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CAPÍTULO 6: A TEORIA ETÓTICA

IV. O ethos no âmbito da Análise do Discurso

No âmbito da AD, que também vem resgatando conceitos clássicos, principalmente as noções de ethos e de pathos vêm sendo muito exploradas, por exemplo, por Charaudeau (2008), Maingueneau (2005 e 2008) e Amossy (2008).

Em relação ao conceito de ethos, cumpre observar que, além de a noção clássica ter sido resgatada por esses analistas do discurso, resgatada também foi a discussão clássica sobre o entendimento dessa noção: são comuns hoje as expressões ethos construído e pré-construído (CHARAUDEAU, 2008), ethos discursivo e imagem prévia (AMOSSY, 2005), ethos discursivo e ethos prévio (MANGUENEAU, 2008).

6.8. O ethos para Patrick Charaudeau

Modernamente, a AD inscreve o ethos no ato da enunciação, isto é, no dizer do locutor. Dessa forma, muitos analistas do discurso consideram que o ethos está relacionado ao momento da enunciação, ou na aparência do discurso, na ação linguageira do sujeito locutor. Charaudeau, no entanto, em relação à polêmica clássica sobre a natureza do ethos assim se posiciona:

143 De fato, o ethos, enquanto imagem que se liga àquele que fala, não é uma propriedade exclusiva dele; ele é antes de tudo a imagem de que se transveste o interlocutor a partir daquilo que diz. O ethos relaciona-se ao cruzamento de olhares: do olhar do outro sobre aquele que fala, olhar daquele que fala sobre a maneira como ele pensa que o outro vê. Ora, para construir a imagem do sujeito que fala, esse outro se apoia ao mesmo tempo nos dados preexistentes ao discurso – o que ele sabe a priori do locutor – e nos dados trazidos pelo próprio ato de linguagem. (CHARAUDEAU, 2008, p.115 – grifos nossos).

Assim explica Charaudeau sua posição: a interação do ethos pré-construído e do ethos construído está inserida no discurso e se volta para a questão da identidade do sujeito. Consequentemente, a identidade do sujeito se desdobra em dois componentes: um primeiro componente no qual o sujeito se apresenta com sua identidade social, atribuindo-lhe a palavra, legitimando o interlocutor de acordo com seu estatuto e papel que lhes são reconhecidos pela situação de comunicação. E um segundo componente no qual o sujeito cria, para si mesmo, uma identidade discursiva presa ao ato de comunicação, atribuindo-lhe papéis e estratégias que deverão ser seguidos nessa situação de comunicação. Ou seja, a situação de comunicação obriga o locutor a assumir determinados papéis na enunciação, para, dessa forma, se projetar positivamente para o seu auditório.

A partir daí, o sujeito passa a se mostrar pelo olhar do outro com suas próprias características psicológicas e sociais e, por sua vez, mostra também sua identidade discursiva construída por ele, no momento da enunciação. O resultado da junção dessas identidades é o que forma o ethos.

No entanto, para esse autor, o ethos não é plenamente consciente, boa parcela dele não o é. Também a compreensão do interlocutor [ouvinte/leitor] nem sempre coincide com o que o locutor quis expressar. Ou seja, o interlocutor pode construir um ethos que não é exatamente o que o locutor deseja, como acontece muitas vezes na política. Completando suas ponderações, diz Charaudeau:

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O ethos encontra-se no centro desse paradoxo que sustenta a

filosofia contemporânea, que, mesmo sabendo que o sujeito não é um [Nietzsche], que ele é dividido [Lacan], quer fazer como se fosse ele fosse de fato um todo. Trata-se de uma concepção idealizada da existência do sujeito, que pode ser aplicada ao sujeito do discurso e que [é a nossa hipótese] guia a comunicação social na qual se constrói o ethos. (CHARAUDEAU, 2008, p.116).

6.9. O ethos para Ruth Amossy

Ruth Amossy, em sua conceituação do ethos, integra pontos de vista sobre a autoridade e a credibilidade de um orador que se originam da retórica clássica, da pragmática e da Sociologia. Com base nestes três campos teóricos ela apresenta um modelo que tenta conciliar as duas perspectivas já muito exploradas e bem conhecidas do ethos retórico: como uma linguagem relacionada com a construção discursiva e como uma posição institucional: o ethos discursivo e o ethos prévio (Amossy, 2005). Baseando-se nos modelos apresentados por Perelman e Olbrechts-Tyteca, Amossy articula a análise do discurso com a argumentação, e também retoma a noção de doxa em relação ao ethos.

6.10. O ethos para Dominique Maingueneau

O conceito de ethos aristotélico é também atualizado por Maingueneau (2008): enquanto Aristóteles o concebeu pensando em um dos seus genera causarum, o discurso jurídico oral, Maingueneau o revisita, considerando-o em diversas situações discursivas atuais.

Maingueneau, embora adote a ideia aristotélica de que o ethos é construído na instância do discurso, diferentemente de Aristóteles considera que não existe um ethos preestabelecido81. Segundo o esquema proposto por esse autor, o ethos

compõe-se de duas partes: o ethos pré-discursivo, que é a imagem do orador construída pelo ouvinte antes do início do discurso e o ethos discursivo, que, por sua

81 Como se viu, Aristóteles considera a existência e o valor de um ethos preestabelecido, só que esse é

externo à retórica. No nosso entendimento, provas não retóricas e provas retóricas podem participar de um mesmo discurso.

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vez, compreende o ethos dito [as referências diretas do enunciador] e o ethos mostrado [não explícito, conferido pelas pistas deixadas pelo enunciador]. Como não há uma clara separação entre o explícito e o não explícito, há uma relação mútua entre esses.

Na base do seu modelo estão também os estereótipos82, por meio dos quais o

ouvinte [coenunciador] se vale da doxa para atribuir características ao enunciador. Como se pode verificar, é grande o investimento da AD no conceito clássico de ethos. Embora os autores apresentem, cada um, suas especificidades, percebe-se que seus pontos de vista convergem em diversos aspectos e têm a retórica clássica por referência.

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