições formadoras

A história dos tapuios do Carretão registra, a partir do final da década de 1970, a presença e a atuação de instituições governamentais e não-governamentais que se interessaram por seu processo de identificação com a terra e de encontro com sua história e suas tradições e se preocuparam com o estado de abandono e expropriação em que viviam os índios. A presença e a atuação dessas instituições constituíram-se em fator fundamental para neles recuperar a auto-estima e a valorização de sua história, de sua terra e de seus antepassados.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) teve uma atuação decisiva sobre os tapuios, juntamente com antropólogos que desenvolveram pesquisas e levantaram os elementos culturais, documentais e arqueológicos dos tapuios possibilitando o seu reconhecimento como etnia diferenciada, resultante do processo de miscigenação do aldeamento que ocorreu desde o século XVIII. Com a homologação da Área Indígena Carretão, em 1990, a Funai passou a fazer-se presente no Carretão, estabelecendo ali um posto sob a responsabilidade de um funcionário. A presença da Funai na região, instalando uma representação administrativa no

lugar, passando a cuidar do atendimento médico, sanitário e providenciando uma orientação educacional mais compatível com a realidade social e cultural dos tapuios, foi decisiva para suspender o processo de fragmentação e perda das terras. Sua ação, visando sanar os conflitos fundiários e a revalidar os direitos dos tapuios às terras do Carretão, tendeu, contudo, a só considerar legítima a posse das duas glebas doadas pelo governo de Goiás, em 1948. Foi realizada a demarcação da segunda gleba, que teve sua área original reduzida de 98 para 77,504 hectares, e da primeira gleba que foi ampliada de 1.430,4780 para 1.666,4512 hectares, concluindo-se o processo administrativo pela homologação da demarcação por meio da edição dos decretos no 98.825 e no 98.826, de 15 de janeiro de 1990, e seu registro nos cartórios municipais (Moura, 2002, p. 27).

Os jovens tapuios assim se manifestam sobre a Funai, em suas entrevistas:

Ela foi uma luz que chegou inicialmente, porque o nosso povo que estava aqui ele já não tinha mais esperança. Depois que a Funai chegou começou o processo que tirou os posseiros. Foi feito com que a gente se sentisse mais índio dentro do que é nosso, porque a gente tava aqui, mas assim, não tinha direito, não tinha conhecimento. Agora com a Funai aqui a gente tem mais proteção. Todo mundo respeita a gente mais um pouco e a Funai tem ajudado muito a gente aqui. (Iracema)

A Funai mandou os antropólogos, eles ajudaram porque o governo, as pessoas do governo, eles só acreditam no que estiver no papel. Esse foi o trabalho dos antropólogos, eles conviveram com nosso povo e viram que aqui realmente existiam índios e eles fizeram esse trabalho comprovando que aqui existia índios. Então foi a partir deste trabalho que os antropólogos fizeram que o povo tapuio passou a existir para o não-índio. Eu conheço a Marlene e o Christian. A Rita eu vi uma vez.(Jacira)

A Diocese de Rubiataba-GO passou a atuar decisivamente em favor dos tapuios, a partir de 1980, quando o bispo Dom José Carlos de Oliveira tomou conhecimento do grupo e de sua situação, por meio da antropóloga Rita Heloisa de Almeida Lazarin. A diocese, então, apresentou o problema das terras dos tapuios ao Grupo de Terras do Estado de Goiás, que, por sua vez, solicitou a atuação da Funai, por se tratar de terras da União. Além de testemunhar em prol dos tapuios, a diocese ofereceu seu apoio a advogados e funcionários da Funai e colocou sua estrutura a serviço da causa. Conforme depoimento dos próprios tapuios, a atuação do bispo foi decisiva, porque ele acreditou neles como um grupo étnico que precisava ser reconhecido. Muitos dentre eles passaram a acreditar em si mesmos como descendentes indígenas a partir do momento em que o bispo intercedeu por eles, conforme depoimentos de entrevistados:

O bom disso é que o Dom Carlos sempre acreditou que nós éramos indígenas de verdade. Sempre que a gente chegava:”Dom Carlos, precisamos disso, isso e isso”, ele sempre foi muito disposto a ajudar a gente. Um dia ele chegou pra gente e falou: “Eu acredito em vocês, eu acredito que vocês são indígenas, vocês têm capacidade, e vocês vão lutar”. (Jacira)

O que a Igreja tem ajudado aqui é que inicialmente nosso povo ficava esquecido, ficava abandonado. Então foi quando o bispo, ele teve conhecimento daqui e ele convocou a Funai pra vir pra cá, a Rita, antropóloga e a Marlene. E assim quando eles passaram a vir pra cá e conviver com os tapuios foi tendo intercâmbio entre tapuios e essas pessoas que vinham de fora e assim a consciência de ser índio foi nascendo, foi renascendo nas pessoas.(Iracema)

Atualmente, a diocese oferece seu apoio por meio de programas que objetivam a auto- sustentação do grupo indígena e está à frente do projeto de instituição de uma unidade escolar indígena na área.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), com escritório na sede da diocese, dentre outras atuações, apóia o grupo por meio de programas visando a (re)construção de sua identificação indígena. Para isso, tem favorecido às lideranças tapuias, especialmente aos jovens, o encontro com outros grupos étnicos que vivem também um processo de ressurgimento. Tem promovido encontros entre os tapuios e as etnias xavante, carajá, xerente, javaé, que constituem a origem do grupo. A preocupação maior do Cimi é ouvir os anseios dos tapuios no processo de reconstrução de sua identidade e viabilizar os encontros interétnicos. Em depoimentos, alguns jovens tapuios falam sobre a atuação do Cimi:

O Cimi abre os nossos olhos para aquilo que nós temos de fazer. Ele leva a gente para as reuniões. Então o papel do Cimi é instruir a gente para gente ir cobrar aquilo que é nosso direito.(Iracema)

O Cimi que trabalha com a Igreja aqui, falava que devemos brigar pelos nossos direitos, o quê que é ser índio. O pessoal do Cimi afirmava: “Vocês são índios mesmos, vocês são diferentes do pessoal lá de fora, vocês fazem cordinhas (...) um artesanato. Vocês têm que pensar dessa forma”. Eu penso assim que esse incentivo do pessoal de fora foi através de reuniões, palestras. O pessoal da Igreja levava a gente pra participar de encontro fora, no Tocantins. Pra gente ter o encontro com os outros indígenas, com os nossos parentes próximos (Jacira)

O Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia (IGPA), da Universidade Católica de Goiás (UCG), também atua junto aos tapuios, estimulando e valorizando sua tradição oral, procurando dar-lhes a oportunidade de ressaltar para eles mesmos e para a sociedade nacional quem são, o que pensam, qual o seu passado e quais são suas tradições. O IGPA tem

publicado livros e documentários sobre os tapuios, tornando maior sua visibilidade no cenário acadêmico, nos planos nacional e internacional.

A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) mantém um posto de atendimento ambulatorial na área, com veículo, um agente de saúde, uma enfermeira e uma odontóloga, e estabelece a ponte entre a terra indígena e os hospitais da região e a Casa de Saúde do Índio em Goiânia.

Desde 1982, a Prefeitura Municipal de Rubiataba-GO mantém no Carretão uma unidade escolar rural de primeira a quarta séries. Atualmente, conta com duas professoras e uma merendeira. Para cursar a segunda fase do ensino fundamental e o ensino médio, os adolescentes e jovens tapuios são transportados pela prefeitura de Rubiataba ao povoado de Embiara e ao distrito de Waldelândia. Tramita, em fase adiantada, na Secretaria de Estado da Educação, projeto de implementação de uma unidade escolar indígena de primeira a oitava séries na área do Carretão. A diocese e a Funai construíram o prédio, para o funcionamento da escola32.

32 A unidade escolar foi criada pelo governo estadual aos 15 de abril de 2004, e o prédio (ainda em fase de acabamento) inaugurado em 19 de abril de 2004, dia do Índio (O Popular, 20 de abril de 2004, cidades, p. 3). A escola recebeu o nome de Escola Indígena cacique José Borges, em homenagem ao ex-cacique, falecido em 14 de dezembro de 2002, e deve oferecer as oito séries do ensino fundamental.

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