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CAPÍTULO II – ADVOCACIA POPULAR: PRÁTICAS SOCIAIS NO CAMINHO POR

2.4 Advocacia Popular: um olhar a partir das percepções e vivências dos advogados

2.4.4 Diferenças na atuação da advocacia popular

Se as características acima comentadas são aspectos convergentes da opinião entre os advogados entrevistados, as suas perspectivas se dividem quando o assunto refere-se à existência de particularidades e/ou nuances inerentes à própria advocacia popular. Tal fato se tornou perceptível quando nas entrevistas indagou-se: “Toda prática da advocacia popular é igual na sua atuação?”; “O que a diferencia?”; “Como se manifestam essas diferenças?”.

Iniciamos este tópico referindo, que todos os entrevistados responderam afirmativamente quanto à existência de particularidades na atuação desta prática, sendo que a justificativa e os conteúdos das respostas foram dos mais diferenciados, refletindo a particularidade do olhar e da vivência de cada um destes profissionais. De acordo com as respostas, verificamos que a advocacia popular pode ser analisada sob os seguintes aspectos: a) grau de envolvimento; b) tipo de atuação e c) grupo político assessorado e tipo de demanda reivindicada.

Alguns entrevistados apontaram o grau de envolvimento com os movimentos sociais como um dos aspectos diferenciadores entre as práticas da advocacia popular. Para este grupo, existem os advogados que estão fortemente comprometidos e envolvidos com as demandas dos movimentos sociais e aqueles que encontram-se menos envolvidos, tendo uma postura muito mais de colaboração pontual do que de atuação mais efetiva.

Aqueles considerados “mais envolvidos” se constituem nos advogados que por meio dos seus escritórios particulares ou ainda das entidades de direitos humanos e ONGs para as quais trabalham, colocam seus serviços jurídicos à disposição dos movimentos sociais de forma voluntária. Também integram esta categoria os chamados “advogados liberados”, aqueles que atuam exclusivamente para os movimentos sociais, tendo toda sua renda composta pela remuneração conferida por eles. Esta atuação possui uma grande vantagem para os movimentos sociais porquanto possuem uma assessoria jurídica dedicada

exclusivamente as suas demandas. Os principais desafios desta situação está na ordem da remuneração (os movimentos possuem condições financeiras muito modestas para remunerar seus advogados), da estrutura de trabalho (via de regra os advogados possuem condições de trabalho que carecem de infra-estrutura – como computadores, transporte, livros) e da sustentabilidade (em geral, os advogados prestam seus serviços por um período determinado de tempo, porquanto dependem diretamente da sustentabilidade do próprio movimento). Do total de entrevistados, nenhum trabalha atualmente nesta condição.

Vale referir, de acordo com alguns entrevistados, que nos últimos anos tem surgido dentro desta categoria um novo grupo, composto por militantes dos próprios movimentos sociais, que ingressaram nas faculdades de direito203 e aos poucos estão tornando-se advogados. São filhos de assentados da reforma agrária e de trabalhadores rurais que têm assumido o compromisso político de atuar como operadores do direito. Esta opção tem confirmado a tese de que os movimentos sociais vêm amadurecendo a idéia de que a luta política deve ser acompanhada da luta jurídica e de que esta pode ser assumida também pelos próprios integrantes do movimento.

Há entretanto, aqueles advogados populares que teriam um envolvimento menos intenso com as demandas dos movimentos sociais. São aqueles que contribuem com a advocacia popular por meio de consultorias ou assessorias pontuais, em especial em casos de ações judiciais envolvendo o movimento em litígios de maior repercussão no Poder Judiciário. Nestes casos, a atuação se dá igualmente de forma voluntária e circunstancial, como na realização de audiências, elaboração de pareceres jurídicos e recursos processuais, atuação em júri, etc. Ainda assim, este tipo de prática foi considerada de grande relevância pelos entrevistados tendo em conta que tais advogados geralmente possuem escritórios especializados em determinada área do direito, capazes de qualificar tecnicamente a defesa dos movimentos sociais.

203 Em 2007 foi criada na Universidade Federal de Goiás (UFG) uma Turma Especial do Curso de Direito, destinada a assentados da reforma agrária e filhos de pequenos agricultores. A turma, que possui 60 alunos matriculados, tem contado com o apoio de 14 entidades do Brasil e do exterior com o intuito de colaborar na formação dos estudantes. Entre as instituições destacam-se a Associação dos Juízes Federais (Ajufe), o Instituto brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM-SP) e as Universidades de Coimbra (Portugal) e Carlos II (Espanha).

Outro enfoque a ser dado diz respeito ao tipo de atuação dos advogados, ou seja, uma advocacia dividida entre aqueles que efetivamente litigam no âmbito do sistema judicial, em atividades privativas da advocacia (postulação junto ao poder judiciário) e aqueles que embora não litiguem, oferecem importante contribuição à advocacia popular. Neste segundo caso, estão aqueles advogados populares que passaram a atuar nas universidades realizando pesquisas, debates e formulando teses jurídicas importantes para a defesa dos movimentos sociais, bem como os estudantes/estagiários que estão a trabalhar junto aos advogados populares e agregando contribuições importantes à defesa dos movimentos.

Por fim, com menos ênfase que os enfoques anteriores, mas igualmente lembrado nas entrevistas, está outro aspecto distintivo da prática da advocacia popular, relacionado ao

tipo de grupo assessorado e à demanda reivindicada, o que significa que a atuação da

advocacia popular pode se diferenciar de acordo com movimento social que assessora. Assim, a depender do tipo de movimentos social que o advogado popular atua – se é um movimento ligado a demandas urbanas, agrárias ou trabalhistas – as estratégias jurídicas e políticas podem ser distintas; ele poderá ter uma maior ou menor infra-estrutura a sua disposição (um entrevistado alegou que os sindicatos oferecem uma infra-estrutura muito maior que os movimentos sociais podem oferecer) ou ainda terá domínio de um determinado conhecimento jurídico-processual.