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3. Outras abreviaturas

3.2. O significado esponsal do corpo e o celibato pelo Reino dos Céus

3.2.1. O Celibato pelo Reino dos Céus na teologia do corpo

3.2.1.3. Dimensão Eclesiológica

A dimensão eclesiológica do celibato está relacionada em São João Paulo II com o carácter testemunhal que ele possui e que revela o carácter sobrenatural da Igreja. Este carácter de testemunho liga-se estreitamente à índole missionária da Igreja.

«O celibato cristão tem antes de mais um enorme valor testemunhal e missionário: é sinal do Reino, anúncio de uma existência totalmente dirigida à vinda de Cristo; antecipação do estado escatológico; carrega em si uma orientação para centrar-se exclusiva e completamente em Deus (Lc 10, 41; 12, 31)»588.

O corpo daquele que se consagra testemunha ainda de forma paradoxal, «o triunfo da vida sobre a morte»589, pois a renúncia é realizada por um amor maior590. Apesar de renunciar ao matrimónio e à procriação591, aquele que se consagra não nega nem o significado esponsal do corpo nem o significado procriador, reafirmando o seu valor e a sua plena realização, quer pelo dom desinteressado de si mesmo quer pela paternidade espiritual592.

[...] Cristo, como recordámos, comunica a plenitude da filiação na nossa carne. Mas a filiação, vemo-la agora, é a própria essência da vida» (C. ANDERSON - J. GRANADOS, Criados para o amor, 194).

586 C. ANDERSON - J. GRANADOS, Criados para o amor, 194.

587 «A pessoa consagrada, por sua vez, é chamada a participar, através do seu corpo, na revelação da

filiação de Deus. Poderíamos dizer que a virgindade consagrada é o dom e a tarefa de manifestar a verdadeira face da solidão original, a qual é verdadeiramente a face da Filiação. O corpo dos consagrados destina-se a ser sinal da primazia do amor do Pai» (C. ANDERSON - J. GRANADOS, Criados para o amor, 209).

588 J. M. GRANADOS TEMES, La iluminación recíproca del matrimonio y el celibato por el Reino

de los Cielos en la Teología del cuerpo de Juan Pablo II, 193.

589 Cf. C. ANDERSON - J. GRANADOS, Criados para o amor, 194.

590 «Deste modo, a continência "pelo Reino dos Céus", a opção pela virgindade ou pelo celibato para

toda a vida, tornou-se, na experiência dos discípulos e dos seguidores de Cristo, o acto de uma resposta

particular ao amor do Esposo Divino e, por conseguinte, adquiriu o significado de um acto de amor esponsal:

isto é, de uma doação esponsal de si, a fim de retribuir, de modo particular, o amor esponsal do Redentor; uma doação de si entendida como renúncia, mas feita sobretudo por amor» (TDC 79: 9, 458; AUPD, 352).

591 Cf. J. P. PIMENTEL, Glorificai a Deus no vosso corpo, 295.

592 Referindo-se à paternidade espiritual «o adjectivo “espiritual” não se refere a uma qualquer

oposição à matéria mas sim à transfiguração do corpo no espírito» (C. ANDERSON - J. GRANADOS, Criados

107 Para que esta realidade do celibato pelo Reino dos Céus se realize neste mundo é necessária a liberdade do Homem, de modo a corresponder de forma voluntária a este chamamento593. «No celibato cristão são essenciais a dimensão carismática ou pneumatológica e a dimensão vocacional. É um dom ou carisma, uma vocação, livremente escolhida e sustentada pela graça divina»594. Esta liberdade é uma afirmação daquela teologia do dom, pois muito mais do que uma renuncia ao matrimónio é uma resposta ao amor de Deus, numa vida arrebatada por este amor, envolta na doação do próprio Deus595.

Ao comentar o entendimento de São João Paulo II acerca da virgindade consagrada, Mary Shivanandan dá o exemplo da Virgem Maria e com o seu exemplo clarifica vários aspectos da virgindade e do celibato596.

Maria, a sempre virgem, é exemplo quer da adesão voluntária à vontade de Deus pela unidade da sua vida com Cristo, quer do facto de que seu corpo é sinal escatológico, reflectindo desde sempre o mistério da redenção e da ressurreição na sua fecundidade espiritual. Mary Shivanandan afirma, referindo-se a Mulieris Dignitatem: «Todos os seres humanos, homens ou mulheres, são na Igreja a “esposa” de Cristo, desta forma a dimensão feminina torna-se símbolo de tudo o que é humano»597. Este matrimónio espiritual, é referido

593 «Por um lado, que seja consciente dessa possibilidade de doação total, dado que ela se encontra

inscrita no seu ser. Em segundo lugar, a pessoa que renuncia ao matrimónio pelo Reino dos Céus não só não deverá negar o valor essencial do matrimónio, como deverá entender que a “continência serve indirectamente para sublinhar aquilo que, na vocação conjugal, é mais perene e mais profundamente pessoal”» (J. P. PIMENTEL, Glorificai a Deus no vosso corpo, 290).

594 J. M. GRANADOS TEMES, La iluminación recíproca del matrimonio y el celibato por el Reino

de los Cielos en la Teología del cuerpo de Juan Pablo II, 193.

595 «O celibato cristão não é imposto pela força, nem obedece a razões humanas. Pelo contrário, é

voluntário e sobrenatural. É a renúncia a algo bom, um sacrifício custoso. Não se aceita por desprezo do matrimónio, nem por um afã de auto-anulação maniqueu, mas sim por amor. É um dom e ao mesmo tempo uma resposta livre ao Amor primeiro. Supõe vivermos completamente arrebatados pela totalidade de um amor maior, envoltos na plenitude da doação do Deus único, que supera toda a forma humana de afecto, sublimando-a na caridade Divina» (J. M. GRANADOS TEMES, La iluminación recíproca del matrimonio y el celibato por el

Reino de los Cielos en la Teología del cuerpo de Juan Pablo II, 189).

596 «Maria é também modelo de virgindade pelo Reino dos Céus, o que é uma inovação trazida pela

incarnação e é um "sinal da esperança escatológica". A virgindade não pode ser entendida sem a referência ao amor esponsal. "A mulher, diz João Paulo II, 'é casada' por meio do sacramento do matrimónio ou espiritualmente por meio do matrimónio com Cristo". Como o matrimónio com Cristo envolve o "dom sincero da pessoa", tem lugar em ambas as vocações. A maternidade espiritual é uma essencial componente da virgindade. [...] Assim como o amor esponsal envolve uma abertura à paternidade, o amor esponsal da esposa virgem de Cristo expressa ela mesma uma abertura a cada e todas as pessoas» (M. SHIVANANDAN, Crossing

the threshold of love, 160-161). Neste excerto, Mary Shivanandan cita São João Paulo II na sua encíclica:

IOANNES PAULUS PP. II, Adhortatio Apostolica Redemptoris custos, n. 7, in AAS 82 (1990) 12-14. Cf. MD, n. 25.

108 no antigo testamento entre Deus e o seu povo e no novo testamento é apresentado na relação de Cristo com a Igreja. Quando o matrimónio espiritual é referido no âmbito da relação pessoal com Deus, a alma é referida por alguns autores como esposa de Cristo598.