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Diferentes formas e estratégias de restauração ecológica

2.1 Restauração de rios

2.1.3 Diferentes formas e estratégias de restauração ecológica

Restauração inclui uma ampla variedade de ações e medidas destinadas a facilitar o fluxo dos rios, e a recuperar o equilíbrio dinâmico e funções em um estado auto-sustentável. O primeiro passo e o mais difícil em implementar a restauração é, onde for possível, eliminar atividades antropogênicas causadoras de degradação ou que impeçam a recuperação do ecossistema.

As ações de restauração podem variar de uma abordagem passiva que abrange remover ou atenuar atividades danosas crônicas para restauração ativa, que envolve intervenção e instalação de medidas para recuperar danos estruturais do curso do rio.

Praticantes de restauração de rios exercem uma das três abordagens básicas de restauração:

i. não-intervenção e recuperação sem alteração: onde o curso do rio é recuperado rapidamente, e a restauração ativa é desnecessária;

ii. intervenção parcial para recuperação assistida: onde o curso do rio é recuperado, mas de forma lenta ou incerta. Nesses casos, ações devem facilitar processos naturais já em andamento;

iii. intervenção sustentável para a recuperação gerenciada: onde a recuperação das funções desejadas está além da capacidade de o próprio ecossistema se recuperar naturalmente e são necessárias medidas de restauração ativa.

A restauração passiva pode envolver uma ampla variedade de ajustamentos às atividades humanas numa bacia (KAUFFMAN et al., 1997 apud WISSMAR e BESCHTA, 1998). Por exemplo, pode incluir redução na erosão terrestre acelerada; aumentar a largura de faixas de terra com florestas ao longo das margens do curso d’água; eliminar o pasto ou alterar estratégias de pasto, acabar com o lixo industrial causador da poluição na água, e outros. Esses autores enfatizam que a restauração passiva não é apenas o primeiro passo na restauração, mas é, tipicamente, o mais importante. Além disso, acrescentam que seria preciso bastante tempo para os processos naturais e dinâmicos restaurarem as funções do ecossistema antes de iniciar atividades alternativas.

Seguindo a implementação da restauração passiva, é possível que um sistema ripário degradado não se recupere (permaneça em estado de ecossistema em desequilíbrio) ou se transforme em outro estado de ecossistema que difere daqueles sistemas naturais. Isso pode ocorrer onde um ecossistema ripário atravessa uma ou mais fronteiras ecológicas durante o processo de degradação para um estado onde a recuperação natural poderá não ser mais possível.

No entanto, acrescentam os autores que, para alcançar uma restauração ecológica em algumas situações, é necessária a intervenção ou restauração ativa. Os exemplos de esforços de restauração ativa podem incluir: a remoção de espécies não nativas; reintrodução antecipada de espécies em extinção; restabelecimento de regime natural de fluxo a jusante de barragens similar ao fluxo natural; implementação de silvicultura ripária que acelera o desenvolvimento de florestas ripárias e remoção ou alteração de estruturas não naturais que contribuem para degradação. A meta da restauração ativa é criar condições para ocorrer os processos naturais hidrológicos, geomorfológicos e bióticos.

Alguns dos novos conceitos da engenharia ambiental voltada para a restauração ou recuperação de rios envolvem, indispensavelmente, a perspectiva da paisagem de ecossistemas ripários que revela como esses são sempre dependentes de outros ecossistemas. Entende-se, contudo, o ecossistema ripário como uma área de transição entre o ecossistema terrestre e o aquático ocupando uma posição única na paisagem da bacia hidrográfica. A conectividade biofísica do ecossistema terrestre com o ripário, ao afetar as funções e qualidade do ecossistema aquático, determina a sucessão de caminhos da vegetação ripária natural influenciando as inundações e os armazenamentos d’água no sistema fluvial (GREGORY et al., 1991; GURNELL, 1995 apud WISSMAR e BESCHTA, 1998).

O ecossistema ripário tem sido definido simplesmente como o corredor de vegetação hidrófila que cresce nas margens de riachos ou rios e apresenta um nível de evapotranspiração anual que influencia na hidrologia superficial e subterrânea (NATIONAL RESEARCH

COUNCIL, 1992 apud WISSMAR e BESCHTA, 1998). O termo “mata ripária” é utilizado

por Montovani (apud AZEVEDO, 2000) para definir regiões onde a vegetação de interflúvio é florestal, embora o termo “mata ciliar” seja mais conhecido e adotado pela legislação, para designar a formação florestal hidrófila ribeirinha.

Junto aos conceitos de restauração, é preciso entender como a restauração pode atuar em determinada escala espacial e temporal de cada projeto. As escalas espaciais apresentam uma hierarquia de cinco sub-escalas que vão além do limite local. Cada elemento dentro de uma escala pode ser visto como um ecossistema com ligações com outros ecossistemas. Essas ligações são o que faz o ambiente externo dos ecossistemas ser tão importante para seu próprio funcionamento como seu ambiente interno (ODUM, 1989 apud FISRWG, 2001).

As cinco escalas espaciais apresentadas no trabalho da FISRWG (2001) são: i) a escala regional (área geográfica com macroclima e esfera de atividades humanas em comum); ii) a escala de paisagem (incluindo a escala da bacia hidrográfica); iii) a escala ao longo do curso do rio (área com um conjunto de elementos como as florestas ripárias ou os gramados;

desenvolvimento urbano; ilhas no canal fluvial, etc.); iv) a escala do rio (área próxima ao canal fluvial incluindo seus próprios elementos e suas planícies) e v) a escala mínima do rio (riachos, pequenos cursos d´água de ordens inferiores).

De certo modo, a hierarquia temporal é paralela à hierarquia espacial. Ainda, neste trabalho da FISRWG (2001), esclarece-se que assim como uma escala global ou regional é geralmente muito grande para ser relevante na maioria das iniciativas de restauração, planejar em escalas de tempo muito amplas não se revela muito prático. Em geral, os trabalhos de restauração são, geralmente, descritos em período temporal que varia de anos para décadas.

Acrescenta-se nesse trabalho acima citado, que a mudança do uso da terra na bacia hidrográfica com o tempo é, por exemplo, um dos fatores que podem causar alterações no curso do rio. Isso ocorre em muitas escalas de tempo, desde um único ano (rotação de cultivo agrícola), para décadas (urbanização), para séculos (gestão em longo prazo de florestas). No entanto, ressalta-se que os praticantes da restauração poderão necessitar planejar simultaneamente em múltiplas escalas de tempo. Por isso, não se deve fixar as condições como elas estão na conclusão de uma restauração, visto que o comportamento dinâmico do ecossistema irá, muito provavelmente, sobreviver à revelia do tempo.

Em algumas situações, ao se constatar a necessidade de uma intervenção ou restauração ativa, pode-se adotar alternativas relacionadas à engenharia ambiental que ressaltam as ações por meio de obras hidráulicas amigáveis à natureza, de modo a facilitar a recuperação do ecossistema cujos limites e possibilidades serão analisados no próximo item. 2.1.3.2 Limites e possibilidades da engenharia ambiental na restauração de rios

A Engenharia Ambiental tem apresentado alguns limites e possibilidades de se restaurarem cursos de rios, apresentando algumas alternativas de recomposição de rios impactados, que tiveram as condições naturais alteradas por obras realizadas em seu leito ou em suas áreas marginais. Essas alternativas podem ser realizadas, mesmo com as restrições impostas no meio rural/agrícola e urbano.

Nos países desenvolvidos, há cerca de 40 anos, a estratégia da Engenharia Hidráulica e Fluvial mantinha a adoção de ações no sentido de retificar o leito dos rios e córregos, direcionando suas vazões para jusante pelo caminho mais curto e com a maior velocidade de escoamento possível. Os objetivos principais dessa estratégia eram ganhar novas terras para a agricultura, ampliar vias de transportes, criar novas áreas para urbanização, minimizar os efeitos das cheias, entre outros.

As conseqüências dessa estratégia não foram avaliadas com muita prudência ou não foram muito previsíveis. A variedade da biota foi reduzida drasticamente e as cheias e desequilíbrios ecológicos causaram prejuízos, muitas vezes incalculáveis. A tecnologia mais utilizada era a de transformar os rios em leitos com perfil regular, muitas vezes com margens revestidas. Contudo, as implicações ambientais não foram consideradas prioritárias.

As ocupações nas áreas urbanas e agrícolas reduziram o leito maior dos rios e diminuíram as áreas de retenção de enchentes. Por conseqüência, a redução do comprimento do rio e a uniformização da seção de vazão aumentam a velocidade da corrente, a erosão e o assoreamento a jusante, exigindo altos investimentos na manutenção do leito do rio retificado. Com o rompimento da interação natural entre rio e planície, ocorrem o empobrecimento dos ecossistemas e a perda da biodiversidade.

A equipe de cooperação técnica entre a Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro - SEMA e o Departamento Estadual de Recursos Hídricos da Baviera – Alemanha (BINDER, 1998) apresentou alguns aspectos do planejamento da renaturalização de rios que podem ser observados em experiências na Europa e em de outras partes do mundo. Para a fase do diagnóstico e dos objetivos, por exemplo, os técnicos chamam a atenção para avaliar a situação dos rios e seu entorno, assim como, definir os objetivos específicos da restauração e comparar a situação atual com a situação pretendida, observando as condições ecológicas da área ribeirinha. Propõe-se então um cenário onde as áreas agrícolas ou urbanizadas sejam desocupadas, conforme legislação vigente, para que sejam restabelecidas as condições naturais do curso do rio.

Ainda na fase da avaliação da situação atual, são analisados os usos e direitos de uso definidos na legislação específica, que muitas vezes são adversas às condições requeridas pela recuperação ecológica das áreas. Se na realidade os direitos de uso não puderem ser alterados, isso provocará restrições ao processo natural do rio e de sua paisagem.

Um dos objetivos da restauração é recuperar o funcionamento do ecossistema típico de águas correntes, por meio de: aplicação de obras hidráulicas adaptadas à natureza que regenere o mais próximo possível a biota natural, através do manejo regular do ecossistema; conservação e recuperação das planícies de inundação, onde for possível, procurando impedir usos que inviabilizem essa função.

Essas idéias recentemente discutidas na gestão ambiental em muitos países da Europa integram a concepção para restauração de rios norteando os planos específicos. As

possibilidades de preservar, conservar e renaturalizar os leitos dos rios, as zonas marginais e as planícies inundáveis, com objetivos ambientais, sem colocar em risco as zonas urbanas e vias de transporte, e sem causar desvantagens para a população e para os proprietários das áreas vizinhas, devem estar em consonância com os planos municipais de urbanização, com os planos regionais da agricultura, planos regionais de paisagismo, como também com os programas de proteção da biota e de espécies em perigo de extinção.

É importante enfatizar que a suspensão do uso agrícola em determinadas áreas para a recuperação de faixas marginais de proteção e a substituição de obras hidráulicas tradicionais por métodos de engenharia ambiental permitem a reconstrução de várias estruturas morfológicas fluviais, proporcionando o aumento de biótipos. Essas estruturas podem ser consideradas como sistemas naturais funcionais quando não poluídos, e quando tiverem a capacidade natural de modificar seu leito e curso sem interferências antrópicas.

Essa capacidade natural prevê principalmente: o fluxo contínuo das águas e do material transportado, bem como, da mobilidade e condições naturais do fundo do leito (dinâmica do fundo); a mobilidade e condições naturais das margens (dinâmica das margens); e as condições naturais para inundação, relacionada ao uso adequado das planícies inundáveis (dinâmica das zonas inundáveis).

Em geral, quanto mais áreas puderem ser restituídas ao sistema do rio, maiores serão as possibilidades de renaturalização. Muitas vezes, essas áreas poderão ser transformadas em parques municipais, florestas nacionais, área de proteção ambiental, ou outras áreas que tenham respaldo legal para a sua delimitação territorial e de modo a oferecer melhor qualidade de vida à população local.