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2.2 GOVERNANÇA EM CVN

2.2.4 Dimensão Instrumental da Governança

A dimensão instrumental da governança remete aos mecanismos pelos quais a gestão, organização, regulação e o controle do relacionamento são operacionalizados de maneira a induzir as empresas participantes a comportarem-se da forma desejada para alcançar os objetivos estabelecidos. Essa dimensão envolve mecanismos de coordenação, controle e incentivos (ALBERS, 2005, 2010).

A coordenação das atividades dos membros do arranjo é, sem dúvida, uma das funções básicas de um sistema de governança e pode ser definida como o processo de arranjar ou ajustar as ações dispersas dos componentes individuais de modo que os objetivos estabelecidos no coletivo sejam cumpridos. Com esse propósito, Albers (2005; 2010) apresenta três categorias básicas de mecanismos: a) ajuste mútuo; b) supervisão direta e c) padronização de processos e resultados. Os detalhamentos de tais mecanismos são apresentados a seguir.

O ajuste mútuo é condição essencial para o surgimento do relacionamento e sua manifestação no relacionamento ocorre principalmente por meio da comunicação informal e contínua entre os atores, não existem intervalos e formas de comunicação pré-definidos. Em sua forma mais pura, o ajuste mútuo relaciona-se à definição das atividades que serão realizadas por membros participantes iguais, a sedimentação gradual dos procedimentos e a resolução de

problemas sem a necessidade de autoridade e supervisão sobre as atividades. Em contrapartida, abordagens mais estruturadas para esse mecanismo de coordenação envolvem fóruns institucionalizados ou comitês, os quais dão uma base regular aos processos de comunicação. A partir desses fóruns e comitês, percepções, necessidades e requisitos em relação ao desempenho das atividades de cooperação são discutidos entre os parceiros, de forma pouco custosa (ALBERS, 2005; CASTRO, 2013). Por fim, em relacionamentos menos complexos e com número reduzido de membros, em muitos casos o ajuste mútuo representa o único mecanismo de sustentação (GRANDORI; SODA, 1995).

A supervisão direta é um mecanismo cuja existência implica em hierarquia e relações de autoridade. No contexto das CVNs, a aplicação da noção de supervisão direta implica que a parceria entre os membros da comunidade subordina atividades e decisões a uma autoridade externa, que pode ser representada por uma organização líder ou entidade administrativa criada para este propósito. Dessa forma, a despeito do que ocorre com outros mecanismos de coordenação, a supervisão direta é resultado de negociação entre os parceiros e, uma vez aplicado, significa que os parceiros concordam voluntariamente em utilizar a supervisão direta como dispositivo (ALBERS, 2005, 2010; CASTRO, 2013; GRANDORI; SODA, 1995).

A padronização, por sua vez, consiste na predefinição e codificação de padrões das atividades dos membros e dos resultados a serem alcançados, pois envolve a descrição detalhada, ou planificação, de um único processo de trabalho. Exemplos incluem a normatização do conteúdo das decisões conjuntas, certificação de qualidade, padrões tecnológicos, ações promocionais, entre outros. Já a padronização de resultados consiste na definição dos objetivos que precisam ser alcançados pelo conjunto de atores, individual e coletivamente (ALBERS, 2005, 2010; NASSIMBENI, 1998). Em relação à coordenação feita sob supervisão direta, a coordenação baseada em resultados é mais efetiva em uma ampla variedade de circunstâncias que envolvem incerteza sobre o comportamento (CASTRO, 2013; GRANDORI; SODA, 1995).

O controle é proposto no contexto das relações interorganizacionais para monitorar e avaliar o desempenho dos atores em relação aos resultados e comportamentos esperados com relação aos objetivos definidos pelo e no coletivo (ALBERS, 2005, 2010), já que seus resultados econômicos individuais permanecem independentes. Trata-se de monitorar a interdependência criada entre os membros do relacionamento a partir da sua criação. Exemplos constituem a verificação do nível de adequação do parceiro quanto aos padrões estabelecidos e a identificação de comportamentos oportunistas (ALBERS, 2005; ROTH, 2011).

Para Castro (2013), o controle não envolve a orientação e a influência sobre os atores, tidas como mecanismos de coordenação, mas sim que o processo de monitoramento do desempenho possa influenciar o comportamento dos atores. Para esse autor, monitorar e medir o desempenho basicamente são atitudes que podem ser definidas como a observação e a comparação de um estado atual com um estado pré-definido. Há necessidade, então, de padronizar os resultados (mecanismo de coordenação), de modo a permitir a comparação dos resultados pretendidos com os alcançados pelo ator. Nos casos em que o resultado não pode ser apropriadamente especificado, as medidas de monitoramento e desempenho precisam recorrer ao comportamento dos atores, os quais podem ser tomados como um indicador para avaliar se as tarefas foram realizadas adequadamente (ALBERS, 2005; CASTRO, 2013).

Um outro aspecto consiste na distinção entre controle formal e informal nas relações interorganizacionais. O controle formal ocorre pelo monitoramento do desempenho com base em padrões explícitos e codificados, os quais fornecem a base para comparação dos resultados e comportamentos atuais (DEKKER, 2004; OUCHI, 1979; WALLENBURG; WHU, 2014). Elementos de controle formal estão presentes em maior ou menor grau, dependendo dos níveis de confiança existentes no relacionamento (DAS; TENG, 1998; WOOLTHUIS; HILLEBRAND; NOOTEBOOM, 2005). Já os controles informais estão relacionados aos componentes sociais dos relacionamentos e dizem respeito à combinação de normas e crenças compartilhadas pelo grupo. Nesse caso, a base de comparação é dada em relação à observância de um padrão de comportamento e de resultados socialmente estabelecidos e aceitos como legítimos pelo grupo (CASTRO, 2013; GRANDORI; SODA, 1995; MEYER; ROWAN, 1977; POPPO; ZENGER, 2002; SCOTT, 2008).

Os incentivos ou motivações referem-se ao grau em que certo ator deseja e decide engajar-se em certos comportamentos específicos, sendo influenciados por meio de mecanismos de incentivo ou recompensa, os quais podem prover incentivos materiais, que possuem valores monetários ou podem ser convertidos em valores monetários, ou mesmo imateriais, que estão relacionados à satisfação ou ao ego dos atores (ALBERS, 2005; GRANDORI; SODA, 1995; WEGNER, 2012). Dessa forma, atuando como mecanismo de suporte às funções de coordenação e monitoramento, os instrumentos de incentivo (ou recompensa), como parte integrante de um sistema de governança, têm a função de influenciar o comportamento de um ator para atingir os objetivos do grupo (ALBERS, 2010; CASTRO, 2013).

Instrumentos de salvaguarda, formais ou informais, também podem servir como mecanismo de incentivos na medida em que atuam como instrumentos de defesa,

desencorajando ações oportunistas com a imposição de punição aos atores desordeiros (DYER; SINGH, 1998; JONES; HESTERLY; BORGATTI, 1997). Dentre as punições mais comuns, está a própria exclusão do grupo; outras envolvem o aspecto da reputação em afetar a imagem de um determinado ator (GULATI; NOHRIA; ZAHEER, 2000).

A partir das dimensões de estrutura e instrumentos da governança, é possível estabelecer algumas possíveis configurações que um sistema de governança pode assumir em uma CVN, tendo em vista as diferentes configurações dependendo do nível de utilização dos elementos internos da governança (ALBERS, 2005, 2010) e sua combinação com os modelos de macroestruturas de governança (PROVAN; KENIS, 2007) apresentados.

Essas combinações ocorrem, por exemplo, quando da escolha entre as formas de coordenação ajuste mútuo e supervisão direta. A primeira, com forte relação ao modelo da governança compartilhada em que os atores, por meio do ajuste mútuo, interagem e comunicam-se sobre uma base informal e contínua, sem a necessidade de autoridade e supervisão sobre as atividades. E a segunda, a supervisão direta, que, por sua vez, apresenta relação próxima à centralização da estrutura de governança, pela atuação de uma organização líder assumindo o papel de uma autoridade central, ou pela intervenção de uma entidade administrativa instalada exclusivamente para a proposta de coordenação.

Em um extremo, podem ocorrer sistemas de governança com processos de tomada de decisões altamente participativos, pouca formalização e poucos mecanismos de controle e incentivos. No outro extremo, podem-se encontrar sistemas de governança com processos decisórios centralizados, com alto grau de formalização e com fortes mecanismos de controle e incentivos (WEGNER, 2011). Os dois extremos dos sistemas de governança em relacionamentos interorganizacionais são apresentados na figura 2.

Figura 2 – Sistemas de governança em relações interorganizacionais

Fonte: Adaptado de Wegner (2011)

Ainda conforme Wegner (2011), existem sistemas intermediários de governança com diferentes configurações. Além disso, trata-se de sistemas relativamente estáveis, porém não imutáveis. Como destacado por Provan e Kenis (2007), o crescimento da comunidade em número de participantes ou abrangência geográfica, por exemplo, pode estimular a necessidade de mudanças no seu sistema de governança, sob pena de torná-la ineficiente.

As duas perspectivas de análise da governança em relacionamentos interorganizacionais apresentadas, embora abordem aspectos diferentes, são complementares. A perspectiva de Provan e Kenis (2007) está relacionada às macroestruturas de governança utilizadas, ou seja, as organizações que irão compor o relacionamento têm a opção para escolher pela governança compartilhada, pela governança por intermédio de uma organização líder ou pela governança por meio de uma entidade administrativa externa. Em qualquer uma das situações, e independentemente da macroestrutura de governança selecionada, existe a necessidade de definição dos elementos internos de governança, descritos por Albers (2005, 2010).

Nessa seção, enfatizaram-se as principais contribuições teóricas para o conceito de governança aplicável às CVNs. A próxima seção irá tratar da sua institucionalização.