• Nenhum resultado encontrado

1. Psicologia Teórica

1.5 Fontes do Conhecimento

1.5.3.5 Dimensão Teológica

A reflexão sobre esta vertente não pode ser apartada da análise acerca do absoluto desenvolvida no capítulo dedicado à sensibilidade e à razão. Esta perspectiva acerca do absoluto condiciona, impreterivelmente, o estudo sobre a revelação do divino na consciência humana. Por outro lado, como já foi acentuado, a dependência desta vertente em relação à óptica moral é um dado adquirido e essencial, mas no qual não insistiremos188.

faculdade da coacção é elemento fundamental na filosofia do direito. É garantia dos deveres incluídos no quadro desta ciência. O sujeito do direito exerce-a não para perturbar, mas sim para restabelecer a harmonia das relações sociais, viciada pela agressão injusta” (Idem, Ibidem, p. 383). Ou talvez não, se atendermos que a primeira afirmação se refere a um estado ideal, teórico e a seguinte a um estado real, prático.

188 Apenas uma pequena nota a propósito do fundamento da lei moral em Deus. Segundo Brito é

indispensável reconhecer Deus “como autor e fundamento da lei moral”. Sendo a perfeição a busca incessante do ser humano, temos que “a perfeição absoluta é o bem absoluto, a própria essência de Deus, servindo de modelo e norma a todos os seres racionais. A verdadeira moralidade só é possível com o

reconhecimento e amor de Deus” (Philosophia do Direito, § 230, p. 171). Numa outra ordem de ideias, certifique-se a relação entre a doutrina cristã e a consciência, presente no seguinte excerto: “o cristianismo teria de sossobrar mais tarde ou mais cedo diante das tempestades do mundo, se contrariasse

nas suas doutrinas as aspirações da consciência humana”; e insiste, “até à consumação dos séculos será o Cristianismo a verdadeira religião da humanidade, porque, entre as religiões do mundo, só ele exprime a

aspiração pura da consciência humana, e satisfaz a todas as necessidades da vida” (Rodrigues de Brito, “Philosophia da Historia do Christianismo”, Instituto. Jornal Scientifico e Litterario, Vol. XXXIV, nº 6,

Esta perspectiva centra-se, fundamentalmente, em torno de dois aspectos principais, a saber, a consciência da existência de Deus e a revelação do divino na consciência. Aquela encontra-se expressa na ideia de que é na consciência que o homem se assegura da existência de Deus189 ou, ainda, a noção que temos dum princípio supremo o qual nos deve reger. Nas palavras de Brito, “todos temos consciência, mais ou menos clara, de um princípio superior, e do dever de nos conformarmos com ele nas manifestações da nossa actividade; e por isso todos o invocamos nas diversas situações da vida prática, como regra suprema e permanente das acções humanas, pretendendo ao mesmo tempo que todos o reconheçam e lhe obedeçam”190.

Deparamos com a segunda manifestação no exame do sentimento religioso que se encontra, ainda segundo o autor, em todas as civilizações conhecidas, porque o conceito de divino e as obrigações para com Deus são insíntas na humanidade. O sentimento religioso é função necessária e interior de todo o ser humano que o impele a

p. 282, itálicos nossos, [p. 37]). Sobre as relações entre direito e moral veja-se a relação entre condições objectivas e subjectivas na Philosophia do Direito, p. 174 e ainda o que se atesta na “Philosophia da Historia do Christianismo” em que se remetem as duas disciplinas numa interligação superior na religião. Certifica o filósofo, “daqui duas legislações – a moral, subjectiva, a da consciência, - e a exterior, objectiva, social, a do direito. O Cristianismo, religando [salientamos aqui a chamada, por Brito, à colação do sentido literal do termo religião] a vontade ao ideal, o espírito finito ao espírito infinito, deve abraçar necessariamente a vida inteira do homem em sua inteira objectivação, isto é, todos os fins parciais e todos os meios de alcançar a perfeição, os elementos constitutivos da personalidade, e o desenvolvimento das faculdades em todas as situações da vida, e portanto a ciência e a arte, a moral e o direito” (Instituto. Jornal Scientifico e Litterario, Vol. XXXIV, nº 6, p. 299 [p. 56]). Por outras palavras reafirma o mesmo mais abaixo, “a noção de divindade é sempre o ponto angular em volta do qual se agremiam os povos, o princípio fundamental de suas instituições sociais e a regra permanente de toda a eficiência humana: e se o direito e a moral são as legislações superiores, que encaminham e dirigem o homem em suas relações com Deus e com seus semelhantes, são necessariamente partes integrantes da religião; porque somente a religião, inspirando a ciência e a arte, pode encaminhar-nos a vontade, por entre os trabalhos da vida prática, para a perfeição absoluta” (Idem, Ibidem [p. 56]). Num esforço de acuidade exclama, “a psicologia, a teodiceia, a moral e o direito são elementos necessários do Cristianismo: a forma espontânea encerra-os implicitamente, e a reflexão demonstra-os” (Idem, Ibidem, p. 300 [p. 57]).

189 Cf. Rodrigues de Brito, Philosophia do Direito, § 226, p. 167. Esta afirmação da existência de Deus

através da consciência parece-me ser, embora o filósofo não o afirme, uma tentativa de prova da existência de Deus. A esta prova, estou em dúvida, se se pode designar como um testemunho de cariz ontológico.

190 Idem, Ibidem, § 188, p. 133. Apenas uma chamada de atenção para o conceito de dever que é

tentar conhecer e venerar o Ser infinito, não dependendo, portanto, nem de aprendizagem, nem de função do entendimento. Essa sensação emana espontaneamente em todo e qualquer ente humano, na altura em que Deus se dá a conhecer no interior da consciência de cada um191.

No mesmo sentido, considera o filósofo que Deus, ou a perfeição absoluta, “é o termo das aspirações da consciência, e por conseguinte a luz que só pode alumiar-nos e guiar-nos com segurança na vida prática, e a fraternidade humana a condição indispensável para atingir essa perfeição. Na evolução do homem para Deus, isto é, na aspiração da consciência e no trabalho das faculdades, a reflexão descobre sempre dois elementos indissoluvelmente unidos em estreita e íntima relação – o fim e o poder do homem que o realiza, o ideal e o real que o objectiva no espaço e no tempo. O fim compreende o termo superior da perfeição e a essência que se objectiva na vida; isto é, a aspiração da consciência compreende essencialmente – o espírito que aspira à perfeição – a perfeição que aspiramos – e os meios de causação ou faculdades com que poderemos realizá-lo na vida”192.

Um derradeiro facto carece de explicação. Este é a forma que reveste a comunicação directa entre Deus e o homem. Coerente com o seu fundo racionalista, Rodrigues de Brito vai fazer radicar essa comunhão nos princípios da razão, que, “considerados objectivamente, são as leis de todos os seres, e por conseguinte as leis do

espírito”. Esses princípios “são virtualidades, que Deus lhe imprimiu na essência ao

191 Cf. Idem, Ibidem, § 299, p. 234.

192 Rodrigues de Brito, “Philosophia da Historia do Christianismo”, Instituto. Jornal Scientifico e Litterario, Vol. XXXIV, nº 6, pp. 284-285, [p. 40]. O mesmo parece ser corroborado por este excerto “só depois que Jesus Cristo revelou a palavra do enigma da vida humana, que tanto preocupara os espíritos da antiguidade, ensinando aos homens o verdadeiro princípio da vida e do progresso; só depois que o Verbo divino, apontando para a consciência do homem, lhe aclarou na ideia o verdadeiro ideal que, em sua

evolução no tempo e na sua rota para o céu, lhe deve ser constantemente norte, é que o homem pôde desprender-se inteiramente da natureza física, e substituir-lhe a religião dos espíritos” (Idem, Ibidem, nº 5, p. 212, itálico nosso, [p. 30]).

entrar na vida, regras de proceder da sua eficiência espontânea e reflexa: em virtude deles é que nos afoitamos a penetrar no domínio do absoluto, e a tentar construir o mundo pela ciência”. Depós estas considerações vai concluir, acerca das categorias, que “são o órgão da divindade, porque é por meio delas que Deus nos fala na consciência [itálico nosso], nos esclarece e guia em todos os actos da nossa eficiência”193.

É imperioso, aqui, dizer algumas palavras sobre este fragmento que já foi duplamente citado. Desde logo, o pensamento que abarca a noção de virtualidades é o de ideias inatas com o vasto cortejo da doutrina cartesiana ou, mesmo, platónica. Isto é, Deus inscreve em nós determinadas concepções, entre as quais a da sua própria existência e é devido a isso que a podemos encontrar na nossa consciência, que nos serve de guia ao longo da nossa presença na terra. Essas ideias que nos esclarecem e guiam são também regras de proceder, isto é, condutas morais. Essa inferência remete- nos, indubitavelmente, para a concepção de que a natureza humana é, fundamentalmente, moral, ou seja, que natureza humana e natureza moral humana são uma e a mesma coisa194. Também convém salientar o fundo racionalista, ou espiritualista como dizem alguns comentadores, de todo este excerto porque os princípios da razão são as leis do espírito, as leis do ser e, por esse motivo, o fundo ontológico desta corrente de ideias ressalta evidente e será posto em realce nos capítulos sobre as categorias da razão. Por último, será adequado notar que são, também, essas categorias ou princípios da razão os alicerces sobre os quais assenta toda a construção

193 Rodrigues de Brito, Philosophia do Direito, § 72, p. 55.

194 Esta identificação entre a natureza do homem e a natureza moral do ser humano tem profundas

implicações no sistema do filósofo de Coimbra, implicações que têm a ver com o conceito de dever como já foi explicitado, que se tornarão evidentes na sua doutrina filosófica do direito. No entanto, queríamos deixar, desde já, notada esta especificidade.

científica. Deste modo, temos que, sem entrar em grandes explicitações, os princípios da razão têm uma significação moral, teológica, ontológica e gnoseológica195.

Para fenecer esta pesquisa sobre a consciência, apenas nos resta abordar a dimensão social da consciência, dimensão que faz todo o sentido no sistema de Brito, e o tentame de compreensão da imagem que nos fornece de uma consciência primitiva, a qual vamos, através do método de tentativa e erro, tentar averiguar, porque o pensador também não foi sistemático nesta matéria.

Documentos relacionados