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DIFERENÇA ENTRE LIVROS DE LITERATURA INFANTIL, DIDÁTICOS E

No documento miriamraquelpiazzimachado (páginas 49-55)

Nesse tópico, procuro elucidar a diferença entre os livros que circulam na instituição escolar, os livros de literatura infantil, os didáticos e os paradidáticos. Na escola, um livro pode servir a vários objetivos. Se o professor não tiver claro para si esses objetivos, pode promover uma distorção entre os alunos. Um leitor inexperiente pode considerar todo livro tendo o mesmo objetivo e isso pode afastá-lo da leitura de literatura, porque, como disse Ziraldo ao comentar sobre livro didático, em entrevista publicada em Garcia (2000, p. 176), “criança não quer essa coisa, ela se sente traída quando o livro tem uma segunda intenção, ela fica pau da vida: “Ih, esse cara tá tentando me ensinar”, você entendeu? Pra criança, livro é pra gostar, é pra ensinar a viver a vida mesmo”.

Sobre esse assunto há muitas controvérsias. Há quem diga que o importante é expor o aluno à maior variedade possível de material escrito. Outros criticam essa premissa, pois quantidade não é sinônimo de qualidade.

Ricardo Azevedo esclarece em seu artigo: “Livros didáticos e livros de literatura: chega de confusão!” as características que diferenciam os livros didáticos e paradidáticos do livro infantil.

O livro didático, em resumo, é sempre um livro utilitário (foi feito para atingir um fim determinado), escrito na linguagem mais clara possível, cuja pretensão é transmitir informações objetivas e ensinar coisas. Is so significa que ele carrega uma mensagem clara, única, líquida e certa. [...]

Acontece que a literatura funciona de outro jeito. Se os livros didáticos são veículos da ciência, os livros de literatura são veículos da arte. [...]

Há, não podemos esquecer, o caso dos livros paradidáticos, aqueles que pretendem “distrair educando”. Boa parte dos livros dirigidos ao público infantil pertence a essa categoria. Eles se utilizam da ficção de forma utilitária e têm necessariamente uma mensagem única (uma utilidade) no final... (AZEVEDO, 1999, 85-87).

Esse esclarecimento é essencial. Circulam na escola esses diferentes exemplares de livros e, muitas vezes, os professores acreditam estar propiciando o letramento literário, mas o que oferecem aos alunos não são obras literárias, mas obras que se furtam à gratuidade, à arte, ao deleite e privilegiam os conteúdos curriculares. Evidentemente, não se está aqui desconsiderando toda a produção constituída, mas indicando a escolha criteriosa e consciente do professor, para promover a leitura literária.

Os alunos, expostos constantemente a esses textos, imaginam que a leitura deva ter sempre um objetivo pedagógico, o que os leva ao afastamento da literatura e a tudo o que ela pode proporcionar em termos de formação.

Quando penso em livros de literatura infantil para apresentar aos meus alunos, procuro lembrar do que me atraía nos livros apresentados pelos mediadores de leitura que tive na infância, conforme apresentei no início desse capítulo. Concordo com Zilberman que “livros lidos na infância permanecem na memória do adolescente e do adulto, responsáveis que foram por bons momentos aos quais as pessoas não cansam de regressar ” (ZILBERMAN, 2005, p.9). As recordações que trago comigo são marcantes e, mesmo que não tenhamos essas memórias tão vivas, elas estão lá, em cada livro lido ou em cada nova experiência de leitura.

Provocar o prazer, a descoberta, a criatividade, o lúdico, a busca pela solução de conflitos, a invenção, a construção da realidade, dentre outras ações, pode ser o investimento necessário aos mediadores de leitura, a fim de que a literatura seja um lugar possível aos estudantes que adentram hoje os muros escolares.

Larrosa (2013) explicita o caráter virtuoso da educação literária, que se opõe ao controle da experiência de leitura e a submissão a finalidades preestabelecidas.

Sua única virtude é a sua infinita capacidade para a interrupção, para o desvio, para a “desrealização” do real e do dado (inclusive do real e do dado de alguém) e para a abertura ao desconhecido. A iniciação à leitura aparece, assim, como o início de um movimento excêntrico, no qual o sujeito leitor abre-se à sua própria metamorfose (LARROSA, 2013, p. 13).

Essa construção pessoal que a literatura opera quando o leitor tem um encontro particular com a obra lida, quando entre ele e o livro se estabelece uma sintonia capaz de abrir os olhos da alma e as janelas do coração pela experiência estética advinda da leitura de uma obra que, mais do que conhecimentos, permite o transbordar da sensibil idade e da autonomia, permite fazer escolhas e constrói significados para o sujeito que se identifica com a obra lida. E o autor (ibid, p. 46) assevera que “a formação não é outra coisa senão o resultado de um determinado tipo de relação com um determinado tipo de palavra: uma relação constituinte, configuradora, aquela em que a palavra tem o poder de formar ou transformar a sensibilidade e o caráter do leitor”.

Larrosa diferencia a linguagem literária da não literária. Segundo ele , “toda obra literária cobiça um silêncio, uma obscuridade. E é isso que diferencia sua linguagem da linguagem não literária” (LARROSA, 2013, p. 75). O autor explicita ainda que a linguagem que não é literária é, em geral, “arrogante e dominadora” por pretender “iluminar e esclarecer, explicar, dar conta das coisas, dizer tudo”. No campo da arte não é assim, porque a literatura deixa vazios a serem preenchidos pelo leitor.

Que possamos propiciar em nossas escolas uma formação do leitor que dê asas aos nossos estudantes, através da experiência única que a literatura infantil pode propiciar a quem dela se apropria, porque “se alguém lê ou escuta ou olha com o coração aberto, aquilo que lê, escuta ou olha ressoa nele; ressoa no silêncio que é ele, e assim o silêncio

penetrado pela forma se faz fecundo. E assim, alguém vai sendo levado à sua própria forma” (LARROSA, 2013, p. 52).

2 OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A viagem te reservará surpresas, mas teu sorriso alimentará o mistério da travessia

Pedro Garcia

Neste capítulo, apresento como foi estruturada a pesquisa, tanto nos aspectos conceituais, como nos formais. Descrevo os objetivos do estudo, bem como os instrumentos utilizados para atingi-los.

Como já explicitei na introdução, esse estudo apresenta uma opção teórico – metodológica pela pesquisa qualitativa de caráter etnográfico. O objetivo geral é compreender o ponto de vista do outro, os significados por ele atribuídos ao trabalho pedagógico realizado. O olhar relativizador pretende trazer à tona o ponto de vista do outro, não o do pesquisador. De acordo com DaMatta (1987, p. 145), citando Malinowski, esse olhar implica em “deter-se por um momento diante de um fato singular e estranho; deleitar-se com ele e ver sua singularidade aparente; olhá-lo como uma curiosidade e colecioná-lo no museu da própria memória ou num anedotário”.

Esse olhar requer um descentramento, um sair de si. Como sou uma pesquisadora, conhecedora da realidade escolar, faz-se necessário deslocar e olhar a realidade pelo ponto de vista das crianças. Nada é natural, tudo precisa ser visto de outro ponto de vista. Isso não é tarefa fácil, porque sou professora dessa escola, conheço o trabalho desenvolvido pelas docentes. Mas o que pretendo aqui é perceber como as crianças veem essa prática. Seus comportamentos, suas reações, seus silêncios e inquietudes, suas produções dizem algo e, para compreender todas essas expressões, é necessário sair do ponto de vista do adulto para me colocar no ponto de vista das crianças, procurando compreender suas interjeições, suas maneiras de reagir diante das incentivações e proposições feitas pela professora e pela escola.

Esse olhar relativizador é importante no tipo de pesquisa aqui desenvolvido e pressupõe um “exercício que nos faz mudar o ponto de vista e, com isso, alcançar uma nova visão do homem e da sociedade no movimento que nos leva para fora do nosso próprio mundo, mas que acaba por nos trazer mais para dentro dele” (DAMATTA, 1987, p. 153).

Procuro chegar o mais próximo possível do pensamento dos estudantes sujeitos dessa pesquisa, ouvindo as suas representações sobre o letramento literário.

Chartier aponta a importância da noção de representação que tem o objetivo de “compreender o funcionamento da sua sociedade ou definir as operações intelectuais que lhes permitem apreender o mundo” (CHARTIER, 1988, p. 23) e que há três modalidades da relação com o mundo social: o trabalho de classificação e de delimitação, as práticas que visam reconhecer uma identidade social e as formas institucionalizadas e objetivadas que marcam a existência social.

O trabalho de classificação e de delimitação é parte da construção intelectual e a realidade é estabelecida diferentemente pelos grupos sociais que constituem a sociedade. As práticas revelam o modo de se colocar no mundo social, de acordo com o “estatuto” e uma determinada posição social. As formas institucionalizadas são aquelas que marcam de maneira visível a existência de determinado grupo, classe ou comunidade. A partir dessas modalidades, o mundo social é descrito e a reflexão sobre funcionamento da sociedade é inaugurada.

Portanto, ouvindo os estudantes e procurando as recorrências em suas falas, ambiciono identificar as representações que esses alunos têm em relação ao trabalho que é feito com a literatura infantil na escola. Com isso, espero ser uma tradutora do pensamento do outro, suas classificações e suas práticas dentro da instituição e que propiciam ou não a sua interação com a literatura infantil.

A Antropologia é uma ciência interpretativa que tem como objetivo principal buscar os significados que orientam os sujeitos. O pesquisador, enquanto etnógrafo, pretende “inscrever o discurso social”, como aponta Geertz (1978, p.29). “A etnografia é uma descrição densa” (ibid, p. 20) e exige um esforço intelectual para captar as relações e toda a teia que elas envolvem. O homem é, segundo o antropólogo (1978, p. 15) “um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu” e o autor assume a cultura como sendo “essas teias e a sua análise”.

Assim sendo, nesse trabalho pretendo uma interpretação do cotidiano dos estudantes e dos significados por eles atribuídos ao trabalho pedagógico real izado com a literatura infantil e, para isso, é necessária uma imersão no contexto escolar. Para tanto,

será preciso um “estranhamento do familiar”, como apontado por Velho (2004), visto que sou professora dos anos iniciais do ensino fundamental e a realidade me é familiar.

Formei-me no ensino médio em 1985 como professora dos anos iniciais do ensino fundamental e graduei-me em Pedagogia, em 1989. Em trinta anos de formada, completei, no ano de dois mil e dezesseis, vinte e três anos de serviço no Colégio de Aplicação João XXIII, campo dessa pesquisa. Atuei em praticamente todos os anos escolares, fui professora do Curso de Magistério do Colégio, assim como sou professora do Curso de Especialização Lato Senso. Construí, juntamente com a diretora de ensino da época, a proposta pedagógica que possibilitou a inclusão dos alunos de seis anos no colégio, mesmo antes da lei instituir essa obrigatoriedade. Portanto, esse estranhamento do familiar é um desafio. Acredito que o fato de a grande parte dos alunos me conhecerem e terem uma relação positiva comigo facilitará a sua abertura e participação na pesquisa.

No documento miriamraquelpiazzimachado (páginas 49-55)