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3. Outras abreviaturas

3.2. O significado esponsal do corpo e o celibato pelo Reino dos Céus

3.2.1. O Celibato pelo Reino dos Céus na teologia do corpo

3.2.1.2. Dimensão Cristológica

No que se refere à dimensão cristológica do celibato, São João Paulo II apresenta-a na sua novidade em relação à tradição veterotestamentária. Nenhuma das grandes personagens do Antigo Testamento afirma o celibato como caminho e resposta a Deus579. Desde o princípio, com Abraão, a promessa é a da fecundidade (Gn 17, 4.6-7), e vemos como no livro dos Juízes, a filha de Jefté pede a seu pai para poder chorar a sua virgindade (Jz 11, 37-39). Apenas em Jeremias aparece a referência ao seu próprio celibato servindo de sinal ao povo que era infiel e infecundo, porque desprezava a Aliança (Jr 16.1-4). Com o pronunciamento de Mc 12, 18-27, Jesus declara a virgindade e o celibato como uma realidade nova, preconizada em primeiro lugar por Ele mesmo, afastando-se desse modo da tradição da antiga aliança580.

577 «Aquele não se desposar escatológico será um "estado", isto é, o modo próprio e fundamental da

existência dos seres humanos, homens e mulheres, nos seus corpos glorificados. A continência pelo Reino dos Céus, como fruto de uma escolha carismática, é uma excepção em relação ao outro estado, isto é, aquele em que o homem participa "desde o princípio" e se mantém participante no decurso de toda a existência terrena» (

TDC 73: 4, 428-429, AUPD, 333).

578 «A continência voluntária antecipa o estado em que nós todos entraremos após a ressurreição dos

corpos. Por esta razão, ela tem esta função de sinal: testemunha que o Reino de Deus não é apenas uma realidade futura, que chegará no último dia, mas é já uma realidade actual, visto que em matéria de sexualidade o homem [que optou pelo celibato] já vive o mistério do Reino em plenitude, tanto quanto é permitido ao ser de carne que ele é. É este o sentido do celibato para Cristo, e aqueles que desejam caminhar no seguimento de Cristo devem dar o mesmo significado ao seu celibato pessoal» (P. GRELOT, La coppia umana nella Sacra Scriptura (Milão: Vita e Pensiero, 1987) 87. Cf. J. P. PIMENTEL, Glorificai a Deus no vosso corpo, 297).

579 Cf. TDC 74: 2-3, 431-432; AUPD, 334-335.

580 «Quando Cristo falava daqueles que «se fizeram eunucos pelo Reino dos Céus», os discípulos eram

capazes de compreendê-lo apenas com base no seu exemplo pessoal. Essa continência deve ter-se imprimido na sua consciência como um traço particular de semelhança com Cristo, que tinha ficado, Ele próprio, celibatário "pelo Reino dos Céus". O afastamento da tradição da Antiga Aliança, em que o matrimónio e a fecundidade procriativa «no corpo» eram uma condição religiosamente privilegiada, deveria efectuar-se, sobretudo, com base no próprio exemplo de Cristo» (TDC 75: 4, 438; AUPD 338-339).

105 A experiência da virgindade ou do celibato pelo Reino dos Céus é, em primeiro lugar, uma opção realizada por Cristo. Todos aqueles que optam por este «estado» de vida fazem- no no Seu seguimento radical581, pela imitação do Esposo, que é Cristo no caso do varão, ou no caso da mulher como Sua esposa figurando a Igreja, nunca perdendo o sentido desta doação de si, a qual é realizada por amor582.

É precisamente esta referência esponsal a Cristo que se torna como que o fundamento para o celibato. João Paulo Pimentel, referindo-se às pessoas célibes, afirma: «A pessoa entende que, assim, se identifica com Cristo de um modo particular e contribui para tornar presente o dinamismo da redenção do mundo através do seu próprio corpo»583. Isto significa que: «Só se pode encontrar o sentido do celibato cristão a partir da luz que procede do mistério pascal, desde a entrega da vida ao sacrifício da morte, que se abre ao dom da ressurreição e à fecundidade da vida eterna»584. Por isso, o celibato é e tem de assumir sempre uma grandeza cristológica e ser cristologicamente dimensionado.

Outro conteúdo essencial desta similitude com Cristo está relacionado com a filiação operada plenamente em Jesus. Como já referimos, citando São João Paulo II, o homem e a mulher naquele princípio beatificante de que fala o primeiro ciclo das catequeses surgem primeiramente como irmãos e só depois como esposos. Aquela solidão original de que fala o livro do Génesis é referida primeiramente pela dependência absoluta do Homem em relação a Deus585. «A solidão original do homem não encontra descanso nas outras criaturas em seu

581«O original significado esponsal do corpo humano contém, junto ao matrimónio, outro significado:

o celibato que agora Cristo revela como um novo dom de Deus» (J. M. GRANADOS TEMES, La iluminación

recíproca del matrimónio y el celibato por el Reino de los Cielos en la Teología del cuerpo de Juan Pablo II,

188).

582«A continência «pelo Reino dos Céus», a escolha da virgindade ou do celibato para toda a vida

tornou-se, na experiência dos discípulos e dos seguidores de Cristo, um acto de resposta particular ao amor do Esposo Divino. Por conseguinte, adquiriu o significado de um acto de amor esponsal, isto é, de uma doação esponsal de si, a fim de retribuir, de modo particular, o amor esponsal do Redentor; uma doação de si, entendida como renúncia, mas feita, sobretudo, por amor» (TDC 80: 1, 459; AUPD, 353).

583 J. P. PIMENTEL, Glorificai a Deus no vosso corpo, 300. Cf. TDC 76: 3, 441; AUPD, 340. 584 J. M. GRANADOS TEMES, La iluminación recíproca del matrimonio y el celibato por el Reino

de los Cielos en la Teología del cuerpo de Juan Pablo II, 186.

585 «O Filho de Deus existiu desde toda a eternidade e o seu ser consiste na pura relação filial com o

Pai. A encarnação não muda esta identidade filial. Pelo contrário, o corpo de Cristo expressa a sua eterna filiação dentro dos limites da existência humana concreta. Percebemos como este modelo se revela adequado quando recordamos que o corpo humano tem em si mesmo um significado filial, na medida da sua abertura a Deus. O corpo de Cristo toma esta abertura natural e transforma-a em expressão de amor filial cheia da sua comunhão com o Pai. O corpo de Cristo é total relação com o Pai e está impregnado do mesmo amor que une Pai e Filho.

106 redor. E isso porque o Homem, ao contrário dos animais, é parceiro do absoluto, o qual é o verdadeiro início e o verdadeiro fim da existência humana»586. Quem se faz célibe pelo Reino dos Céus, respondendo ao chamamento de Cristo, declara a sua absoluta dependência do amor do Pai, declarando com o seu corpo que só o amor de Deus preenche verdadeiramente o coração do Homem587.