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A diferença conceptual entre a decisão condenatória da autoridade administrativa e a sentença

No documento Contraordenaes laborais (2. edio) (páginas 104-106)

III. Meios de reacção contra o auto de advertência: sua recorribilidade

2. Argumentos a afastar

2.3 A diferença conceptual entre a decisão condenatória da autoridade administrativa e a sentença

Outro argumento, próximo do anterior, a que frequentemente se recorre, é o de que a decisão condenatória da autoridade administrativa não carece de uma fundamentação com o rigor e a exigência prescritos para a sentença penal pelo artigo 3374.º, n.º 2, do CPP, porque é uma decisão administrativa, que não se confunde com esta última16. Procura-se, assim, justificar uma diversidade de regimes em matéria de fundamentação das decisões argumentando com o facto de estas possuírem natureza diferente, o mesmo é dizer, com base numa razão puramente conceptual: não sendo a decisão condenatória da autoridade administrativa uma sentença, não se lhe aplica o regime desta última e, mais do que isso – ideia que está implícita neste tipo de argumentação –, os requisitos em matéria de fundamentação são forçosamente diferentes. Isto é, não se rejeita apenas a importação do regime da sentença; implicitamente, afirma-se a necessidade de os regimes próprios de uma e outra serem diversos ou, mais precisamente, porque é de uma problema de interpretação que se trata, de esta última produzir resultados diferentes consoante tenha por objecto o artigo 58.º do RGCO ou o artigo 374.º do CPP.

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Cfr. FREDERICO COSTA PINTO, ob. cit., pp. 80-82.

16Neste sentido: Acórdão da Relação de Évora de 15/06/2004 (processo n.º 378/04-1), Acórdão da Relação

de Lisboa de 17/11/2004 (processo n.º 7424/2004-4), Acórdão da Relação de Lisboa de 17/05/2006 (processo n.º 3362/2006-3), Acórdão da Relação de Évora de 03/12/2009 (processo n.º 2768/08.7TBSTR.E1) e Acórdão da Relação de Coimbra de 20/01/2010 (processo n.º 514/09.7TBCBR.C1).

Independentemente da questão da interpretação que deva ser dada ao artigo 58.º do RGCO e da sua maior ou menor aproximação ao regime que o n.º 2 do artigo 374.º do CPP prescreve para a sentença penal – problemática que adiante abordarei –, importa, agora, afastar o argumento acima enunciado.

Desde logo, o mesmo argumento parte de uma falsa questão. Ninguém alguma vez pretendeu – que eu saiba – que a decisão prevista no artigo 58.º do RGCO fosse uma sentença, ou “transformá-la” numa sentença. Nomeadamente, não podem ser interpretadas como confundindo de alguma forma a decisão prevista no artigo 58.º do RGCO com uma sentença afirmações, que encontramos em alguma jurisprudência, como “a decisão condenatória em matéria contra-ordenacional, apresentando alguma homologia com a sentença condenatória em processo penal, tem uma estrutura semelhante a esta última, se bem que mais concisa, por menos exigente devido à sua menor incidência na liberdade das pessoas”17, ou “embora de forma menos intensa, o conteúdo da decisão sancionatória da autoridade administrativa no processo de contra-ordenação aproxima-se da matriz da decisão condenatória em processo penal”18, ou “dada a natureza (sancionatória) do processo por contra-ordenação, os fundamentos da decisão que aplica uma coima (ou outra sanção prevista na lei para uma contra-ordenação) aproximam-na da decisão condenatória, mais do que da decisão da Administração que contenha um acto administrativo”19, ou ainda “por isso, a fundamentação

da decisão em processo de contra-ordenação deve participar das exigências da fundamentação de uma decisão penal – na especificação dos factos, na enunciação das provas que os suportam e na indicação precisa das normas violadas”20. Trata-se aqui, apenas, de realçar semelhanças e daí retirar consequências em sede de interpretação do artigo 58.º do RGCO, não de afirmar que a decisão prevista neste preceito legal seja uma sentença, se transforme numa sentença ou deva valer como sentença. Semelhanças aquelas que, acrescento, existem efectivamente e não podem deixar de ter as consequências apontadas.

Depois, ninguém duvida de que os requisitos formais da decisão condenatória da autoridade administrativa são os previstos no artigo 58.º do RGCO e não os do artigo 374.º do

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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/12/2006 (processo n.º 06P3201) e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/11/2008 (processo n.º 08P2804).

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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/01/2007 (processo n.º 06P3202).

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ldem. Com idêntica formulação, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/01/2007 (processo n.º 06P2829).

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CPP. Para tanto, não é necessário realçar que aquela decisão não é uma sentença. É coisa por demais óbvia. A hipotética importação, via n.º 1 do artigo 41. º do RGCO e nos termos neste prescritos, do regime do artigo 374.º do CPP para o âmbito da decisão administrativa condenatória, baseada numa imaginária tentativa de equiparação conceptual desta última à sentença, é outra falsa questão.

O problema reside exclusivamente na interpretação do artigo 58.º do RGCO, mais precisamente no conteúdo das exigências formais que o mesmo estabelece. Ora, para a resolução desta questão, que, repito, é a única que está em causa, a invocação da diversidade conceptual entre decisão de uma autoridade administrativa e sentença é inócua. E é inócua precisamente porque a ideia que este argumento tem implícita – a de os regimes próprios de uma e outra decisões serem necessariamente diferentes – é errada. Desde logo, o legislador tem total liberdade para estabelecer regimes idênticos no que toca aos requisitos formais das decisões administrativas condenatórias e das sentenças; depois, se tiver sido essa a opção do legislador – ou na medida em que o tenha sido –, não existe qualquer obstáculo jurídico, lógico ou outro a que o intérprete conclua como tiver de concluir, sem excluir a hipótese de, apesar da sua diferente natureza, a decisão administrativa condenatória e a sentença estarem sujeitas aos mesmos requisitos formais ou, ao menos, terem alguns requisitos formais comuns.

Ou seja, a interpretação do artigo 58.º do RGCO há-de fazer-se com base, além naturalmente da sua letra, noutros argumentos, de natureza substancial, nomeadamente ponderando dos interesses em jogo, e, se para tanto houver fundamento válido, pode ter um resultado muito próximo do conteúdo do n.º 2 do artigo 374.º do CPP não obstante não se estar perante uma sentença. Repito: da diversidade de natureza entre a decisão administrativa condenatória e a sentença não resulta necessariamente uma diversidade de regimes em todos os aspectos, ou sequer em alguns, como o argumento que venho refutando pressupõe.

2.4 A dependência da eficácia da decisão condenatória proferida pela autoridade

No documento Contraordenaes laborais (2. edio) (páginas 104-106)