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CAPÍTULO 5: OS MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO

5.2. Modos de organização

5.2.2. Diferenciando os Modos de organização Descritivo e Narrativo

O Modo de organização descritivo se assemelha e, até se confunde, ao modo narrativo, constituindo uma imbricação. No entanto, cada um tem suas

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especificidades. Como explica Charaudeau b, p. , um texto pode se inscrever no modo de organização descritivo, enquanto em seu conjunto, possui outra finalidade além de uma pura descrição . Além disso, diferenciar os modos descritivo e narrativo por meio de marcas linguísticas pode não ser um critério confiável para caracterizar um texto, já que tal diferenciação dependerá da situação de comunicação.

O termo descritivo é utilizado por Charaudeau (2009) para definir um procedimento discursivo. O modo descritivo está para as qualificações do relato, enquanto o narrativo está para as suas funções do relato:

[...] descrever está estreitamente ligado a contar, pois as ações só têm sentido em relação às identidades e às qualificações de seus actantes. Não é a mesma coisa dizer: O leão salvou o camundongo , e dizer: O pequeno camundongo salvou o leão, o rei dos animais ; aliás, todas as fábulas que contam como um personagem se livra de uma situação perigosa com a ajuda de um artifício só podem ser compreendidas na medida em que um dos personagens é identificado e qualificado como forte e ameaçador [o lobo, por exemplo] e o outro, como frágil e ameaçado, mas esperto [a raposa]. (CHARAUDEAU, 2009, p. 111–112).

Os componentes de uma construção descritiva são: nomear, localizar/situar e qualificar. Nomear significa fazer com o que os seres existam no mundo a partir de classificações dadas em função das semelhanças e diferenças na comparação com outros seres. Localizar/situar é determinar o espaço e o tempo que o ser ocupa, e está diretamente relacionado com o componente nomear, já que suas características também são dependentes da sua posição espaço-temporal. Qualificar, para o referido teórico, é atribuir particularidades, é algo mais específico e singular do que nomear.

Qualificar é, então, uma atividade que permite ao sujeito falante manifestar o seu imaginário, individual e/ou coletivo, imaginário da construção e da apropriação do mundo [outros dirão predação ] num jogo de conflito entre as visões normativas impostas pelos consensos sociais e as visões próprias ao sujeito. (CHARAUDEAU, 2009, p. 116).

Ao construir o mundo de maneira subjetiva, o sujeito descreve os seres e seus comportamentos a partir de seu ponto de vista, que não é necessariamente verificável.

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O universo assim construído é relativo ao imaginário pessoal do sujeito (CHARAUDEAU, 2009, p. 125). Dessa forma, o princípio da localização fornece pontos de referência à organização da trama narrativa que diz respeito à localização da sequência no tempo e no espaço e à caracterização dos participantes. Resumindo:

• O descritivo pode ser combinado com o narrativo e o argumentativo no âmbito de um mesmo texto;

• Um texto pode ser organizado de maneira descritiva, ora em parte, ora em sua totalidade;

• O descritivo é um modo de organização que pode intervir tanto em textos literários quanto em textos não-literários.

Já o Modo de organização narrativo, apresenta algumas peculiaridades, decorrentes das diferentes formas de se entender o termo narrar. Charaudeau (2009) indo além da definição do dicionário ou da definição de que o narrar seria o enumerar/mostrar uma sequência de fatos ou acontecimentos, nos apresenta o termo como

[...] uma atividade linguageira cujo desenvolvimento implica uma série de tensões e até mesmo de contradições [...] é também construir um universo de representações das ações humanas por meio de um duplo imaginário baseado em dois tipos de crenças que dizem respeito ao mundo, ao ser humano e à verdade. (CHARAUDEAU, 2009, p. 154).

O Modo narrativo é um dos componentes da narrativa. Enquanto a narrativa é uma totalidade, o modo narrativo é uma forma de organizar tal totalidade, mas pode também aparecer em gêneros de discursos de forma não predominante. Um exemplo é o uso da narração em gêneros tipicamente argumentativos, como uma defesa no Tribunal do Júri.

A organização descritiva do mundo pode ser taxionômica, classificando os seres do universo. De um lado, pode ser descontínua, sem ligação necessária entre seres e propriedades e, de outro, pode ser aberta, sem início ou fim necessários. Já o Modo narrativo organiza o mundo de forma sucessiva e contínua, num encadeamento progressivo, com início, meio e fim (CHARAUDEAU, 2009).

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O narrativo caracteriza-se pela construção de uma sucessão de ações, que deve ser delimitada em seu princípio e fim para haver coerência. Essa sucessão é motivada pela intenção do sujeito, que elabora um projeto de fazer e tenta conduzi-lo bem (CHARAUDEAU, 2009, p. 168).

É necessário não confundir gênero textual e modo de organização do discurso. Não se trata de elaborar uma tipologia dos textos narrativos, mas de colocar em evidência os componentes e os procedimentos de um modo de organização cuja combinação deve permitir compreender melhor as múltiplas significações de um texto particular.

Os principais componentes da estrutura narrativa são os actantes, sujeitos da narrativa que desempenham papéis relacionados às ações das quais dependem; os processos, que determinam as relações entre os actantes e suas devidas funções; e as sequências, que associam os actantes e os processos em uma finalidade narrativa segundo princípios de organização.

No corpus de análise, procuramos identificar quais são os actantes principais, quais papéis são desempenhados por eles e, quais são suas principais ações. Os processos e sequências não foram analisados sistematicamente, por não serem o objetivo principal traçado por nós. Sendo assim, nosso foco estará na categoria de actantes.

Na etapa de análise do corpus, verificaremos como os processos descritivo e narrativo colaboram para a sustentação da imagem de Getúlio Vargas que Alzira desejou criar no imaginário social daquela época (1960) e na posteridade. Evidentemente, em um relato, descrição e narração estão intimamente ligadas, porém, por uma questão metodológica, consideraremos as especificidades de cada um desses modos, exemplificando-os com fragmentos do corpus.

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