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Dimensões das Ciências Contempladas no Currículo de Ciências Português 30


2.2 O Papel da Educação em Ciências na Escola 27


2.2.2 Dimensões das Ciências Contempladas no Currículo de Ciências Português 30


De acordo com vários autores (Hodson, 1998; Wellington & Ireson, 2008), o currículo de Ciências deve conter as seguintes dimensões: uma cobertura equilibrada das Ciências principais e alguma menção às Ciências menos comuns; considerar as práticas e processos da Ciência, isto é, o método científico e procedimentos; estudar as ligações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade; e ter em consideração a história e a natureza da Ciência.

A natureza da Ciência, a história da Ciência e a relação Ciência, Tecnologia e Sociedade são componentes da Educação espelhadas no currículo da área disciplinar em que se focaliza o presente estudo, as Ciências Naturais, pelo que se justifica que delas se faça um desenvolvimento maior para tornar explícita a importância que se lhe atribui na concepção dos programas e as consequentes repercussões nas propostas metodológicas emergentes.

De acordo com Gallego e Gallego (2006), a transposição de cada teoria ou modelo científico tem que realizar-se a partir das relações Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), até porque, segundo vários autores (Carvalho, Mion & Sousa, 2005; Magalhães & Tenreiro-Vieira, 2006; Manassero, Vázquez & Acevedo, 2001; Martins, 2002; Solbes & Vilches, 2002; Vieira, 2003), propicia a literacia científica ao assumir um carácter mais humanista e global, porque está ligado a contextos reais. Permite também minimizar o desfasamento entre a sociedade e a escola, contextualizar os conceitos, processos e sistemas científicos e tecnológicos no âmbito das interligações CTS, aumentar o interesse, as motivações e atitudes dos alunos para com o estudo das Ciências e melhorar o ambiente de sala de aula (Mendes & Rebelo, 2004; Ríos & Solbes, 2007).

A resolução de problemas reais com interesse para os alunos poderá ser um ponto forte na melhoria do ensino das Ciências (Cachapuz, Praia & Jorge, 2002; Mendes & Rebelo, 2004). Assim, as metodologias a adoptar devem centrar-se na promoção da literacia científica (Membiela, 2001) e

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permitir a contextualização dos problemas num quadro de referências CTS.

Há cinco dimensões apontadas para a relação entre CTS e o ensino-aprendizagem das Ciências experimentais, nomeadamente: a aproximação cultural, formação científica dirigida para todos os cidadãos (literacia científica); a educação política para a acção, isto é, a orientação do ensino das Ciências deve estar virada para a formação de cidadãos preparados para uma acção política adequada; a educação interdisciplinar; o enfoque da aprendizagem de questões problemáticas e a orientação vocacional ou tecnocrática que se centra na visão da Ciência e da Tecnologia como um produto da indústria (Membiela, 2001). Também para Ziman (Cachapuz et al., 2002), a perspectiva CTS pode ter diferentes abordagens: a transdisciplinar, que exige a intervenção de saberes de várias áreas científicas; a problemática; a histórica, isto é, a evolução da Ciência e da Tecnologia com a sociedade; a social, que implica a Ciência e a Tecnologia entendidas como processos sociais; e a epistemológica, que está relacionada com a natureza da Ciência. De acordo com Cachapuz et al. (2002), a abordagem problemática tem sido a mais escolhida, talvez pelo facto de ser entendida como a que mais relaciona a Ciência, a Tecnologia e a Sociedade.

Hodson (1998), sugere que no currículo escolar devem estar patentes três objectivos, nomeadamente, aprender Ciência e Tecnologia, aprender sobre Ciência e Tecnologia e fazer Ciência e Tecnologia. Membiela (2001), baseando-se nos trabalhos de Hickman, Patric e Bybee, indica diversas formas para introduzir a perspectiva CTS nos currículos, nomeadamente: a inclusão de módulos e/ou unidades CTS em matérias de orientação disciplinar; introduzir a perspectiva CTS em matérias já existentes, mas de forma pontual; a criação de uma unidade CTS e a transformação completa de um tema introduzindo a perspectiva CTS.

As componentes fundamentais da introdução da perspectiva CTS no desenho de materiais curriculares de acordo com o modelo construtivista são: a componente teórica, conhecer as visões dos alunos sobre os temas científicos, tecnológicos e sociais e sobre o processo de ensino e aprendizagem; conhecimentos e destrezas dos professores; ambiente da escolarização e, por último, os conteúdos (Membiela, 2001). Segundo Membiela (2001), baseado em Waks, o modelo de ensino e aprendizagem deve estar diferenciado em cinco fases sucessivas: autocompreensão; estudo e reflexão; tomada de decisões; acção responsável e a integração. Na sua opinião, as estratégias mais utilizadas no ensino e aprendizagem na perspectiva CTS incluem: “o trabalho em grupo, a aprendizagem cooperativa, as discussões centradas nos estudantes, a resolução de problemas, simulações e role-playing, tomada de decisões, debate e as controvérsias” (Membiela, 2001, p. 98).

Ao longo dos tempos, diversos autores e investigadores argumentaram a favor da inclusão da História da Ciência no ensino das Ciências. Segundo Matthews (1994), a História da Ciência é importante porque promove uma melhor compreensão dos conceitos científicos, interliga o desenvolvimento do pensamento individual com o desenvolvimento das ideias científicas, promove a compreensão da natureza da Ciência, combate o cientismo e o dogmatismo, ao examinar a vida e o tempo em que viveram os cientistas individualmente, e permite estabelecer ligações entre as várias disciplinas científicas, permitindo integrar e mostrar a interdependência dos saberes.

A ideia da inclusão da História da Ciência vem de encontro à posição, defendida por alguns investigadores, de que muitas vezes as concepções alternativas dos alunos têm semelhanças com concepções perfilhadas por antigos cientistas (por ex. Gil-Pérez, 1991; Gonzáles, 2000; Nussbaum, 1998; Pedrinaci, 1999; entre outros). Neste sentido, é possível através de paralelismos entre exemplos de conhecimentos perfilhados por antigos cientistas, ideias prévias perfilhadas pelos alunos, e com a eventual utilização de contra-exemplos, gerar no aluno insatisfação com os seus modelos conceptuais, facilitando a introdução de novos conceitos científicos por estes terem maior poder explicativo. Algumas investigações confirmam que o confronto das ideias dos alunos com factos da História da Ciência poderá levar à mudança conceptual (Nussbaum, 1998; Solbes & Traver, 2001; Wandersee, 1985). Se os alunos estiverem “frente a frente” com ideias defendidas pelos cientistas e que foram posteriormente refutadas e substituídas por outras ideias, poderão predispor-se mais facilmente a mudá-las. Portanto, a História da Ciência pode ajudar o professor a antecipar algumas concepções alternativas, e a comparação dessas concepções com a explicação científica pode levar o aluno a reestruturá-las, considerando-as como limitadas e inapropriadas (Gonzáles, 2000).

Apesar de vários autores defenderem a inclusão da História da Ciência no ensino das Ciências, outros há que se referem a algumas desvantagens dessa utilização (Matthews, 1994). O primeiro problema prende-se, basicamente, com a extensão dos programas de Ciências e com a escassez do material de apoio adequado e disponível sobre a História da Ciência, requerendo por parte dos professores uma preparação adequada, quer relativamente aos conhecimentos científicos que têm que leccionar, quer relativamente à História da Ciência (Duarte, 2003). O segundo problema está relacionado com a necessidade de fazer adaptações aos textos históricos, com finalidades didácticas, o que pode conduzir a versões “recortadas/simplificadas” da História da Ciência e, nesse sentido, pouco fiáveis (Matthews, 1994). No entanto, qualquer recurso tem as suas vantagens e desvantagens; o essencial é que o professor, na concepção das suas aulas, esteja

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consciente das vantagens e desvantagens e tente ressaltar as primeiras e minimizar as segundas. Segundo Vieira (2007), na década de 1990 verificou-se uma divisão entre os que defendiam a importância de implementar currículos CTS e, pelo contrário, os que privilegiavam o desenvolvimento de currículos fomentadores da literacia científica. Surge, então, o “Project 2061” da American Association for the Advancement of Science (AAAS), defendendo que os alunos necessitam de desenvolver um conjunto de capacidades/competências para serem considerados cientificamente literatos. Para a AAAS, os alunos devem: estar familiarizados com o mundo natural no que respeita à sua unidade; estar conscientes de algumas interdependências relevantes entre Matemática, Tecnologia e Ciência; compreender alguns conceitos-chave e alguns princípios da Ciência; ter a capacidade de raciocinar cientificamente; saber que a Ciência, a Matemática e a Tecnologia são empreendimentos humanos, estando conscientes das suas virtudes e limitações; e, por fim, devem ser capazes de utilizar o conhecimento científico para fins pessoais e sociais (Project2061). Chegou-se, desta forma, a uma definição de literacia científica que consegue incluir praticamente todos os objectivos do ensino das Ciências que haviam sido identificados ao longo dos tempos, representando um objectivo muito ambicioso para os sistemas de ensino: que todos pensem da mesma forma que os cientistas (Vieira, 2007). Neste sentido, é da literacia científica e da avaliação a ela subjacente que trataremos na secção seguinte.