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I DADE : 11 ANOS

4.2 D Graziela e D Roberta

4.2.4 Dilemas e perspectivas da educação escolar

Nossas duas depoentes expõem seus dilemas e perspectivas proporcionadas pela educação escolar, seja pela falta ou pela possibilidade de outros caminhos por intermédio do capital escolar ou capital cultural institucionalizado adquirido, conforme denominação de Bourdieu (1998c, 2003c, 2005).

O que constamos nesses relatos é que, enquanto D. Graziela informa que seus dilemas são globais, uma vez que não teve dilemas no que tange a educação de seus filhos, mas pensa como ativista que foi na juventude, nos problemas que as crianças e jovens imigrantes indocumentados enfrentam no cotidiano da metrópole. Por outro lado, D. Roberta nos apresenta os dilemas presentes em sua vida, sobretudo no que concerne a educação escolar de seus filhos.

Não tive problemas com meus filhos, não...Eles estudaram na época que não negavam a educação, e depois eles se regularizaram rápido. Não teve problemas. Como eu disse... Na época não tinha muitos...Era mais fácil. Agora...O problema que nós vemos é difícil...É serio porque eles chegam e não podem estudar...Podem, mas estudam com medo né?!... Porque daqui a pouco vem a polícia e manda embora...Aí também tem o problema que eles estudam mas não recebem o diploma...Eu sei que fica preso. Eles não tem documento...Estudam com o documento do pai...Da mãe... Mas aí né?! Eles não recebem o documento de escolar. Como vão conseguir um emprego...Eles estão sem documento nacional e sem documento da escola. Para quem chega agora é muito difícil mesmo. O pior é que não podemos fazer muita coisa...O que vamos fazer? Não dá

pra muita coisa..Tem que esperar a lei... Como outras que tiveram né?! (D.

Graziela)

D. Roberta nos informa que seu dilema maior é a não possibilidade de seu filho mais velho continuar os estudos, à medida que a escola não fornece o certificado de conclusão do Ensino Fundamental e Médio porque ele não possui documento de regularização no território nacional. Dessa maneira, só consegue alguns trabalhos temporários ou que não exigem documentos para a execução da atividade produtiva.

Não estão obedecendo...Não estão obedecendo. Se eles realmente desse um...um...Lançasse o benefício da escolaridade das crianças. Por causa que qualquer nacionalidade que fosse...Entendeu? Por isso que estou falando... É o caso do meu filho. Ele não está estudando porque não tem documento. Meu filho está esperando uma anistia. Ele terminou o colégio...Mas não pode prosseguir os estudos...Curso técnico...Ou outro curso...Universitário..Precisa ter documentos....Documentos de regularização aqui né?! Se eu vou sair para pedir agora um acordo ....familiar...Eu vou gastar quase dois mil e oitocentos reais para tirar o documento dele....E eu não estou em condições de pagar. Que eles baixassem um pouquinho a taxa, pois eu preciso que meu filho estude... Agora... Os outros estão estudando ainda...Um está no colégio e o outro...Nas séries iniciais...Só que o mais velho tem que dar continuidade de estudo. Não está conseguindo fazer nenhum...Nenhum vestibulinho. Particularmente nada...Tá ainda parado...Procurando assim um serviço para nos ajudar...Alguma coisa...Lógico que ele faz alguns serviços né?! Mas não pode arrumar um trabalho mesmo...Só isso...Só isso... (D. Roberta)

Nesse ponto, a nossa colaboradora D. Roberta nos explica que seus filhos já estão adaptados a tal ponto no Brasil, que não pretendem retornar à Bolívia, querem sim continuar no Brasil, prosseguir seus estudos e se fixar regularmente. Ela explica que poderia enviar seu filho mais velho à Bolívia para graduar-se em Nível Superior, todavia, a preocupação com ele enquanto estivesse estudando seria pior do que vê-lo sem estudar aqui em São Paulo.

Os meus filhos não pretendem....Não pretendem voltar. Sabem o que acontece lá... Claro que para mim essa é...Uma coisa muito clara para mim...Mas poderia mandar meu filho agora estudar lá...Eu gasto trezentos reais mensais com sua....Com sua educação universitária, né?! Porque aqui eu estaria pagando muito mais. Mas a preocupação minha...Gastaria muito mais que mil...Mil e quinhentos reais. Pensando como está meu filho. Está comendo, bebendo...Está bem...As vezes passa alguma coisa.... Vou mandar alguma coisa...O que eu faço? Então....A preocupação mata a gente....Não dá para mandar né?! Isso...Porque eu falo isso...Porque enquanto eles a ...Eles permitiram que meus filhos tivessem

escola...Agora já saiu Tem grau de escolaridade...Então....Tem que abrir para mim a porta para um pouquinho mais maior. Entendeu? É difícil! Sabemos... Mas tudo bem...Que ele precisa de documentação. Está certo. Por isso que ainda eu viajei para a Bolívia...Eu regularizei suas...suas...Os históricos deles. Ele trouxe de lá legalizado. Eu fiz a...tradução aqui...Para apresentar na...No colégio. Que eles já tinham feito a ... série que correspondia aqui. Aí eles concordaram para poder matricular eles. Aí esse pequeno problema agora que estou tropeçando, né?! (D. Roberta)

Contudo, D. Roberta no informa que há uma perspectiva de solução para a incógnita que paira sobre o futuro de seus filhos, uma vez que seu irmão formado em Meteorologia, reside no Canadá legalmente, e informou-a que há espaço produtivo para pessoas jovens e, que se ela conseguisse proporcionar uma formação técnica de Nível Médio para seus filhos, poderia mandá-los àquele país a fim de tivessem perspectiva melhores para o futuro. Deixa evidente que a perspectiva para o futuro não é sua, e sim de seus filhos. Sua lida diária é em função do bem-estar de seus filhos, para que consigam o mesmo volume de capital cultural e capital escolar que seus pais proporcionaram a ela e também a seus irmãos.

Também tem uma esperança...Eu estou esperando uma ajuda de meu irmão que está em Canadá. Ele me falou: - Roberta! O mercado de trabalho aqui...Está bom para gente jovem. O que...Que posso trabalhar lá...Posso trabalhar de babá. Posso trabalhar de faxineira, de cozinheira...De qualquer coisa eu posso...Aí ele falou para mim: - Mas o mercado de trabalho já não adianta. O mercado de trabalho está para gente jovem de 20 para...30 anos. Mais para cima não tem perspectiva. Ele disse para eu fazer eles estudarem uma carreira curta...técnica...Para mandar eles. É assim....Posso mandar eles para lá. Eles vão ter uns 20...21 anos. Então...O futuro deles está assim. Tanto aqui ou tanto...fazer eu um esforço e mandar para lá. Então porque ele me falou: - Pode ser...Marceneiro. Pode ser pedreiro, eletricista, mecânico de automóveis. Pode ser...qualquer coisa. Tem...muito...muito mais...Bem melhor...Bem melhor. Se não for lá, aqui vai dar para virar...Vai conseguir uma porta, né?! Então...Só isso que eu quero para eles. Que outra ambição a gente vai ter? Não temos mais nada. Não temos....É sobreviver...Eu quero dar para meus filhos o que meus pais deram para mim: Tudo! Eu não sofri nada. Eu não pensei o que ia estudar. Com que dinheiro agora...eu ia pagar as coisas. Eu não estava nem aí...Quando talvez minha mãe estava passando aquilo que eu estou passando agora.Então...É isso o que eu quero....É que meus filhos se formem. Estudem... Tenham algo. Então...É só o que interessa para mim...mais nada. (D. Roberta)

O que nos fica revelado nesses depoimentos, é abandono do Estado à lógica do mercado de “[...] camadas inteiras da sociedade, em especial aquelas que, privadas de

todos os recursos: econômico, cultural ou político; dependem completamente dele para chegar ao exercício efetivo da cidadania”. (Bourdieu, 2003a, p. 168)

Assim constatamos nesses relatos, os dilemas ocasionados pela falácia dos governos e de suas Leis no que concerne a aplicação e efetividade dessas nos espaços mais desprovidos de capital cultural, econômico e social da população, ou seja, nos espaços periféricos no qual concentram-se no caso em questão, os imigrantes bolivianos, sobretudo os indocumentados, uma vez que a matrícula nas escolas do estado de São Paulo para as crianças e jovens indocumentados pode ser efetivada. Contudo, a violência simbólica ocorrente no espaço escolar continua existente, sobretudo ao constatarmos que, quando o imigrante indocumentado conclui os ciclos de estudo, o certificado de conclusão lhe é negado.