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2 DIMENSÃO SOCIOLÓGICA E CULTURAL

No documento Projeto hemisférico (2.005Mb) (páginas 71-75)

O tratamento sociológico de um tema educacional específi- co como o modelo de um referencial curricular sob o enfoque de competências laborais e chaves precisa contemplar uma análise mais abrangente da realidade social, uma vez que a educação, a escola e o currículo são fenômenos interligados entre si, refletem as formas de relações, potencialidades, intenções e limites exis- tentes no contexto no qual estão inseridos, na sociedade global tal qual se configura num determinado momento histórico, bem como as idiossincrasias dos atores sociais que dão vida às institui- ções escolares e outros elementos com os quais os fenômenos em pauta interagem direta ou indiretamente.

Essa tarefa torna-se cada vez mais complexa mediante a exis- tência de diferentes teorias que abordam as questões referidas e que oferecem contribuições relevantes para incorporá-las ao mo- delo referencial de currículo proposto.

Sem nenhuma pretensão de dar conta do quadro teórico em pauta, com muita humildade e de forma criteriosa, optamos por

explicitar algumas concepções e princípios teóricos frutos de nos- sos estudos e reflexões ancorados em estudiosos da dimensão sociológica da educação escolar e do currículo, especificamente.

O ponto de partida é a compreensão de que o cenário edu- cacional no Brasil e nos demais países da sub-região do MERCO- SUL, na atualidade, por mais que tenham capitalizado mudanças decorrentes das reformas empreendidas nos sistemas de ensino, especialmente nas duas últimas décadas do século XX e que per- manecem em marcha, reflete as formas contraditórias que o mo- delo produtivo neoliberal assume no momento presente, no qual a questão do trabalho e, de modo particular, da empresa ultra- passa seus limites físicos, novas perspectivas na interação entre o homem e o meio ambiente começam a se moldar, colocando-se quase que como uma provocação ao trabalhador para que incre- mente seus níveis de formação pessoal e profissional.

Um fato concreto que perpassa a análise e a discussão em torno desse problema são as formas de configuração das socieda- des pós-modernas, em que o processo de internacionalização da economia e a prevalência dos interesses do mercado e do capital se sobrepõem aos interesses humanos e o impacto da evolução da ciência e de novas tecnologias sobre o processo de produção dos bens e serviços e nos níveis de aprendizagem das pessoas passaram a exigir respostas rápidas, eficazes e, por sua vez, de difícil solução.

Nessa perspectiva, algumas novas tarefas estão sendo impos- tas à escola, por ser uma instituição que, formalmente, desenvolve uma prática educativa intencional e planejada em tempo, espaço e contexto próprio, e que tem uma repercussão na vida das pes- soas, seja no nível de ampliação dos espaços de participação e decisão-ação, seja no sentido de dificultar e até excluir parcelas significativas da população do acesso aos bens e serviços socio- culturais. A esse respeito, uma questão sempre vem à tona: qual o conhecimento que está sendo produzido na escola? Daí o currí- culo ser um dos focos de interesse de investigação porque além

de produzir elementos que favoreçam o vínculo entre a teoria e a prática, indica também um certo movimento rumo à criação de políticas educacionais e de modelos referenciais de currículo para ser aplicado no âmbito das instituições escolares, como nós esta- mos vivenciando tal situação.

No itinerário deste trabalho, repetidas vezes nos referimos ao projeto hegemônico vigente nas sociedades neste momento histórico e já compreendemos que ele é determinante de fatores econômicos sociais, políticos e culturais das sociedades nacionais e que as políticas e as ações partem do topo para a base. Diante dessa dura realidade é que temos que construir uma utopia possí- vel: criar no interior da própria sociedade as condições subjetivas e objetivas para conquistar as formas democráticas de participa- ção, de exercício pleno de cidadania e de emancipação social.

Em conformidade com esse raciocínio, temos que reafirmar aqui o ideal de uma educação que deve ser pensada e desenvol- vida como um espaço público que, enquanto um espaço público, promova oportunidades através das quais o sujeito possa cons- truir a sua identidade individual e social coerente com um projeto democrático de sociedade. Nessa perspectiva, compreendemos que a sociedade, por sua vez, deve considerar como prioridade o cumprimento do direito que todos os seres humanos têm a quali- dade de vida, em que sejam satisfeitas as suas necessidades vitais, sociais e culturais. Daí os ideais de igualdade, direitos sociais, jus- tiça, democracia, cidadania e emancipação social serem o lastro teórico e metodológico do currículo.

Sob esse olhar, o currículo é concebido como um espaço privi- legiado nessa construção. Não é sem motivo que o currículo está no centro não somente nos debates entre os educadores, mas dos atuais projetos de reforma social e educacional, justamente por ser este um espaço vivo, porque os que o fazem são atores sociais que tenham ou não consciência desse fato. É nesse espaço contra- ditório onde também são travadas as lutas decisivas por hegemo- nia, por predomínio de ideias, concepções, posições e propostas,

assim como por definição e pelo domínio do processo de signifi- cação.

Isso ocorre porque o currículo, conforme SILVA (2001, p. 9), “expressa as visões e os significados do projeto dominante quanto ajuda a reforçá-los, a dar-lhes legitimidade e autoridade”, donde se pode também derivar a seguinte indagação: o que vamos pro- duzir no currículo para além do desenvolvimento de competên- cias laborais e chaves, que não reduzam o sujeito trabalhador a mera condição de mensuração e classificação, frutos de normas referenciais de padronização?

À luz dos referenciais teórico-metodológicos que fundamen- tam este trabalho, reafirmamos que o currículo possa servir de ponte:

1º) entre o conhecimento elaborado historicamente pela hu- manidade e as mentes dos estudantes e dos professores car- regadas do senso comum, sequiosa de novidades como uma forma de dar resposta imediata aos fatos e acontecimentos que se sucedem no seu cotidiano.

2º) entre o modus operandis do estudante e de sua relação com o ensino na busca de um diálogo de caráter planetário da superação das barreiras ou das dicotomias do tipo sujeito- -objeto, espaço-tempo, indivíduo-meio, sociedade-educação, para citar alguns exemplos.

3º) em defesa da reconstrução, resignificação do pensamento e da ação do estudante, trazendo para a sala de aula conheci- mentos abstraídos das ciências, das artes, do seu quotidiano, para enriquecer a ação pedagógica.

Por último, cotejando SANTOS (2000, p. 80), compreendemos que urge no espaço escolar travar uma luta em favor da supe- ração dos paradigmas lineares reducionistas, mecanicistas, como suportes da ação pedagógica pautada no lema “em um lugar para cada coisa e cada coisa tinha o seu lugar”.

No documento Projeto hemisférico (2.005Mb) (páginas 71-75)