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DIFERENCIAÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS JURÍDICAS

A teoria jurídica contemporânea vem difundindo e consolidando a distinção entre princípios e regras.

A discussão sobre os princípios jurídicos surgiu em 1967 com o famoso artigo escrito por Ronald Dworkin, intitulado “O Direito é um sistema de regras?”, que pretendeu impugnar a teoria desenvolvida por Herbert L. A. Hart.

Atualmente, dois são os grandes grupos de autores que diferenciam os princípios de regras jurídicas. No primeiro grupo encontram-se os autores que

44 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 14ª ed. São Paulo.

Malheiros Editores. 2002, p. 808.

45 BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária. São Paulo, Revista dos Tribunais-EDUC,

propõem uma distinção meramente gradual entre estas normas jurídicas, como Josef Esser e Claus-Wilhelm Canaris, e o segundo grupo, cujos principais representantes são Robert Alexy e Ronald Dworkin, que sugerem uma diferenciação lógica e estrutural.

A primeira corrente sustenta que os princípios são normas portadoras de elevado grau de abstração e generalidade, uma vez que se destinam a um número indeterminado de situações e pessoas, exigindo, desta forma, uma aplicação influenciada por um também elevado grau de subjetividade do aplicador. As regras, por sua vez, denotam um pouco ou nenhum grau de abstração e generalidade, porque se destinam a um número determinado ou quase determinado de situações, bem como a um número determinado de pessoas. Portanto, sua aplicação será feita com pouca ou nenhuma influência de subjetividade do aplicador.

A partir dessa concepção doutrinária é que se origina a afirmação de que os princípios são os alicerces, as vigas mestras ou valores do ordenamento jurídico. Dela advém, também, a idéia de que os princípios veiculam valores, o que não ocorre com as regras.

Humberto Ávila46, ao analisar as considerações feitas por este corrente, sustenta que a distinção apresentada é fraca, uma vez, que nesta perspectiva, “os princípios e as regras têm as mesmas propriedades, embora em graus diferentes – enquanto que os princípios são mais indeterminados, as regras são menos”.

A segunda corrente, por sua vez, sustenta que os princípios são normas que se caracterizam por serem aplicadas mediante a ponderação de outras e por poderem ser realizados em vários graus, contrariamente às regras, que estabelecem em sua hipótese definitivamente aquilo que é obrigatório, permitido ou proibido, e que, por isso, exigem uma aplicação mediante subsunção.

Diante desta perspectiva doutrinária, os princípios são diferentes das regras à medida que divergem no modo de sua aplicação e como são solucionadas as antinomias que surgem entre eles.

Quanto ao modo de aplicação os princípios diferenciam-se das regras porque estas estabelecem mandamentos definitivos e são aplicadas mediante subsunção (ocorrido o antecedente da norma jurídica, deve ser o consequente), enquanto que os princípios estabelecem deveres provisórios e, portanto, permitem que haja

46 ÁVILA, Humberto Bergmann. A teoria dos princípios e o Direito Tributário. Revista dialética de

ponderação por parte do aplicador da norma jurídica que deverá atribuir peso aos princípios diante dos casos concretos.

Quanto ao modo de solução de antinomias, o conflito entre as regras ocorre no plano abstrato, é necessário e implica declaração de invalidade de uma delas, caso não seja aberta exceção; enquanto que o conflito envolvendo princípios ocorre sempre no plano concreto, é contingente e não implica na declaração de invalidade de um deles, apenas a aplicação de um em prevalência para com o outro (no plano eficacial apenas) de acordo com uma regra estabelecida.

E é de Humberto Ávila47 a conclusão a respeito do enfoque dado acerca da análise feita pela corrente doutrinária que estabelece uma diferenciação não meramente gradual, mas lógica e estrutural.

Entende o autor que a distinção perpetrada por esta corrente doutrinária é forte na medida em que “os princípios e as regras não têm as mesmas propriedades, mas qualidades diferentes; enquanto que as regras instituem deveres definitivos (deveres que não podem ser superados por razões contrárias) e são aplicadas por meio de subsunção (exame de correspondência entre o conceito normativo e o conceito material fático), os princípios estabelecem deveres provisórios (deveres que podem ser superados por razões contrárias) e são aplicados mediante ponderação (sopesamento concreto entre razões colidentes com atribuição de peso maior a uma delas); enquanto o conflito de regras é abstrato (abstratamente concebível já no plano abstrato), necessário (é inevitável caso não seja aberta uma exceção), e situado no plano de validade (o conflito resolve-se com a decretação de invalidade de uma das normas regras envolvidas), a antinomia entre os princípios é concreta (só ocorre diante de determinadas circunstâncias concretas), contingente (pode ou não ocorrer) e situada no plano da eficácia (ambos os princípios mantêm a validade após o conflito)”.

Diante das elucidações mencionadas podemos utilizar o conceito empregado por Humberto Ávila48 para distinguir princípio de regra:

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação demandam uma avaliação da correlação entre o estado

47 ÁVILA, Humberto Bergmann. A teoria dos princípios e o Direito Tributário. Revista dialética de

direito tributário 125, Fevereiro 2006, p. 37.

48 ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª ed. São Paulo: Malheiros. 2004. p. 70.

de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.

[...]

As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação exigem a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhe são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.

Humberto Ávila49 sugere, no entanto, nova classificação, uma vez que a

diferenciação perpetrada por ambas as correntes não alcançam todas as normas jurídicas veiculadas pela Constituição Federal.

Para o autor, os princípios diferenciam-se das regras em função da natureza/comportamento, em função da natureza da justificação exigida e, ainda, da natureza da contribuição para a decisão. Expliquemos.

Afirma que, quanto à natureza da descrição/comportamento, as regras diferenciam-se dos princípios, visto que estas (regras) “descrevem comportamentos ou poderes para atingir fins”, enquanto que os “princípios descrevem fins cuja realização depende de efeitos decorrentes da adoção de comportamento”. O que, ao nosso sentir, quer significar que as regras são os meios para atingir os fins (princípios).

Quanto à natureza da justificação exigida, “as regras exigem um exame de correspondência entre o conceito da norma e o conceito do fato, sempre com a verificação da manutenção ou realização das finalidades sub- e sobrejacentes”, enquanto que “os princípios exigem uma compatibilidade entre os efeitos da conduta e a realização gradual ao fim”.

Quanto à natureza da contribuição para a decisão, afirma que a diferença entre regras e princípios reside no fato de que as primeiras (regras) têm pretensão terminativa, e os princípios, pretensão complementar. Isto porque as regras trazem consigo aplicabilidade imediata, enquanto que os princípios, como fins que são, devem ser sopesados antes de sua aplicação.

Por fim, sugere uma terceira categoria de normas jurídicas: os postulados normativos aplicativos, que se caracterizam por serem normas de segundo grau,

49 ÁVILA, Humberto Bergmann. Segurança jurídica na tributação e estado de direito, Princípios e regras e a segurança jurídica..São Paulo: Noeses. 2005. p. 259.

porque estruturam a aplicação de outras normas, como ocorre, por exemplo, com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Os postulados normativos estabelecem os critérios de aplicação dos princípios e regras, ou seja, atuam sobre outras normas.

Contudo, os postulados normativos diferenciam-se dos princípios e regras, uma vez que funcionam de modo diverso e não atuam no mesmo nível que os princípios e regras. Enquanto princípios e regras são normas objeto de outras, os postulados são normas que orientam a aplicação de outras. Também, diferenciam- se os postulados quanto a seus destinatários, porquanto princípios e regras dirigem- se ao Poder Público e aos contribuintes e os postulados são frontalmente dirigidos ao intérprete e ao aplicador do Direito. Por fim, diferenciam-se no modo como se relacionam com outras normas. Os princípios e regras, justamente por atuarem no mesmo nível, implicam-se reciprocamente, quer de modo preliminarmente complementar (princípios), quer no modo preliminarmente decisivo (regras). Já os postulados, por estarem num metanível, orientam a aplicação dos princípios e das regras sem que haja conflito com outras normas.

Optamos por empregar neste trabalho a diferenciação conceitual defendida pela segunda corrente, a desenvolvida por Alexy e Dworkin, pois consideramos que os seus conceitos proporcionam ao utente do direito recursos úteis para a aplicação, de forma objetiva e clara tanto dos princípios quanto das regras.

Descartamos a aplicação dos postulados normativos, implementados por Humberto Ávila, não porque refutamos sua existência, mas porque entendemos tratarem-se de critérios subjetivos e, portanto, que dependem única e exclusivamente de cada intérprete. O doutrinador ou aplicador do direito poderá eleger qual norma será aplicada para a solução de determinada situação baseando- se em seus valores pessoais, portanto, a escolha da norma será feita mediante critério subjetivo, o que não pode ser controlado pelo sistema jurídico.