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Dimensões históricas e teórico-metodológicas do projeto de formação

No documento Download/Open (páginas 49-54)

O projeto ético-político do Serviço Social reafirma-se na direção social de

ruptura com o conservadorismo, efetivando-se na imediaticidade cotidiana ainda

fortalecida pelo conservadorismo imposto pelo pseudodiscurso cultural de disjunção

entre a teoria e a prática, de que uma não tem relação direta com a outra, cedendo à

razão instrumental e alinhando-se ao crescente processo de burocratização dos

serviços e da vida social no trabalho.

Foi na aproximação do Serviço Social com a tradição marxista que se

formularam a crítica ao conservadorismo, a ruptura com o tradicionalismo e a inscrição

do Serviço Social em outro nível: o do entendimento da profissão inserida na divisão

sócio-técnica do trabalho, compreendendo o significado social da profissão, a

reprodução da vida na sociedade capitalista, os projetos societários postos em

disputas, a ação profissional e o redimensionamento do mercado de trabalho.

Simionatto entende que

Esse conjunto de conhecimentos, valores e concepções ideo-políticas consubstancia o projeto ético-político da profissão vinculado à defesa de uma proposta transformadora da ordem vigente, distanciando-se das bases epistemológicas das tendências pós-modernas e de suas referências culturais. Evidencia-se a operação do Serviço Social pelo projeto da modernidade, pautado na “razão crítica” na apreensão do “processo histórico como totalidade”, a partir de um “rigoroso trato teórico, histórico e metodológico” (ABEPSS, 1996, p. 7), e de uma pratica profissional situada para além da racionalidade instrumental, sustentáculo da ordem capitalista. Ampliaram-se os conhecimentos sobre os processos sociais contemporâneos, as particularidades da constituição e do desenvolvimento do capitalismo, Estado, da sociedade civil, do trabalho, da pobreza, da desigualdade, da democracia, da cidadania, das políticas sociais e do próprio Serviço Social (2009 p. 100).

Na perspectiva materialista, os estudos sobre a realidade social permitem

pensá-la como uma relação entre o homem ativo e real e o mundo na reprodução da

vida social. Nas análises de Cardoso: “[...] É, portanto, pensar a práxis como atividade

humana que comporta a produção material e imaterial, reprodução da sociedade,

produção e reprodução de formas de pensar e de agir” (2016, p. 149-150).

Segundo Cardoso, o objeto histórico é totalidade na medida em que,

Nessa perspectiva de totalidade, a história é pensada como sucessão descontinua de processos históricos, e não como sucessão linear de fatos; e seu objeto constitui-se por conjuntos, totalidades ou complexos organizados, configurando uma formação social especifica, particular, uma formação que tem suas determinações próprias (2016, p. 150).

Na constituição da formação social e a perspectiva de totalidade histórica,

compreende Cardoso que

O Serviço Social, como totalidade histórica, define-se por um conjunto ou complexo de determinações que, inseridos no movimento real totalizante de uma determinada formação social, transforma as suas determinações constitutivas e transforma-se na totalidade como profissão, ao mesmo tempo que exerce influência nas transformações qualitativas das totalidades concretas em que se insere na história. É, portanto, determinado socialmente e tem uma função histórica (2016, 152).

O percurso profissional do Serviço Social no Brasil compreende os desafios e

os avanços alcançados na luta de parcela da categoria pela consolidação de um

projeto profissional comprometido com um projeto societário emancipador, o

rompimento com o tradicionalismo e a direção social da profissão. As dimensões

dessa trajetória priorizada nas reflexões deste trabalho evidenciam que as mudanças

qualitativas não devem ser tratadas como isoladas do contexto histórico. Cardoso

afirma que

[...] Essa relação orgânica da profissão com o contexto histórico, em qualquer das direções, efetiva-se via movimentos organizativos da categoria profissional, via formação profissional, pela produção acadêmica e pelas práticas interventivas de ruptura com a ordem, ou de manutenção desta. Ou seja, essa relação orgânica com o movimento concreto da totalidade a que pertence envolve as diferentes dimensões que configuram a profissão, como totalidade histórica: a dimensão interventiva, em que se insere o trabalho profissional; a formação; a produção de conhecimento; e a organização política dos assistentes sociais (2016, p. 154).

Nas circunstâncias em que a hegemonia do neoliberalismo se constituiu, é

importante destacar, como bem aponta Cardoso, que a atuação do assistente social

tem caráter contraditório, encontrando as contradições determinantes da sociedade.

Ademais, sobre a relação entre projeto profissional e projeto societário,

Cardoso indaga:

No movimento contraditório da sociedade e mesmo nos espaços de formação e de organização política das classes subalternas, há projetos profissionais e projetos societários diferenciados disputando a hegemonia. Quais são esses projetos, como se dá essa disputa, quais as tendências da inserção do assistente social nesses espaços e quais os desafios postos ao Serviço Social e à classe trabalhadora no contexto dessa disputa? (2016, 160).

Essas disputas são formadas nos espaços sócio-ocupacionais em que o

assistente social se insere, onde a luta pela hegemonia se explicita e projetos de

classe e projetos profissionais se conflitam, desenvolvidos por sujeitos das profissões

e das classes sociais. Cardoso conclui suas reflexões da seguinte forma:

[...] quero reafirmar a atualidade dos fundamentos teóricos-metodológicos marxianos e da tradição marxista para pensar o Serviço Social como totalidade histórica, para a análise rigorosa e critica das determinações constitutivas da sociedade capitalista, na perspectiva de desvendar as suas contradições e instrumentar as classes na construção de processos emancipatórios, bem como instrumentar os assistentes sociais, seja desenvolvendo o trabalho acadêmico na formação profissional, seja em instituições que operam as políticas sociais na relação direta com os usuários, na perspectiva de uma formação continuada que garanta a direção social preconizada pela ABEPSS, no projeto pedagógico nacional dos cursos de Serviço Social no Brasil (2016, p. 161).

A

hegemonia do Projeto Ético-Político Profissional na formação profissional,

nos avanços da pesquisa e do conhecimento no Serviço Social brasileiro e no trabalho

profissional movimentam as análises, reafirmadas por Cardoso:

Reafirmo, ainda, a importância dessa perspectiva para analisar a própria profissão como totalidade histórica que se move no contexto do capitalismo e sofre os efeitos perversos de seu avanço. Pois, como profissão que tem uma função social na sociedade, precisa rever, permanentemente, a sua objetivação como expressão da práxis, na perspectiva de construir respostas às demandas das classes subalternas, a cujo interesses o seu projeto ético- político profissional, construído a partir de meados da década de 1970, no Brasil, vincula-se, na perspectiva da emancipação humana (2016, p. 162).

Nessa direção, o Projeto Ético-Político Profissional do Serviço Social brasileiro

abrange as dimensões ético-políticas, teórico-metodológicas e técnico-operativas que

possibilitaram alçar novos rumos e direcionamentos na formação profissional.

As análises de Gonçalves sobre a formação profissional e a expansão do

Serviço Social no contexto da educação superior evidenciam que,

A construção dos direcionamentos apresentados pelo Projeto Ético-Político do Serviço Social possibilitou reafirmar uma intervenção com enfoque para uma nova ordem social, na perspectiva de transformação da sociedade sem exploração de classe, sem opressão social, de gênero, etnia e raça e com vistas à democracia (2013, p. 139).

O projeto ético-político profissional, fruto do protagonismo de agentes

profissionais, condensa não só a direção social da profissão, mas, nos termos de

Iamamoto,

O projeto ético-político profissional expressa a perspectiva hegemônica impressa ao Serviço Social-brasileiro. Tem suas raízes nas forças sociais progressistas e está fundado nas reais condições sociais em que se materializa a profissão. Em outros termos, a operacionalização do projeto profissional supõe o reconhecimento das condições sócio-históricas que circunscrevem o trabalho do assistente social na atualidade, estabelecendo limites e possibilidades à plena realização daquele projeto. Sendo o Serviço Social regulamentado como uma profissão liberal — daí os estatutos legais e éticos que atribuem uma autonomia teórica, técnica e ética à condução do exercício. O exercício da profissão é tensionado pela compra e venda da força de trabalho especializada do assistente social enquanto trabalhador assalariado, o que representa um determinante fundamental na efetivação da autonomia do profissional. Supõe o ingresso de seu trabalho no reino social do valor de troca -, que incide inclusive no estabelecimento do valor prévio de sua força de trabalho -, mediado pelo qual se efetiva a objetivação do valor de uso dessa força de trabalho. Ele se expressa no trabalho concreto exercido pelo Assistente Social, dotado de uma qualidade determinada, fruto de sua especialização no contexto da divisão técnica do trabalho. A condição de trabalhador assalariado, regulada por um contrato de trabalho, introduz um conjunto de novas mediações que não podem ser desconsideradas da análise do trabalho profissional, sob pena de se resvalar para uma análise a- histórica, ainda que em nome da tradição marxista. A condição assalariada envolve necessariamente a incorporação de parâmetros institucionais e trabalhistas que regulam as relações de trabalho consubstanciadas no contrato de trabalho, estabelecem as condições em que este trabalho se realiza em termos de intensidade, jornada, salário, controle do trabalho e de sua produtividade, metas a serem cumpridas, assim como prevê a particularização de funções e atribuições decorrentes da normatização institucional que regula a realização do trabalho coletivo no âmbito dos organismos empregadores, públicos e privados (2012, p. 44-45)

.

Para Iamamoto, na consolidação do projeto ético-político profissional é

imprescindível observar:

É de suma importância para a consolidação do projeto ético-político impulsionar um conhecimento criterioso do modo de vida e de trabalho - e correspondentes expressões culturais - dos segmentos populacionais atendidos, criando um acervo de dados sobre as expressões da questão social nos diferentes espaços ocupacionais do assistente social. A aproximação com a população é uma das condições para permitir impulsionar ações inovadoras no sentido de reconhecer e atender às efetivas necessidades dos segmentos subalternizados. Caso contrário, o assistente social poderá dispor de um discurso de compromisso ético-político com a

população, sobreposto a uma relação de estranhamento perante essa população, reeditando programas e projetos alheios às suas necessidades, ainda que em nome do compromisso (2012, p. 56-57).

Em artigo de mais de duas décadas, Netto já analisava as transformações

societárias e os rumos que o Serviço Social percorreria a partir dos anos de 1990,

apontando que o debate profissional caminharia, em um curto/médio prazos, em torno

da direção social que se afirmou nas décadas de 80 e 90. Mas ressaltou que “o que

estará no centro da polêmica profissional será a seguinte questão: manter, consolidar

e aprofundar a atual direção estratégica ou contê-la, modificá-la e revê-la” (1996, p.

117).

O desafio do Serviço Social na consolidação do projeto profissional na

contemporaneidade percorre não só a busca pela requisição de uma nova história,

mas também a demanda teórico-acadêmica-profissional e político-profissional, a

concretização da direção social que se concentra no projeto ético-político profissional,

investimentos em pesquisa e a construção de uma nova história para o Serviço Social,

pautada nas demandas e nas novas requisições profissionais em que os assistentes

sociais estão inseridos. Além disso, essa perspectiva de problematização sobre as

requisições colocadas à teorização foi formulada por Netto (2016) no contexto das

comemorações dos oitenta anos do Serviço Social no Brasil.

Em concordância com suas análises, entende-se que o debate profissional se

condensa no desenvolvimento do plano ideo-político, sobre as matrizes da cultura

profissional que se constituíram ao longo da trajetória do Serviço Social, no

adensamento dos anos de 1980 e que sustentam a direção social norteada pela teoria

marxista. Nesse sentido, Netto afirma que

[...] É exatamente aí que o conservadorismo e as proposições pós-modernas se dão as mãos: o combate e a crítica ao ideal de socialidade posto pelo programa da modernidade jogam claramente no sentido de desqualificar a direção social que se constituiu contra o conservadorismo. Eis porque, aqui, investir na pós-modernidade é também levar agua ao moinho do conservadorismo (1996, p. 118).

Netto aponta, “assim, se a prospecção que faço é correta, a curto prazo o

principal embate no terreno do Serviço Social terá um conteúdo nitidamente ideo-

político, mas embutido na polemica teórico-epistemológica e operativa” (1996, p. 119,

grifos do autor).

2.2 A formação em Serviço Social na perspectiva do projeto ético-político

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