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Caldas e Veras (2012) afirmam que, embora a di- mensão cronológica não se configure como um domínio satisfatório para compreender a complexidade que emer- ge do processo de envelhecimento, vale sinalizar que esse marcador pode fornecer dados relevantes para a imple- mentação de políticas públicas de atenção aos idosos, bem como auxiliar substancialmente o gerenciamento dos ser- viços que os assistem, aprimorando, assim, os dispositivos que operacionalizam os processos de cuidado desse seg- mento populacional que cresce vertiginosamente.

Em 2018, a Pesquisa Nacional por Amostra de Do- micílios (PNAD) Contínua – Características dos Mora- dores e Domicílios, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apresentou novos dados em relação ao perfil demográfico do Brasil, corroboran- do o progressivo envelhecimento da população brasileira, o que também indica um cenário desafiador para agenda política nas próximas décadas em virtude de uma nova distribuição etária que inflexiona para um novo ordena- mento da composição populacional.

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Nessa direção, o número de idosos no Brasil che- gou à casa dos 30.275.000 pessoas com idade igual ou superior a 60 anos em 2017, sendo 13.331.000 homens e 16.645.000 mulheres, ao passo que, em 2016, a população etária brasileira era composta por 29.566.000 idosos e 28.499.000, em 2015, (IBGE, 2018), evidenciando o nítido envelhecimento populacional que, gradativa e efetiva- mente, se instala como fenômeno da sociedade brasileira. A categoria idade consiste em um sinalizador, que se materializa meramente como um demarcador de cará- ter referencial no processo de envelhecimento, ou seja, o fator etário assume a condição de uma variável que emer- ge apenas sob um viés cronológico bem delimitado, o que nos obriga a considerar que, a depender dos padrões e das mudanças comportamentais, acerca de uma determinada ordem, essa categoria de natureza cronológica possivel- mente não se consubstancializa de modo satisfatório para todos atores sociais (DUARTE, 1999).

A dimensão cronológica do envelhecimento, em- bora não possa ser entendida como uma categoria que condense satisfatoriamente os processos biopsicossociais que envolvem o envelhecer, nos possibilita pensar a cro- nologia como um fator de elaboração, planejamento e im- plementação de políticas públicas para a população idosa em um determinado território, destacando aspectos sani- tários, sociais e culturais que, indubitavelmente, se rever- beram como marcadores de qualidade de vida, o que nos leva a pensar acerca de outras dimensões do envelhecer, apresentadas na sequência.

De certa forma, isso se justifica tendo em vista que, pensar sumariamente o processo de envelhecimento sob a égide da dimensão cronológica, “é perder a oportunidade de descrever os processos por meio dos quais o envelheci- mento se transforma em um problema que ganha expres- são e legitimidade, no campo das preocupações sociais do momento” (DEBERT, 2012, p. 12), e bem como afirmam Ca- marano e Pasinato (2004, p. 05), “assumir que a idade cro- nológica é o critério universal de classificação para a ca- tegoria idoso é correr o risco de afirmar que indivíduos de diferentes lugares e diferentes épocas são homogêneos”, de modo a obnubilar aspectos idiossincráticos, sociais e culturais perante os diversos processos de envelhecimento.

Simone de Beauvoir (2018), em sua clássica obra A velhice, na qual apresenta a condição dos velhos france-

ses, retrata a velhice a partir de diversas sociedades histó- ricas. Perpassando pela mitologia grega e pela literatura chinesa, pontua alguns aspectos da cultura judaica sobre a velhice e expõe as representações sobre os idosos na orga- nização social dos tempos medievais, chegando até a épo- ca da estrutura e engendramento da sociedade moderna no que concerne aos idosos e ao gerenciamento da velhice.

Assim, de acordo com Beauvoir (2018, p. 94), até o século XIX, a velhice estava associada às classes sociais mais abastadas, de modo que não se podia conceber e nem mesmo fazer menção à ideia de “idosos pobres”, ten- do em vista que a longevidade estava circunscritamente direcionada às pessoas que pertenciam às classes privile-

giadas. Os idosos não-ricos que, minoritariamente, che- gavam a uma condição decrépita, passavam silenciados pela história, endossando a ideia de que esses idosos nada representavam para configuração social daquela época.

Nesse sentido, a cronologização da vida não está dissociada dos aspectos econômicos, dado que a idade se configura como um fator que contribui para delimitar a parcela populacional considerada economicamente ati- va, uma vez que os sujeitos improdutivos devem ser con- dicionados por dispositivos de segregação, tais como asi- los e hospitais, tendo em vista a preservação da estrutura estatal, bem como sustentar o fortalecimento do Estado (SANTOS; LAGO, 2016).

Na segunda metade do século XX, a partir da dé- cada de 1960, emerge a categoria de terceira idade. É por meio dessa concepção de pensar o envelhecimento, que um novo universo se descortina para os idosos: o evidente potencial consumidor que despontavam para os(as) apo- sentados(as), ao passo que o corpo também se configura como um templo de manutenção de uma vida saudável, que onere cada vez menos o poder estatal, sinalizando que o envelhecer perpassa por uma experiência de ordem privada e de natureza individual (SANTOS; LAGO, 2016).

No contexto brasileiro, já nos anos de 1990, as re- presentações sociais acerca da velhice nos remetem a produções imagéticas a respeito do envelhecimento con- sistentemente vinculado a idosos abandonados em asilos

ou dependentes da ajuda de custo fornecido pela aposen- tadoria. Essas imagens, por sua vez, se imbricam com pro- duções representacionais que encorpam, de modo con- sistente, com a ideia de envelhecimento construída pela noção de terceira idade, ou seja, pela possibilidade de uma ressignificação do envelhecer, uma velhice bem sucedida, materializada nos espaços como as universidades, acade- mias, centros de convivências e lazer (DEBERT, 1999).

A terceira idade, que compreende os idosos com idade entre 60 a 75 anos, diferencia-se da quarta e da quinta idade, que contemplam os idosos entre 75 a 85 anos, e os idosos com idade superior a 85 anos, respec- tivamente. O surgimento dessa categoria que se conven- cionou, na esfera mundial, denominada de Terceira Idade é comumente direcionada aos “idosos jovens”, devido a uma evidente dependência funcional que, frequentemen- te, se acentua no decorrer das últimas idades do curso da vida, e o que dificulta ou mesmo interdita o planejamento de ações sob uma perspectiva de envelhecimento saudá- vel (MINAYO; COIMBRA JUNIOR, 2002; PEIXOTO, 2000). Por conseguinte, a partir da idade cronológica, em- bora o processo de envelhecimento não se esgote comple- tamente nessa dimensão, convém admitir que a cronologi- zação do curso da vida se configura como um componente basilar para o planejamento de políticas públicas, uma vez que o fator etário cronológico consiste em um “princípio cultural de extrema relevância no moderno aparato jurí- dico-político, que concentra no indivíduo a atribuição de

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direitos e deveres; e no mercado de trabalho, a base da eco- nomia” (MINAYO; COIMBRA JUNIOR, 2002, p. 18.), o que se reverbera também nas demais dimensões da velhice.