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IMPERÍCIA DA TÉCNICA JURÍDICA BRASILEIRA

No documento romulogorettivillaverde (páginas 36-39)

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA

3.4 IMPERÍCIA DA TÉCNICA JURÍDICA BRASILEIRA

Os grupos societários no Brasil foram expressamente previstos, à maneira dos grupos de direito, por meio da Lei de Sociedades por Ações, de 1976, uma década após a matéria ter sido regrada no ordenamento alemão (1965). Contudo, mesmo sendo pioneiro em importar a abordagem dualística da matéria, entre grupos de fato e de direito, o modelo brasileiro fracassou, atestando uma verdadeira incapacidade de regulação da disciplina societária agrupada.

Inicialmente, a referida lei mostrava-se limitada ao abordar os vieses do poder de controle, restringindo-se às hipóteses de participações societárias de capital para a formação dos grupos, tanto fáticos como os de direito. Replicando a mesma compreensão interna de controle, a partir da hegemonia decisória em assembleias e conselhos administrativos de sociedades controladas. Tal concepção já apresenta um déficit em absorver as concentrações visadas pelos grupos, a partir de mecanismos diretivos sem qualquer expediente de natureza proprietária ou por meio de formas externas de controle, como vínculos contratuais (MUNHOZ, 2002).

Estranhamente, os grupos de direito no Brasil já careciam de estar formados faticamente. Pois, eles nasciam do registro público de um contrato formal, legalmente exigindo uma convenção entre sociedades controladas e controladoras.29 O estranhamento se

dá em razão de, ao contrário da disciplina alemã, não haver qualquer expediente que determine a necessidade de se afastar os cânones societários tradicionais em prol do grupo, mantendo-se a autonomia jurídica dos entes agrupados. Há apenas um formalismo de ordem

27 Adianta-se que alguns mecanismos de superação da limitação de responsabilidade de sociedades autônomas dos grupos societários dependem, justamente, do envolvimento que matrizes mantinham com suas subsidiárias. Portanto, há uma estratégia em dosar a autonomia e o controle mantidos entre às sociedades agrupadas com esse escopo, evadindo responsabilidade, mantendo-se a sua limitação.

28 Os países de língua inglesa denominam as mais diversas empresas-filhas de "subsidiaries", sentido que foi utilizado no caso. Mas cumpre ressaltar que, no Brasil, o termo subsidiária é utilizado apenas para referir-se ao fenômeno das subsidiárias integrais, e não como a sociedade que é controlada por outra.

jurídica que reconhece a realidade do agrupamento societário, sem conceder personalidade30 à

concentração de entes corporativos, mantendo-se, igualmente, os tradicionais instrumentos de controle para sua configuração. Ou seja, o modelo brasileiro não conseguiu absorver nem mesmo a natureza contratual dos grupos de direito, que poderiam ser mantidos em coesão econômica através de aspectos volitivos deliberados.

Mantém-se no ordenamento jurídico brasileiro o direcionamento de total subordinação de sociedades controladas a um vértice hierárquico, com interesses econômicos dominantes. Portanto, ignora-se, na disciplina pátria, confirmadamente, qualquer ambição por mais remota que fosse, de se manter a autonomia jurídica dos entes autônomos, mais uma vez solapada pela supremacia de interesses econômicos do fenômeno plurissocietário.

A excepcional quebra da autonomia da personalidade jurídica para cumprir com interesses alheios ao objeto social do ente autônomo, em prol do grupo de direito, já era algo naturalizado pelo legislador brasileiro na sua compreensão dos grupos fáticos. Ou seja, essa excepcionalidade, grande justificativa para o surgimento dos grupos de direito, dando um aspecto legal à supressão da autonomia da personalidade jurídica, não foi confirmada na disciplina nacional. Mantiveram-se, por aqui, unidades juridicamente autônomas, com uma coesão econômica completamente subordinada e dada por meio de instrumentos internos de controle. A disciplina brasileira dos grupos de direito se resumiu por completo a um formalismo sem qualquer auxílio prático.

Os grupos de fato seguem, então, o aspecto substancial que apresentam, a partir da materialização de variados instrumentos dominantes de coesão econômica, em sua maioria de controle,31 submetidos ao direito societário comum. Mas, em qualquer caso, para manterem- se os cânones societários, "[…] a sociedade-mãe apenas poderá fazer uso do controlo e influência no quadro das filiais no respeito das competências soberanas dos órgãos sociais e dos interesses próprios destas […]" (ANTUNES, 2013, p.85). Tal, faticamente, não ocorre.

Há um esquecimento dos limites à supressão da autonomia da personalidade jurídica no âmbito de matrizes que dirigem os grupos societários. Assim sendo, não há qualquer consagração de barreiras legais às decisões das sociedades controladoras32 sobre o

30 Essa disposição está expressa na Lei n. 6.404, de 1976, que, pelo artigo 266, é clara ao rejeitar a criação de uma nova pessoa jurídica: "As relações entre as sociedades, a estrutura administrativa do grupo e a coordenação ou subordinação dos administradores das sociedades filiadas serão estabelecidas na convenção do grupo, mas cada sociedade conservará personalidade e patrimônios distintos" (LEI das SAS… 266).

31 Sobre o poder de controle e os grupos de fato no Brasil, Fábio Konder Comparato explica que, como o poder de dominação entre sociedades está pautado na propriedade de ações, a lei ignorou por completo outras formas de controle, são exemplos o controle administrativo e controle externo (COMPARATO, 1978).

32 A título de exemplo, Vinícius de Paula Michel, em um artigo intitulado “União de sociedades: controle, coligação, grupo e o papel das holdings na estruturação societária”, comenta que "o controlador será aquele que

objeto social de sociedades controladas, o que gera uma eficiência econômica indubitável dos grupos fáticos.

Já em fase de transição para o próximo capítulo, o qual versará sobre a natureza líquida dos grupos de empresas, expressos pelas TNCs, objeto central deste estudo, deixa-se claro que toda a matéria da empresa plurissocietária está intimamente relacionada com o viés da responsabilidade. Todavia, foram propositalmente omitidos maiores detalhes sobre esse conhecimento a fim de concentrar, adiante, toda a sistemática do grande dilema do direito societário grupal.

detiver a maioria dos votos em assembleia e, efetivamente, valer-se desta condição para impor os destinos sociais" (DE PAULA, 2012, p. 359). Tal afirmativa não deverá ser considerada absoluta, sendo que o próprio objeto social impõe limites ao poder de controle, além do mais, existem inúmeros aspectos legais.

4 EMPRESAS LÍQUIDAS

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