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3 GOVERNANÇA, ACCOUNTABILITY E O USO SOCIAL DA INFORMAÇÃO

3.2.2 Dimensão social e horizontal da accountability

Nessa dimensão pode-se compreender que a accountability supera o formato tradicional da constituição dos mecanismos democráticos e reconhece, em seus processos, os diversos atores coletivos e individuais envolvidos nas etapas de formulação da agenda de proposição de ações, implementação, monitoramento e avaliação do governo.

A accountability de resultados está relacionada ao controle e fiscalização do cumprimento de objetivos e metas, além da participação no processo decisório de definição dos objetivos e das metas da ação governamental. A accountability de resultados impõe, inevitavelmente, objetivos claros e resultados pretendidos e a eliminação do anominato. Ou seja, exigir que uma agência pública tenha uma meta específica a cumprir até ao final do ano fiscal destaca, inevitavelmente, sua responsabilidade. Da mesma forma, essa exigência pode ser reproduzida para os níveis mais baixos na hierarquia da agência, conforme Behn (1998, p. 36). São as pessoas, representantes das agências estatais ou integrantes do seu corpo operacional, que respondem pelo cumprimento ou não das metas.

De forma semelhante O’Donnell formula sobre a accountability horizontal, que está relacionada à consolidação dos componentes liberais e republicanos das poliarquias25. A

configuração da accountability horizontal exige a existência de agências estatais autorizadas e dispostas a supervisionar, controlar, retificar e/ou punir ações ilícitas de autoridades localizadas em agências estatais (O’DONNELL, 1998, p. 42). Essa concepção estabelece relações diretas com outros tipos de accountability, como a accountability vertical e política.

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Conforme O’Donnell (1998), as poliarquias são sínteses complexas de três correntes ou tradições históricas – democracia, liberalismo e republicanismo. Considerando que o liberalismo atribui direitos defensivos aos indivíduos localizados na esfera privada; o republicanismo atribui obrigações aos indivíduos que devem ser cumpridas na esfera pública; e a democracia afirma o direito positivo de participação nas decisões do demos.

A accountability democrática representa a síntese das ações voltadas para o controle da sociedade sobre o Estado relacionadas ao processo, ao resultado, ao processo eleitoral (accountability vertical) e ao estabelecimento de agências estatais fiscalizadoras. Tem como princípio a democracia participativa, ou seja, o envolvimento dos cidadãos, individual ou coletivamente, nas diversas etapas da ação governamental: elaboração de diagnósticos, definição de prioridades, objetivos e metas, acompanhamento, monitoramento e avaliação das ações. Behn (1998, p. 39) ressalta que a accountability democrática só é possível no modelo de administração pública pós-burocrático, pois os sistemas tradicionais de accountability foram desenhados para estabelecer e reforçar a confiança pública na probidade de seu governo. Diante da superação da burocracia é necessário um novo sistema de accountability, que estabeleça e reforce a confiança pública no desempenho governamental. A accountability democrática tem como centralidade nodal a disseminação e o acesso à informação governamental e a ampliação da esfera pública democrática e da esfera pública paraestatal.

Um aspecto comum em todas as accountabilities é a comunicação da informação pública e governamental. As possibilidades da accountability estão diretamente relacionadas com a capacidade do Estado e de suas organizações em gerir o ciclo informacional de forma eficaz e tempestiva. Este aspecto também se relaciona às condições instituídas para o uso da informação, ou seja, a disseminação da informação, por si só, não produz conhecimento e condição efetiva de participação do cidadão nos mecanismos de controle do governo e do Estado – não produz igualdade informacional.

Jardim (1999, p.83) considera que o elemento fomentador da igualdade informacional é a participação política que, conjugada ao acesso à informação e educação política, qualifica o exercício da cidadania. Ele parte do princípio que não há cidadania sem participação e não há participação sem educação política.

A inter-relação entre a atuação e a identificação de demandas informacionais, proposta na análise de Jardim, passa pela concepção de um usuário da informação ativo ou com capacitação em informação. Santos utiliza esse termo para questionar que

As organizações, atores principais de uma mudança social, não serão capazes de tirar proveito da tecnologia se lhes falta uma avaliação das características e da relevância da informação, como também habilidade para manipulá-la, denominada como ‘capitação em informação’, a qual pode ser entendida como: conhecimento da existência da informação; acesso ao recursos e exploração dos recursos. (SANTOS, 1996, p. 74)

A autora também apresenta um conceito que expressa a falta de capacitação em informação, a pobreza em informação, que “implica um baixo nível de conhecimento da sua existência, acesso inadequado e reduzida capacidade de explorar todo o seu potencial [da informação]” (SANTOS, 1996, p. 74).

Considerando a problematização dos autores citados, a disseminação da informação como condição da accountability não se encerra na concepção de acesso. É necessário o estabelecimento de condições concretas para a promoção do aprendizado político e social, conforme Abrucio (1997 e 1998) ou para a educação política, conforme Benevides (1991). Nesse caso, consideram-se os diversos atores da cena política, por exemplo, o deputado federal que tenta acompanhar o orçamento público federal através do Sistema Integrado de Administração Financeira – SIAFI, do Governo Federal (VALENTE, 2002) ao conselheiro da comissão local de saúde do centro de saúde, que atua no seu local de moradia (SANTOS, 1996). Todos têm necessidades de capacitação em informação. A pobreza de informação não se fundamenta apenas na pouca capacidade de compreender, interpretar e gerar conhecimento a partir da informação acessada; é também a incapacidade de transitar pelas ruelas dos fluxos informacionais estabelecidos dentro das organizações do Estado.

Em suma, a informação encontra-se permeando a cidadania, a participação e a educação política por constituir requisito fundamental para que tais noções se configurem

numa dada realidade histórica. Pode ser compreendida como elemento amalgamador da dinâmica processual do exercício da cidadania, da participação e do aprendizado político e social.

Nesse sentido, a concepção da informação que mais se aproxima dessa dinâmica é a que a compreende como fenômeno social e comunicativo relacionado às práticas sociais, estabelecidas através do uso social da informação. Essa compreensão demanda uma formulação teórica interdisciplinar considerando a ciência da informação, comunicação, ciência política e sociologia/antropologia.

3.3 As bases teóricas da ciência da informação para a concepção de uso social da