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CAPÍTULO III – O DIREITO E A JUSTIÇA ACHADOS NA RUA: ESTRATÉGIAS

3.2 As estratégias jurídico-políticas da advocacia popular no acesso ao direito e à justiça

3.2.3 Mobilização Política

Para além das estratégias jurídicas, os entrevistados também apontaram para a importância da adoção de estratégias políticas na garantia do acesso ao direito e à justiça dos movimentos de luta pela terra. Nesse sentido, os advogados entrevistados consideraram que a estratégia jurídica desempenhada por eles, quando desacompanhada da estratégia de mobilização política, é insuficiente para alcançar o direito e a justiça.

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FARIAS, Valdez Adriani; PINTO JUNIOR, Joaquim Modesto. Função Social da Propriedade –

dimensões ambiental e trabalhista. [on line]. Disponível em:

<http://www.cacesusc.com.br/parecer.ambiental.pdf>. Acesso em 11.03.2010.

263 FARIAS, Valdez Adriani; PINTO JUNIOR, Joaquim Modesto. Função Social da Propriedade –

dimensões ambiental e trabalhista. NEAD Debate, 2005. Disponível em:

Em entrevista realizada em 2008, uma advogada foi tão enfática sobre a necessidade de casar as estratégias jurídicas e políticas que chegou a dizer que os casos de luta pela terra “são irresolvíveis apenas na esfera judicial”264. Em sentido semelhante nossos entrevistados demonstraram a importância da combinação entre estas estratégias:

[...] eu não acredito que isoladamente alguma das duas vias [jurídica e política] resulte naquilo que nós defendemos que é a justiça social. [...] Porque a gente é muito fraquinho para caminharmos só, a estrutura de poder é mais forte do que nós, está formada há muito tempo265.

O advogado popular, por si só, nesse momento da história jurídica brasileira,

não tem como atuar, precisa de estratégias políticas266.

[...] Muito difícil [a atuação jurídica sem a articulação política]. Se existirem

casos assim, são exceções. Os interesses que concentram a terra, concentram a

renda agem articulados, não lutam apenas dentro da seara jurídica e até interferem nela por terem outros espaços267.

Assim, enquanto as estratégias jurídicas são utilizadas para a defesa processual dos movimentos sociais no âmbito de ações judiciais, as estratégias de mobilização política têm como principal objetivo potencializar as estratégias jurídicas, por meio de ações de mobilização social, sensibilização e articulação de diferentes atores. Enquanto as primeiras (jurídicas) são realizadas exclusivamente pelos advogados populares, as segundas (políticas) são realizadas tantos por estes profissionais quanto pelos movimentos sociais.

Dentre as estratégias políticas citadas pelos entrevistados estão: a) as ocupações e

marchas; b) o contato e articulação com parlamentares; c) as campanhas de cartas; e d) a sensibilização e aproximação com juízes.

a) Ocupações e Marchas

As ocupações coletivas e as marchas se constituem na forma mais importante de estratégica política adotada pelos movimentos sociais para pressionar os poderes executivo, legislativo e judiciário e chamar a atenção da sociedade civil. Visam ocupar

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SANTOS, Boaventura de Sousa; CARLET, Flávia. The movement of landless rural workers in Brazil and their struggles for access to law and justice. In: GHAI, Yash; COTTRELL, Jill. (Orgs). Marginalized

communities and access do justice. New York: Routledge, 2010. Entrevista realizada em 15.12.2007.

265 Entrevista com Armando Perez, em 10.07.09. 266 Entrevista com João Souza, em 03.09.09. 267 Entrevista com Rafael Macedo, em 12.12.10

espaços urbanos ou rurais, como latifúndios que descumprem a função social, prédios públicos, órgãos do poder judiciário e rodovias; enquanto as marchas se realizam ao longo de rodovias ou em trechos dentro das cidades.

b) Contato e articulação com parlamentares

O contato e a articulação com o poder legislativo, por meio de seus parlamentares, constitui-se em uma estratégia comumente adotada tanto pelos movimentos quanto por seus advogados. Deputados ou senadores considerados simpatizantes da causa da luta pela reforma agrária, são vistos como fortes aliados a contribuir tanto na mediação dos conflitos possessórios quanto na sensibilização dos agentes dos poderes executivo e judiciário.

c) Campanha de Cartas

A campanha de cartas é uma das estratégias que vem sendo utilizada nos últimos anos. Realizam-se especialmente quando alguma decisão judicial importante (no âmbito penal ou cível) está por ser proferida. Na esfera penal, esta campanha tem sido adotada nos casos em que algum militante ou liderança responde a um processo penal ou encontra-se preso. Nesse caso, uma carta é elaborada em defesa desta pessoa e encaminhada via fax ou

email ao juiz relator do processo a fim de sensibilizar e influenciar a decisão do juiz.

Na esfera cível, a campanha de cartas é utilizada quando famílias que estão ocupando uma área encontram-se em via de serem despejadas pela ação de reintegração de posse movida pelo proprietário, ou ainda para acelerar o processo de desapropriação de determinada área. O objetivo também é o de sensibilizar o juiz quanto à situação das famílias sem-terra e mobilizar as diferentes entidades civis apoiadoras da causa. No caso da desapropriação, a campanha busca pressionar o poder executivo para acelerar o procedimento administrativo.

d) Sensibilização e aproximação com juízes

Tal estratégia busca sensibilizar o magistrado para a questão da luta pela terra, expondo-se a realidade dos fatos (situação da área, das famílias, ou de alguma liderança que

tenha sido presa) a partir da intermediação de alguma personalidade (parlamentar, autoridade pública, bispo) com conhecimento de causa e que seja capaz de convencer ou pelo menos sensibilizar o juiz para a causa em questão.

Um caso emblemático citado por um de nossos entrevistados268 e que serve de ilustração quanto à combinação entre as estratégias foi o da ocupação no ano de 1996, na cidade de Rio Bonito do Iguaçu/Paraná, da Fazenda Giacomet-Marondin, uma área rural de 26 mil hectares. Na época três mil famílias sem-terra ocuparam o imóvel para pressionar sua desapropriação269. Ao longo do conflito pela área, desde a ação de reintegração de posse até o processo de desapropriação realizaram-se várias estratégias: o recurso ao Poder Judiciário; a articulação com parlamentares; a aproximação e sensibilização do juiz da causa (especialmente por meio da atuação destes parlamentares); e o acompanhamento do trabalho do INCRA. Em 1998 a área foi desapropriada assentando cerca de 1500 famílias. Hoje é considerado um assentamento modelo, transformando o cenário da região e desenvolvendo a economia do município270.

Percebe-se, pelo exposto, que a estratégia de combinar a estratégia jurídica com a mobilização política está consolidada na prática diária de movimentos sociais e advogados populares, especialmente porque tem mostrado resultados favoráveis à luta dos movimentos de luta pela terra.