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Dificuldades regulatórias do dever de diligência

No documento romulogorettivillaverde (páginas 75-77)

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA

6.3 DEVER DE DILIGÊNCIA

6.3.1 Dificuldades regulatórias do dever de diligência

Como teoricamente citado, as sociedades empresárias também podem ser divididas em agrupamentos distintos de atores marcados por serem locais ou globais, havendo substanciais diferenças na forma com que atuam e na relação delas com o capital. Por essa razão, uma crítica importante, já exposta em outro momento, diz respeito à forma com que os

Guiding Principles on Business and Human Rights tratam os mais diferentes atores

corporativos (business enterprises). O documento demonstra a ambição de ser aplicado uniformemente às mais diferentes empresas, querendo servir "a todos os Estados e empresas, tanto transnacionais quanto outras, independentemente de seu tamanho, setor, localização, posse e estrutura”59 (GP, 2011, p. 1, tradução nossa).

Essa ambição, contudo, é extremamente desarrazoada, pois ignora de forma pungente estruturas abissais de poder entre os próprios agentes corporativos, os quais se diferenciam substancialmente na ordem econômica. Tanto é que uma infinidade de atividades empresárias se organiza em estruturas organizativas simples e pequenas, prescindindo de qualquer instrumento jurídico complexo para ser reguladas. Essas atividades configuram-se no cotidiano localizado, são facilmente identificadas e delimitadas à realidade do local, em espaços confinados, de ruas, bairros e cidades. Portanto, há diferenças intransponíveis entre sociedades individualizadas de atuação local simplória e as globalizadas TNCs.

Querer homogeneizar o tratamento dado a atores inseridos em lógicas, sobretudo econômicas, completamente distintas, é um exercício de perpetuação de injustiças. Fato é que, a título de exemplo, o direito societário tradicionalmente regulado não se compatibiliza com o os grupos societários, mas ele se mantém, ainda, como fonte normativa idônea às empresas isoladas. São diferenças como essas que agravam qualquer pretensão de se homogeneizar a matéria empresarial, figurada por entes jurídicos substancialmente diferentes.60

Assim, o dever de diligência aqui trabalhado pode ser um instrumento essencial aos grupos societários, na incipiência regulatória da desconsideração da personalidade jurídica, mas pode ser completamente inoperável para sociedades empresárias individuais, isoladas, pequenas ou de simples organização. Nesse sentido, o termo due dilligence é substancializado enquanto um padrão de conduta, protagonizando deveres sobre ações e

59 Texto original: […] to all States and to all business enterprises, both transnational and others, regardless of

their size, sector, location, ownership and structure.

60 Relembram-se as considerações sobre a categoria jurídica da personalidade jurídica que, em paralelismo à natureza humana, torna-se artificialmente absoluta sem questionar sua pretensão e suas particularidades em diferenciações necessárias da categoria humana.

omissões que envolvem as atividades empresárias. Entretanto, podendo estar associado a um processo de gestão contínuo de prevenção e remediação de danos, o dever de diligência pode se tornar custoso, de difícil implementação e sem exigibilidade jurídica.

O dever de diligência, assim, aplica-se contrariamente às atividades que podem estar atreladas a desvios sérios de conduta, envolvendo negligência ou imprudência, com riscos de causar sérios danos de difícil reparação (NEGRI; VILLA VERDE, 2018). Tais danos levam a outra dificuldade, que é, justamente, atrelar o dever de diligência a planos de monitoramento voltados aos riscos específicos de cada atividade empresária.

Entre gestão de risco e padrões de conduta existem diferenças que não são atentadas pelo termo due diligence, na compreensão dos GPs, o que gera dificuldades no alcance e nos objetivos do mecanismo. Muitas críticas, assim, referem-se à instrumentalização formalista do due diligence, por meio de planos ou normativas que, por simples implantação, poderiam manter a limitação de responsabilidade de matrizes, mesmo sem qualquer relevo substancial na efetivação desses mecanismos.

Assim, o instituto perderia sua essência ao não servir efetivamente às vítimas de sérios danos e violações de direitos humanos. O due diligence, sempre que aproximado à responsabilidade subjetiva, pautada na culpa, perde sua força enquanto instrumento de superação da limitação de responsabilidade, porquanto favorece a separação de condutas entre dois agentes fortemente interligados. Qualquer análise de conduta, como evidenciado, pode esconder o real âmbito unitário dos grupos, havendo inúmeras estratégias de manutenção da aparente fragmentação entre sociedades empresárias. Uma delas é, simplesmente, implementar certas normativas que exigem padrões de conduta, mas que não são exigidos ou fortemente controlados por sociedades hierarquicamente superiores (NEGRI; VILLA VERDE, 2018).

Salienta-se que o due diligence não é um mecanismo que cria uma nova forma de responsabilidade da empresa plurissocietária, ele é mais um mecanismo que visa superar a limitação da responsabilidade em casos específicos. Outra confusão comum é atrelar o due

diligence, utilizado no âmbito interno de sociedades empresárias enquanto gestão de riscos e o

termo na sua compreensão em matéria de Direitos Humanos e empresas. Neste último caso, não há que se falar nos riscos da atividade empresária, mas sim na aplicação do conceito na defesa de direitos fundamentais que poderão ser solapados.

Mesmo fugindo ao debate para não ampliar ainda mais o presente estudo, as formas de acesso aos meios que ensejam reparação, para vítimas de sérios danos ocasionados por TNCs, inserem-se nessa escalada de fragmentação institucional para se atrair

investimentos. Países, sobretudo os ditos subdesenvolvidos – carentes de investimentos para se manter ativos dentro dos parâmetros econômicos globais –, facilitam o recebimento de atividades empresárias de altos riscos, as quais perseguem ordenamentos jurídicos fracos, ineficazes, com altos índices de corrupção institucional, dificultando qualquer pretensão de ressarcimento às vítimas.

A abertura de subsidiárias também envolve, em diversos ordenamentos, incentivos ficais e financeiros, sendo mais uma razão para a dispersão dessa forma lucrativa de organização societária (SKINNER, 2015, p. 10). Entretanto, a despeito desses benefícios, a separação legal entre sociedades de um agrupamento unitário se mantém, mesmo havendo constantes benefícios advindos dessas relações.

Cabe dizer, fatalmente, que a forma estratégica de atuação das TNCs compreende a manutenção de um verdadeiro mecanismo de irresponsabilidade, através de limitações patrimoniais (underfunded subsidiaries). Beneficiam-se matrizes de grandes empresas transnacionais, que sustentam um poder global, erigido de forma a dar livre trânsito ao capital e barrar pretensões ressarcitórias de vítimas de sérias violações de direitos humanos.

Fato é que, como ficará mais bem elucidado, o sistema de Due Diligence em Direitos Humanos, segue o voluntarismo da Responsabilidade Social Corporativa, dentro do direito brando (soft law), ideia muito presente nos princípios orientadores citados. Afirma-se que tal dever de diligência "tem sido estruturado com base em recomendações de adesão voluntária por parte das sociedades empresárias" (NEGRI; VILLA VERDE, 2018, p. 7). Ou seja, integra a própria política interna de regulação das TNCs, atendendo a padrões corporativos de governança.

Portanto, um sistema centrado em instâncias voluntárias de implementação sofre com a falta de mecanismos coercitivos que venham, de fato, impor medidas preventivas de violações de direitos humanos. É importante refletir, então, na importância de se buscar um modelo que alcance níveis de exigibilidade e aplicação forçada (enforcemment) a partir de relações entre Estados e agentes corporativos (SHUTTER, 2012).

No documento romulogorettivillaverde (páginas 75-77)