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Diferenças entre “Marca” e “Nome Empresarial”

II. 1Marca: valioso elemento intangível do estabelecimento empresarial

II.8 Diferenças entre “Marca” e “Nome Empresarial”

Convém trazer à lume dessemelhanças pontuais verificadas entre a marca e o nome

empresarial, ambos categorizados como bens incorpóreos tutelados pelo ordenamento jurídico pátrio, porém agasalhados por regimes legais diferentes. Neste diapasão, a marca, objeto nuclear desta tese, encontra-se nomeadamente disiciplinada pela Lei 9.279/96. O

nome empresarial, por seu turno, submete-se à tutela legal disciplinada pelo Código Civil Brasileiro, mais precisamente entre os artigos 1.155 e 1.168 do aludido Diploma Legal. Com efeito, para que se compreendam as principais distinções entre os referidos bens imateriais, os quais, embora muito próximos, não se confundem, faz-se necessária análise preliminar conceitual acerca do nome empresarial.

Inauguralmente, impõe-se anotar duas modalidades distintas de nome empresarial, a saber: a firma e a denominação. A firma pode ser individual ou social (igualmente conhecida como “razão social”). A firma individual se identifica com o nome do comerciante particular. Este comerciante materializa-se na pessoa física que, ao desenvolver determinada atividade empresarial, utiliza-se, obrigatoriamente, de seu nome para apresentar seu “nome empresarial”, ou seja, aquela expressão que será reconhecida pelo público consumidor.

179 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2003. vol. 1. 25ª ed. atual. pp.

260/261.

180 Cf. Art. 205 do Código Civil Brasileiro: “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja

A firma social ou razão social tem por condão particularizar algumas sociedades empresárias (pessoas jurídicas). Ocorre, a título ilustrativo, com um supermercado, constituído na forma de sociedade empresária limitada, cujos sócios sejam João Pires e Pablo Nunes e que cuja firma ou razão social seja Pires e Nunes Supermercado Ltda.

Consoante o artigo 1.158 do Código Civil, as sociedades limitadas podem ser identificadas ou pela razão social, quando o nome empresarial e o nome de seus sócios se confundem, ou ainda pela denominação social, quando o nome empresarial não guarda relação com o nome dos sócios, porquanto se identifica com um nome alegórico, arbitrariamente eleito pelos sócios da sociedade. Convém mencionar que, enquanto nas sociedades limitadas há a faculdade de decisão entre razão social ou denominação social, nas sociedades anônimas, por óbvio, não há a possibilidade de se recorrer à firma ou razão social.

Não há que se confundir denominação social com nome de fantasia (título de

estabelecimento). Enquanto o primeiro identifica-se como uma das modalidades de “nome empresarial”, remetendo à figura da pessoa física ou jurídica empresária, o segundo, também conhecido como título de estabelecimento, remete ao lugar onde os serviços são prestados ou os produtos são oferecidos pelo empresário ou sociedade empresária. Onde ocorre o encontro do empresário com a sua clientela. Exemplo: Denominação Social: Companhia Brasileira de Distribuição. Nome de Fantasia (título de estabelecimento): Pão

de Açúcar.181

Cumpre trazer à colação, ainda, que, ao contrário do nome empresarial, não há registro do nome de fantasia (ou “insígnia”)182. A proteção legal deste decorre apenas do artigo 194 da Lei de Propriedade Industrial, inciso V, que prescreve constituir crime de

concorrência desleal: usar, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vender, expor ou oferecer à venda ou ter em estoque produto com essas referências Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa”.

181 Nesse sentido, ver: VALERI, Giuseppe. Manuale di Diritto Commerciale. Firenze: Casa Editrice Dottore

Carlo Cya, 1950, v. II, p. 30; Também: REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 25ª ed. São Paulo: Saraiva. Vol I. p. 289.

182 O Direito Brasileiro insere-se no mesmo grupo da Itália, daqueles países que não adotam o registro de

nome de fantasia. (Cf. VALERI, Giuseppe. Manuale di Diritto Commerciale. Firenze: Casa Editrice Dottore Carlo Cya. 1950., v. II, p. 31).

princípio da especialidade e, como corolário, do alcance de proteção projetado, tem-se que, enquanto que o âmbito de compreensão do abrigo legal ao nome empresarial (predicado material da tutela) poderá ser estendido por todo o território nacional, naturalmente, no evento de tal extensão ser requerida junto à Junta Comercial de cada estado da unidade federativa (órgão competente de registro do nome empresarial)183, o âmbito de proteção à marca é concedida, de uma só vez, e por todo o território nacional, pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), órgão competente de registro marcário. José Carlos Tinoco Soares discorda deste posicionamento, no concernente à proteção territorial regional do nome empresarial. Segundo o industrialista, “no plano fático, pode-se considerar esta limitação territorial (estadual) inócua, pois o ofendido poderá se valer das normas que regulam a leal concorrência para reprimir o uso indevido de seu nome empresarial, a qualquer título, ex vi do disposto no inc. V, do art. 124 e no inc. III do art. 195 da Lei n. 9.279/96” 184.

Demais disto, parte considerável da doutrina 185 ministra a tese de que, enquanto que a proteção ao nome empresarial é universal, abarcando, inclusive, aquelas atividades não desempenhadas pelo titular do registro186, a proteção conferida à marca limita-se apenas àquelas classes nas quais os produtos ou serviços do titular foram registrados no INPI, com arrimo no princípio da especialidade, ora em estudo. Por outro lado, impende-

183 Cf. Art. 1.166 do Código Civil Brasileiro: “A inscrição do empresário, ou dos atos constitutivos das

pessoas jurídicas, ou as respectivas averbações, no registro próprio, asseguram o uso exclusivo do nome nos limites do respectivo Estado

184 Cf. SOARES, José Carlos Tinoco. Nome Comercial “versus” Marca. in ABRÃO, Eliane Yachoub (org.).

Propriedade Imaterial: direitos autorais, propriedade industrial e bens de personalidade. São Paulo: Ed. Senac São Paulo. 2006. p. 37.

185 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 25ª ed....op. cit. p. 231; BERTOLDI. Marcelo M.;

RIBEIRO, Márcia Carla. Curso Avançado de Direito Comercial. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 2009. p. 126; NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 195; SILVEIRA, Newton. A Propriedade Intelectual e as Novas Leis Autorais. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1982. p. 17; VERÇOSA. Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de Direito Comercial. 2ª ed. rev e atual. São Paulo: Malheiros, 2008. vol. 1. p. 296.

186 Neste particular, cite-se preleção de Sérgio Campinho, que assinala, textualmente: “Deve-se registrar que

o sistema protetivo do nome empresarial vem pautado em dois princípios: a tutela da clientela e a tutela do crédito do empresário. (...) Em razão desse cenário é que a proteção não se restringe ao ramo de atividade do empresário, como ocorre no Direito Marcário.” (CAMPINHO, Sérgio. O Direito de Empresa à Luz do Novo Código Civil. 10ª ed. rev. e atual. de acordo com a Lei Complementar n.º 128/2008. Rio de Janeiro: Ed. Renovar. 2009, p. 355.)

se mencionar que parcela adversarial da doutrina187, ainda que minoritária, porém a qual nos filiamos, preleciona que a proteção do nome empresarial circunscreve-se tão apenas àquela(s) atividade(s) efetivamente praticada(s) pelo seu titular, sendo crível a terceiros requerer registro com o mesmo nome empresarial, contanto que desenvolvam atividades distintas daquelas praticadas pelo primeiro titular188.

Não é razoável que um nome empresarial registrado seja protegido para aquelas atividades que não sejam por ele compreendidas. Significaria estender uma proteção desproporcional e delimitar o direito de outrem de se utilizar daquele mesmo nome

empresarial para atividades dessemelhantes. Com o desígnio de lastrear fundamentadamente esta afirmativa, recorremos à mesma argüição utilizada para a promoção e patrocínio do princípio da especialidade no direito marcário, com a diferença residindo no fato de que, enquanto o registro do nome empresarial objetiva tutelar o empresário ou sociedade empresária (fabricante, comerciante ou prestador de serviço), o registro da marca tem por finalidade precípua tutelar o produto ou serviço oferecido pelo empresário. Porém, cumpre mencionar que, em ambos os casos, a proteção deve ser relativizada, não englobando aqueles segmentos e nichos não explorados pelo empresário ou penetrados por seus produtos ou serviços.

A propósito do termo do registro, ou predicado temporal da tutela, impõe-se anotar que o prazo de duração do registro de marca é de dez anos, podendo ser renovado, ilimitada e sucessivamente, pelo titular. Já o prazo de duração concedido à proteção do nome empresarial, é ilimitado, não prescindindo de renovação e provação pelo seu titular. Coincide, pois, com a duração da sociedade.

No que toca à possibilidade de alienação, a marca pode ser cedida ou licenciada. O

nome empresarial, por seu turno, ex vi do artigo 1.164 do Código Civil Brasileiro, não pode ser objeto de alienação. No caso de aquisição de estabelecimento, reza o parágrafo

187 Cf. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. São Paulo: Ed. Atlas. 2007. p. 58;

188 Nesse sentido, colacione-se trecho de ementa de acórdão hodierno exarado pelo STJ: “Tutela do nome

comercial entendida de modo relativo. O registro mais antigo gera a proteção no ramo de atuação da empresa que o detém, mas não impede a utilização de nome em segmento diverso, sobretudo quando não se verifica qualquer confusão, prejuízo ou vantagem indevida no seu emprego” (REsp n. 262.643-SP. Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Julg. Em 09 março 2010). Ver também: Recurso Extraordinário. Rel. Min. Sydney Sanches. Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Julg. Em 26 fev. 1991.

nome do alienante, precedido do seu próprio, com a qualificação de sucessor.

Por fim, no caso de existência de colidência entre nome empresarial e marca, recentemente manifestou o Colendo Superior Tribunal de Justiça189 que, em princípio, os elementos que integram o nome empresarial devidamente arquivado na Junta Comercial, não podem ser posteriormente registrados, a título de marca, a não ser que assim seja procedido pelo titular da denominação ou por terceiros que tenham o consentimento deste190.

Convém indicar o artigo 124, inciso V, da Lei 9.279/96, dispositivo este que assinala como sendo sinais não registráveis como marca: reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa

de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos.

Nesta senda, posicionamo-nos no sentido de que, em caso de colidência entre nome

empresarial e marca, poderá ser registrada a marca, com a mesma disposição de

denominação social previamente registrada na Junta Comercial por outrem, contanto que as atividades desenvolvidas pelos titulares do registro sejam cristalinamente desiguais. Isto porque, conforme acima sublinhado, o artigo 124, inciso V, da Lei 9279/96, não permite a reprodução ou imitação de nome empresarial de terceiros, porém com a ressalva expressa de que a marca que se busque o registro não cause confusão ou associação com os sinais distintivos registrados por outrem em tempo pretérito, ou seja, não implique conflito com as atividades desempenhadas pelo titular do registro antecedente na Junta Comercial.

189 Ver: (i) Recurso Especial n. 1.082.734-RS. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Quarta Turma do Superior

Tribunal de Justiça. Julg. Em 03 set. 2009; (ii) AgRg no REsp 757880/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça. julg. eem 04 fev. 2010; (iii) Recurso de Apelação n.º 994.05.096655-1. 1ª Câmara de Direito Privado. TJSP. Rel. Des. Elliot Akel. Julg. em 13 abril de 2010.

190 Este entendimento segue o mesmo posicionamento jurisprudencial firmado em momento anterior à

publicação da Lei 9279/96, ou seja, sob a égide da Lei 5.772/71. Registre-se ementa: “Em havendo colidência entre marca e nome comercial, prevalece este se foi levado a registro na Junta Comercial em data anterior à da marca junto ao INPI. Observância do art. 65 do então vigente Código de Propriedade Industrial (Lei 5.772/71), que veda o registro como marca de título de estabelecimento ou nome comercial” (Apelação Cível n. 98.02.31.069-7. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. D.J.U. 17 set. 2001)

Por outro lado, sob o mesmo argumento conflitivo acima esposado, e com embasamento no princípio da especialidade, não é direito do empresário ou sociedade empresária proceder ao registro de nome empresarial na Junta Comercial, cujos elementos colidam com aqueles elementos que permeiam marca previamente registrada pelo INPI, especialmente no âmbito de circunscrição dos produtos ou serviços chancelados pelo INPI. Portanto, na confrontação entre nome empresarial e marca , radicados no mesmo ramo de atividade, deve imperar o princípio da anterioridade, não importando se o registro anterior tenha sido outorgado pelo INPI ou pela Junta Comercial do Estado competente. Aquele que obteve, inauguralmente, o certificado de registro, passando a ter sobre o bem imaterial a propriedade, tem a chancela estatal de se insurgir contra o uso encetado por terceiros no mesmo ramo de atividade, a exceção das marcas de alto renome, conforme adiante delineado191.

Há que se ter em mente que, tanto no que pertine à proteção do nome empresarial, quanto no que concerne à proteção da marca, o objeto central da tutela deve consubstanciar-se na salvaguarda jurídica do bem imaterial, de modo que se reprima qualquer ato de concorrência desleal192 se evite, por igual, qualquer possibilidade de confusão do público consumidor, quando da aquisição de um determinado produto ou serviço.

Apresentamos, a título ornamental, o seguinte caso exemplificativo: Sociedade Empresária “A” registrou na Junta Comercial a denominação social “XYZ Produtos Alimentícios Ltda”. Posteriormente, cinco anos mais tarde, a Sociedade Empresária “B” procedeu ao registro, perante o INPI, da marca “XYZ”, na classe de calçados, sobretudo porque tem como atividade capital a fabricação e comercialização de sapatos. Ante o exposto, questiona-se: pode a Sociedade Empresária “A”, que detém o registro da denominação social “XYZ Produtos Alimentícios Ltda.” perante a Junta Comercial,

191 Cf. GONÇALVES NETO. Alfredo de Assis. Manual de Direito Comercial. 2ª ed. Curitiba: Juruá. 2000,

p. 217.

192 Segundo prelecionava o insigne Carlos Alberto Bittar, “o nome da pessoa jurídica desfruta de instrumento

de amparo específico, tanto na lei citada, como na propriedade industrial e, em particular, no âmbito da teoria da concorrência desleal, onde se pode obviar o uso indevido por concorrente, destinado a criar confusão com sua empresa, para captação de clientela (...) (Cf. BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos de Personalidade. 3ª ed. São Paulo: Ed. Forense. 1999. p. 128)

insurgir-se contra a Sociedade Empresária “B”?

Face à tese acima delineada, a Sociedade Empresária “A” não possui fundamento jurídico para obstar que a Sociedade Empresária “B” permaneça titular da marca “XYZ”, porém esta excepcionalidade aplica-se apenas àquele caso especifico em que não fazia presente o conflito entre o núcleo da atividade praticada pela Sociedade Empresária “B” (sapatos) com o núcleo da atividade desenvolvida pela Sociedade Empresária “A” (alimentos). Por certo, se a Sociedade Empresária “B” tentasse registrar a marca “XYZ” na classe alimentícia, estaria agindo em flagrante violação à lei marcária, nomeadamente ao artigo 124, inciso V, combinado com o artigo 195, inciso V, da Lei 9279/96.

Oportuno realçar que este entendimento não se aplica aos casos envolvendo as

marcas de alto renome. Aqui, não prevalece o princípio da especificidade193. Portanto, o registro outorgado sob a rubrica de marcas de alto renome, pelo contorno universal de seu registro em território nacional, obsta que sejam registrados nomes empresariais (pela Junta Comercial), bem como marcas (pelo INPI), insígnias etc que sejam colidentes com a

marca de alto renome, ainda que tais registros se verifiquem em classes diversas daquela cuja tutela estatal fora adquirida pelo titular original194.

193 TOMAZETTE, Marlon. A proteção ao nome empresarial . Jus Navegandi, Teresina, ano 10, n. 1062, 29

maio 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8456>. Acesso em 20 set. 2009.

194 Nesse sentido, ver: (i) Recurso Especial n.º 658.702/RJ, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quarta Turma do

Superior Tribunal de Justiça, julgado em 29/06/2006, DJ 21/08/2006; (ii) Embargos de Declaração no Recurso Especial n.º 50609/MG, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça. julgado em 11/12/1997, DJ 02/02/1998; (iii) Embargos Infringentes em Apelação Cível n.º 94.02.22597. TRF 2ª Região – 1ª Seção –Rel. Des. Federal Tânia Heine, julg. 09/05/2002: “Administrativo. Registro de Marca. Proibição de uso da marca em denominação social de outra empresa. (...) Notoriedade [alto renome] da marca “All Star” reconhecida dentro da mesma classe, calcada em documentos e prova pericial realizada nos autos (art. 6° bis da Convenção de Paris). IV - Proibição de uso da marca na denominação social de “All Star Artigos Esportivos Ltda.” se insere na competência da Justiça Federal, questão reconhecida, inclusive, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no caso concreto (...)” .