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DIMENSÃO 3 – MORTALIDADE EM EXPOSIÇÃO

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.3. DIMENSÃO 3 – MORTALIDADE EM EXPOSIÇÃO

Na terceira dimensão, intitulada “Mortalidade em exposição”, é possível notar dois conjuntos de variáveis aparentemente contraditórias (Quadro 14): palavras como

“husband”, “dystrophy”, “muscular”, “mortality”, “exploration”, “intimate”, “controversy”, “decay”, “human” remetem à coleção de fotografias que Sally Mann fez de seu marido,

Larry Mann63, e que buscava documentar as transformações do corpo de seu esposo, que, desde 1997, sofre de uma doença degenerativa que provoca a distrofia progressiva de seus músculos. Essa condição é tão relevante para a interpretação da Dimensão 3 que ambas as palavras “muscular” e “dystrophy” estão entre as que possuem cargas mais elevadas para a dimensão. Em um segundo grupo de variáveis, encontram-se palavras como “work”, “series”, “documentary”, “museum”, “exhibition”, “process”, “spirit64”, “feature”, “contemporary”, “magazine”, “show”, “photographer”, “career”, “subject”, “study”, “display”, “portrait”, “project”, “photography”, “film”, “produce”, que parecem fazer referência ao aspecto profissional da fotografia e da promoção e organização de exposições.

63 Fotografias que resultaram na exposição Proud Flesh (2009) e livro de fotografia homônimo. 64 A variável “spirit” remete ao título da exposição e livro de fotografias “The Flesh and the Spirit”

QUADRO 14 – VARIÁVEIS CARREGADAS NA DIMENSÃO 3 Eigenvalue: 12,09

POLO POSITIVO: (43 VARIÁVEIS)

work (,67); series (,62); husband (,61); documentary (,61); museum (,58); dystrophy (,58); muscular (,58); recent (,56); mortality (,56); exhibition (,53); process (,52); theme (,51); spirit (,50); major (,48); include (,48); gallery (,46); exploration (,46); intimate (,45); exhibit (,45); feature (,44); contemporary (,44); magazine (,43); show (,43); photographer (,43); career (,43); exposure (,42); subject (,41); study (,40); controversy (,39); display (,38); portrait (,38); decay (,38); continue (,38); project (,37); photography (,36); explore (,36); film (,35); interest (,34); several (,32); human (,32); open (,31); produce (,30); minute (,30);

POLO NEGATIVO: (SEM VARIÁVEIS)

Para demonstrar as variáveis carregadas na Dimensão 3 contextualizadas, foram extraídas frases dos cinco textos mais significativos para a dimensão65 e, em negrito, estão as cinco variáveis com maior carga fatorial para a dimensão. Das 43 variáveis que carregaram na Dimensão 3 (Quadro 14), “work”, “series”, “husband”, “documentary” e “museum” foram utilizadas para a contextualização. É possível observar ainda mais exemplos das variáveis contextualizadas no Quadro 15 abaixo e no Apêndice D.

“…the first major international exhibition of Mann’s work engaging with the South.”

“Among the works are portraits of Mann’s husband…”

“In her work, “she’s addressing major themes of aging and mortality …” “…Mann’s controversial and career-jolting series, Immediate Family.” “…intimate photographs of her husband Larry, from the series Proud Flesh…”

“… she had returned to figurative subjects, adding images of her husband and herself to her work.”

“… a short documentary film entitled Sally Mann: Collodion and the Angle of Uncertainty…”

“… photographic works by Mann and an 80-minute documentary film detailing her life and art…”

“A museum show for this new project is in the works, though Mann can’t yet reveal the details.”

“…the state art museum is saluting Mann in blockbuster fashion.”

65 smc_112_mg_on_art_tr_w, smc_295_np_pr_art_ms_w, smc_263_ws_on_art_tr_w,

QUADRO 15 – EXEMPLO DE TEXTO DA DIMENSÃO 3

A aparente contradição entre os dois grupos de variáveis da Dimensão 3 pode ser explicada pela mudança de foco no trabalho de Sally Mann no início da primeira década dos anos 2000, em que, impelida pela morte de sua cachorra de estimação, Eva, a fotógrafa começa a questionar a mortalidade e as perceptíveis mudanças que o passar do tempo e a enfermidade exercem nos seres viventes66. A série de imagens criadas nesse período e que iniciou com imagens dos restos mortais de Eva, resultou na exposição “What Remains” (2004) e na publicação do livro de fotografias homônimo. Nessa exposição, dividida em cinco seções, Mann dedica a abertura, intitulada “Matter Lent” a Eva. As seções seguintes, exibem imagens de corpos em decomposição; da área em sua propriedade em Lexington, VA., na qual um criminoso fugitivo cercado pela polícia se suicidou; dos campos de batalha da Guerra Civil Americana; e, por fim, retratos em close-up de suas duas filhas, Virginia e Jessie, e de seu filho, Emmett, nos quais Sally Mann, utilizando a mesma câmera de grande formato e o mesmo processo de colódio úmido das imagens dos campos de batalha discutidas na Dimensão 2, faz com que os retratos de seus filhos adquiram uma aura onírica, ou fantasmagórica.

As imagens produzidas por Sally Mann, por vezes pertubadoras, não devem

66 A temática da mortalidade e das marcas deixadas pelo tempo também pode ser notada em suas

fotos das paisagens dos campos de batalha, discutidas na Dimensão 2, e parece ser uma marca presente por toda a trajetória da artista até os dias de hoje.

ser vistas como feitas para chocar. Segundo Scott (2016), “elas organizam e esclarecem com sensibilidade as múltiplas crenças de Mann sobre a vida, a morte, o lugar e o passar do tempo”:

“[...] a mensagem mais clara que a sua fotografia transmite é a de que a morte não é o fim abrupto de algo, mas sim parte de um ciclo de metamorfose e criação. Como o título da série What Remains sugere, há algo que ainda existe depois da morte de Eva. Pode-se dizer que seus ossos estão se decompondo; também se pode dizer que uma nova terra está sendo criada. A pele, os ossos e a terra ficam envoltos uns nos outros - literalmente - e acabam por dar origem a uma nova vida. A terra é "a geradora úmida da vida, por quem nós somos um dia devorado".67

A atração de Sally Mann sobre questões inerentes à vida, à morte e à fragilidade dos corpos sucetíveis à ação do tempo e das enfermidades a levou em 2009 a lançar o livro e a exposição “Proud Flesh”68, em que a fotógrafa exibe uma série de nus protagonizados por seu marido Larry Mann, e que visava a retratar a vulnerabilidade e fragilidade de seu corpo, outrora atlético, em face da doença degenerativa que o infligia. Tais imagens causaram grande impacto no mundo da fotografia69, não somente por sua beleza estética e muitas vezes etérea, mas também pelo fato de expor a vulnerabilidade de um nu masculino, fotografado por uma mulher. Fato esse que mesmo nos dias de hoje é infinitamente menos frequente que o oposto: homens fotografando nus femininos. Exemplos das imagens que ilustram a Dimensão 3 podem ser vistos no Anexo 4, no final desta dissertação.

Além dos projetos “What Remains” e “Proud Flesh” mencionados acima, pode-

67 Tradução minha, do inglês: “[...] the plainest message her photograph sends is that death is not the

blunt end of a thing, but part of a cycle of metamorphosis and creation. As the series title What Remains suggests, there is something still there after Eva’s death. One could say that her bones are decaying; one could also say that new earth is being made. Skin, bones, and earth become wrapped up in each other—literally—and eventually bring forth new life. The earth is 'the damp creator of life, by whom we are one day devoured'.”

68 A expressão “proud flesh” é o nome coloquial dado à cicatriz de tecido de granulação que age como

proteção a feridas profundas, especialmente em cavalos. O título remete tanto à paixão de Sally e Larry Mann por cavalos quanto às marcas deixadas no corpo de seu marido pela distrofia muscular.

69 ...o que gerou, portanto, uma grande quantidade de textos produzidos sobre o tema, e que justifica

se observar que os temas da mortalidade e das marcas do tempo acompanham Sally Mann até os dias de hoje: em 2010, Mann lançou a coletânea “The Flesh and the

Spirit”, que reúne imagens de toda sua carreira até aquela data e cujo foco é o corpo

humano em sua vulnerabilidade. Também, em sua mais recente exposição, “Sally

Mann: A Thousand Crossings” (2018), a temática da mortalidade também permeia

todas as séries de fotografias da exibição, que traçam a relação entre a suas raízes sulistas, os vínculos familiares e o legado deixado pelas guerras, pela escravidão e pela segregação racial ao Sul dos Estados Unidos.

Os quatro projetos mencionados acima, “What Remains”, “Proud Flesh”, The

Flesh and the Spirit” e “Sally Mann: A Thousand Crossings”, consolidaram uma nova

fase da fotógrafa, que, ao se referir a sua exibição “What Remains”, sugere que seria esse o “ápice de sua carreira”. Carreira essa que há anos já havia estabelecido a reputação de Mann como digna do título de uma das melhores fotógrafas contemporâneas. Não supreendentemente, as imagens desse período gozaram de vasta cobertura midiática e garantiram espaço nos mais importantes locais de exposições fotográficas não apenas dos Estados Unidos, como de todo o mundo.

Quanto à robustez dos dados apresentados na Dimensão 3, são apresentados na Tabela 5 abaixo os resultados do cálculo das ANOVAS para as quatro variáveis fixas (registro, formato, mídia e público leitor): os valores de p (< ,0001 para todas as variáveis) e de F demonstram que os dados revelados pela Dimensão 3 são significativos. Os valores de R2 explicam 42% e 41% da variação para as variáveis “registro” e “mídia” na Dimensão 3, que podem ser considerados como dados suficientemente significativos. Para as variáveis “formato” e “público leitor”, entretanto, os valores de R2 não alcançam 10%, o que leva a supor que, no que se refere às características da Dimensão 3, não há diferenças expressivas entre textos escritos para publicações impressas ou para plataformas on-line, ou que haja diferenças significativas entre textos especializados, acadêmicos ou voltados para o público geral.

TABELA 5 – ANOVAS DA DIMENSÃO 3

DIMENSÃO 3 – MORTALIDADE EM EXPOSIÇÃO

F p R2

REGISTRO 33,53 < ,0001 0,42

FORMATO 46,79 < ,0001 0,07

MÍDIA 63,09 < ,0001 0,41

PÚBLICO LEITOR 28,35 < ,0001 0,09