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CAPITULO 4 DOCÊNCIA: UM ENTRELAÇAR DE SENTIDOS

4.2 Conteúdo representacional sobre docência: análise das entrevistas

4.2.1 Dimensão técnico-operacional

De acordo com a precisão nas falas, percebemos que os sujeitos, ao se referirem à docência, entendem a profissão como o trabalho do professor na sala de aula, tendo como característica marcante o ensinar. Eles expressam, de forma clássica, a sua compreensão de docência como atividade específica da sala de aula. Sobre isso, destacamos as colocações abaixo.

O que eu entendo por docência é isso, ser professor mesmo [...] ele que está lá, que ensina que está na sala de aula, independente de ser infantil ou qualquer nível de escolaridade, é professor (Esmeralda).

Docência, para mim, eu acho que é ser professor, ser preparado para atuar na sala de aula, estar ali com o perfil de ser professor mesmo! Estar preparado para isso [...] ser docente e ser professor não há diferença. Você está ali para ser docente, você está ali para ensinar. Ensinar outros conhecimentos, é ser professor (Jade).

Docência em si, acho que seria o ato de ensinar, alguma coisa relacionada a isso [...] docência seria mais relacionada à sala de aula, o trabalho na sala de aula (Brilhante). Eu entendo que é a arte de lecionar [...] docência para mim é a arte de educar, para ser mais exata (Pérola).

De acordo com essas declarações, sentimos que os (as) estagiários (as) entendem a docência como uma forma peculiar do trabalho na sala de aula, tendo como eixo o ensinar. Nesse caso, constatamos que, nesse momento, ainda é limitada a visão desses sujeitos para perceber que o termo docência pode significar mais, no que se refere à atividade laboral, assim como está estabelecido nas Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia (2006), que contempla atividades que compreendem a organização e participação nos processos de gestão de sistemas e instituições de ensino.

Sabemos que a docência, nos moldes atuais, com múltiplas nuances e atividades multifacetadas, não pode ser compreendida, em sua plenitude, tão somente como ato de ensinar. Entendemos, então, que a docência não está só na sala de aula, mas perpassa também as atividades inerentes a esse espaço. Cada vez mais, o docente assume outras atividades como ser membro de sindicatos, desenvolver a gestão pedagógica, elaborar projetos inerentes ao contexto escolar, dentre outras atividades que são fundantes à profissão. Com isso, entender a docência como ato de ensinar torna-se muito restrito e, se quisermos compreender a natureza da atividade docente, teremos que romper mais esse paradigma.

A dimensão aqui tratada expressa, ainda, a ideia de que a docência é a aplicação das teorias aprendidas durante o curso. Para os (as) estagiários (as), as discussões e reflexões, em sua maioria, durante as práticas disciplinares, fortalecem a necessidade de uma docência para sala de aula. Assim, pois, afirmam dois sujeitos:

As disciplinas são boas, dão subsídios para você atuar na sala de aula [...] os ensinos levam você ao fazer, pois vão auxiliar como você trabalhar tal disciplina na sala de aula (Esmeralda);

Disciplinas teóricas, como Estrutura e Funcionamento do Ensino e Profissão Docente [...] são disciplinas teóricas que têm importância muito grande para o meu fazer docente. Eu não posso chegar lá só com a prática, tenho que chegar com fundamentação (Diamante).

Conforme foi dito, a docência é compreendida como uma atividade que necessita da teoria como alicerce para as ações na prática pedagógica. Para o grupo, ser docente é, necessariamente, ter dedicação exclusiva às disciplinas acadêmicas. Mesmo que pontuem algumas que consideram mais importantes, fica claro a necessidade de todas essas disciplinas para a construção do perfil profissional, ou seja, elas têm um papel significativo na representação que constroem sobre docência. Para os estagiários, através das aprendizagens oriundas dos componentes curriculares é possível fortalecer e engendrar o processo de construção profissional. Além disso, as discussões e reflexões proporcionadas pelos professores formadores provocam e estimulam uma necessidade de busca pela teoria para o exercício da docência, é o que diz Diamante: “aqui eu vejo uma preocupação dos professores em repassar a teoria, em instigar a apreensão das mesmas”. Nesse caso, é comprovado o estímulo dos professores formadores sobre a formação teórica como indispensável à prática. Confirmamos, então, que é perceptível no currículo da Universidade a necessidade de relação teoria- prática para fortalecimento dos saberes e fazeres nos contextos plurais dos espaços de atuação do professor, ficando compreensível pelos alunos que as práticas são iluminadas pela teoria.

A docência é entendida, então, como o exercício específico do professor no âmbito da sala de aula enquanto a teoria é conhecimento necessário para a prática pedagógica. Para os estagiários de Pedagogia, o curso, mesmo com algumas limitações, dá esse suporte teórico que irá ser aplicado quando chegar o momento da atuação. Nesse âmbito, o estágio é colocado como fundamental e indispensável, bem como lugar de aplicar as teorias, de vivenciar a docência, de refletir sobre a prática, pois, “não dar pra ser docente, não dar pra se formar sem o estágio, assim como não dar pra se formar sem teoria, não tem como se dissociar” (Diamante). De acordo com os entrevistados, “O estágio contribuiu muito para minha formação como docente” (Esmeralda), “lá vivenciei a prática, apliquei as teorias que foram adquiridas no decorrer do curso” (Ametista).

Portanto, percebemos que emerge no grupo uma valorização do estágio para sua formação. Dessa forma, podemos pensar que as aprendizagens traçadas durante as práticas nessa disciplina podem ser ponto chave para formar uma imagem sobre a docência. Além disso, os sujeitos concordam que as disciplinas favorecem o desenvolvimento de técnicas de atuação necessárias à docência. Para eles, a docência se configura pelas metodologias traçadas para atuação “nas disciplinas Profissão Docente e Literatura e Infância desenvolvemos bastantes oficinas e também a disciplina Formação do Professor Literário [...] foram disciplinas que deram pra absorver bastante e desenvolver técnicas de atuação” (Brilhante). Aqui, notamos uma necessidade não só teórica, mas prática, de contextualização das aprendizagens.

Diante dessas explanações sobre o ensinar e o saber teórico proposto pelo curso, que proporciona aos formandos um contato com as interfaces da docência no espaço acadêmico, tanto na sala de aula quanto por meio do Estágio Supervisionado curricular, compreendemos que esse conhecimento teórico pode propiciar, como ressalta Silva (2011, p. 351-352) “memorização de noções, de conceitos, de reprodução de ideias, de estabelecimento de relações, de criação de analogias e de seu reconhecimento no corpo teórico que manuseia, etc”. Ademais, enfatiza que esses momentos de diálogos teórico-prático, vivenciados nos espaços da sala de aula, na formação inicial, são essenciais, posto que “a prática docente na sala de aula é constituída pelo ensino de conteúdos teóricos e metodológicos, por meio de procedimentos didáticos a serem apreendidos pelas alunas e alunos para serem colocados em prática quando da futura docência” (SILVA, 2011, p. 352).

Assim, percebemos, claramente, que nas vivências práticas possibilitadas pelas atividades curriculares muitas reflexões foram tecidas sobre o ensinar, principalmente no momento de efetivação das atividades propostas pelas disciplinas de Estágio Supervisionado, é o que aponta as seguintes falas: “o estágio me proporcionou isso, viver um pouco da realidade do cotidiano docente e saber em algumas situações como me sair bem” (Esmeralda). “O estágio é o laboratório onde eu vou experimentar os meus conhecimentos, se eu adquirir os conhecimentos necessários” (Ametista). Então, é notório que os estudantes depositam no estágio a responsabilidade do fazer e do ser docente, momento de colocar em prática a teoria, de ressignificar os saberes e fazeres em construção.

Percebendo esse destaque dado pelos estudantes ao Estágio, é importante ressaltar que, mesmo sendo momento de docência, as práticas de Estágio Supervisionado devem ser

compreendidas como momento de formação e, assim, o licenciando continua estudante e não profissional. Nesse sentido, realiza reflexões diante do contexto profissional de atuação. Sobre essa perspectiva, encontramos ressalvas de sujeitos que identificaram, igualmente, as demandas desse processo.

Eu tinha uma visão que o estágio era o momento da prática, eu iria para lá aplicar aquilo que eu tinha visto na faculdade e desde que iniciou a disciplina as professoras fizeram discussões e comecei a ver o estágio com outro olhar, que não era no estágio que eu iria aplicar o que eu vi aqui, mas sim aprender no estágio (Esmeralda).

Nessa linha de raciocínio que aqui se fortalece, Silva (2011) explicita que esse exercício prático da docência pode ser permeado pelo habitus estudantil, que será estruturado na prática de seu ofício enquanto professor/estudante. Ou seja, pode ser visto tanto nas práticas de estágio quanto nos debates sobre a teoria. Isso o tornará diferente de quando realmente for atuar como docente formado. Nesse sentido, entendemos que o significado dado à teoria para compreensão da docência pode se refletir no posicionamento prático do professor em formação.

[...] se o habitus é uma objetivação da interiorização, neste caso, de saberes teóricos aprendidos na universidade, então, a ideia de que a prática docente constitui um habitus professoral ganha mais força. O que significa que quando os alunos dos cursos de formação de professores estão realizando sua formação inicial nas universidades eles podem apenas desenvolver o habitus estudantil e não o habitus professoral (SILVA, 2011, p 254).

Para Silva (2005), diferente do habitus estudantil, o habitus professoral só será desenvolvido na atuação profissional como docente, pois é considerado como um conjunto de elementos que estrutura a epistemologia da prática. Assim, a autora afirma que “a natureza do ensino na sala de aula é constituída por uma estrutura estável, porém estruturante, isto é, uma estrutura estável, mas não estática, que denominamos habitus professoral” (SILVA, 2005, p. 153). Nesse caso, percebendo o grande significado do ensino para docência nessa pesquisa, tecemos essas relações de pertencimento do sujeito com os elementos que consideram primordiais à profissão, tornando-o, assim, profissional.

Como adentramos na discussão sobre habitus estudantil e professoral, é pertinente trazer o conceito de habitus que estamos trabalhando nesse diálogo, um habitus como matriz geradora de práticas, que adquire e incorpora diariamente valores, regras, princípios e predisposições estabelecidas no seio familiar ou social que compõem a trajetória de vida e identidade dos sujeitos.Como senso prático, esse habitus nos auxilia a pensar em diferentes espaços sociais, materializando-se como um sistema de disposições que, ora consciente e ora inconsciente, permite suas escolhas. Nesse sentido, é conceituado como:

Um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas [...] (BOURDIEU, 1983, p. 65).

Assim, essa matriz de percepções pode interferir no modo como o sujeito vê o mundo e sua realidade, construindo, através de suas vivências, suas representações. Nesse caso, a dimensão do ensinar empregada pelos estagiários como atribuição docente é refletida através da teoria como disposição de interação com o conhecimento de modo coletivo e dialógico, podendo contribuir para a constituição de um habitus estudantil percebido nas práticas de estágio e no posicionamento teórico que, posteriormente, será capaz de se transformar em um habitus professoral ou até mesmo viver dessa relação entre essas manifestações de habitus, haja vista, muitas vezes, andarem juntos.

Nessa esfera não podemos desconsiderar que, no perfil traçado dos sujeitos participantes da pesquisa, um grande número dos (as) estagiários (as) já tem experiência ou trabalha como professor, o que pode favorecer esse trâmite de conhecimentos e práticas proporcionados pelos habitus que dialogam e já se faz presente na vida desses sujeitos. Uma interação entre os conhecimentos apreendidos na academia, com base na epistemologia, as experiências práticas já vivenciadas e o conhecimento coletivo construído ao longo de sua trajetória podem ser, então, fortes elementos que favorecem as práticas de estágio e a apropriação ou construção de um habitus professoral.