PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
SARAH MEDEIROS AVELAR
FORMAÇÃO PROFISSIONAL, FUNDAMENTOS DO SERVIÇO
SOCIAL E OFENSIVA CONSERVADORA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR
– a expansão dos cursos de Serviço Social no Estado de Goiás
GOIÂNIA
2019
FORMAÇÃO PROFISSIONAL, FUNDAMENTOS DO SERVIÇO
SOCIAL E OFENSIVA CONSERVADORA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR
– a expansão dos cursos de Serviço Social no Estado de Goiás
Dissertação defendida no Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu - Mestrado em
Serviço Social da Pontifícia Universidade
Católica de Goiás, como requisito parcial para
a obtenção do título de mestre em Serviço
Social, sob a orientação da Prof.ª Dra. Sandra
de Faria.
GOIÂNIA
2019
A948f Avelar, Sarah Medeiros
Formação profissional, fundamentos do serviço social e ofensiva conservadora na educação superior
: a expansão dos cursos de serviço social no Estado de Goiás /
Sarah Medeiros Avelar.-- 2019. 129 f.: il.
Texto em português, com resumo em inglês
Dissertação (mestrado) -- Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Escola de Ciências Sociais e da Saúde, Goiânia, 2019
Inclui referências: f. 91-96
1. Serviço social - Estudo e ensino - Goiás (Estado).
2. Ensino superior. 3. Privatização. 4. Conservantismo. I. Faria, Sandra de. II. Pontifícia Universidade Católica de Goiás - Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
- 2019. III. Título.
SARAH MEDEIROS AVELAR
FORMAÇÃO PROFISSIONAL, FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL E
OFENSIVA CONSERVADORA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR – a expansão dos
cursos de Serviço Social no Estado de Goiás, seu escopo e funcionamento
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________________________
Profa. Dra. Sandra de Faria
Orientadora
_______________________________________________________
Profa. Dra. Carla Agda Gonçalves
UFG
_______________________________________________________
Profa. Dra. Eliane Marques de Menezes Amicucci
PUC Goiás
_______________________________________________________
Suplente Profa. Dra. Maísa Miralva Silva
PUC Goiás
Suplente
Ao Serviço Social, profissão pela qual
tenho profunda admiração e carinho; aos
meus pais, João e Cely; e à minha
orientadora, Sandra.
Agradeço ao meu pai João Avelar e à minha mãe Cely: sem eles, nada disso
seria possível. Agradeço pelos momentos bons e os difíceis, o consolo, o carinho, as
preocupações e o amor incondicional me oferecido durante toda a minha vida.
Obrigada pela dádiva da vida.
Agradeço à toda a minha família o carinho, o conforto e o apoio dados neste
momento, especialmente minha tia Katiuscia, meu tio Diógenes e minha prima Lara,
que me acompanharam e deram a força e o apoio necessários desde o início.
À minha orientadora Sandra de Faria, pessoa única que me apoiou em todos
os momentos deste processo, não só como orientadora, mas como a amiga e a
companheira que se tornou ao longo do nosso trajeto. Agradeço o aprendizado de
cada orientação (que, na verdade, a cada dia e a cada orientação, foram aulas sobre
o Serviço Social), o respeito, a confiança, a paciência e a dedicação mesmo nos
momentos mais delicados e difíceis. Foi a sua orientação criteriosa que me levou a
superar os limites, tornando possível a realização desta pesquisa.
Às professoras Dra. Carla Agda e Dra. Eliane, que aceitaram o compromisso
de compor a minha banca de qualificação e defesa, meu muito obrigada pela
dedicação e o carinho confiados a mim e ao meu trabalho.
Aos professores do Mestrado em Serviço Social da PUC Goiás: Dra. Denise
Carmen de Andrade Neves, Dra. Lucia Maria Moraes, Dra. Maísa Miralva da Silva,
Dra. Maria Conceição Sarmento Padial Machado, Dra. Maria José Pereira Rocha
–
meus agradecimentos.
Também agradeço aos Professores da Graduação em Serviço Social da PUC
Goiás, responsáveis pela minha formação, em especial: Profa. Antônia Maria N.
Moreira Cruvinel, Profa. Danielli da Silva Borges Reis, Profa. Wanessa Batista Mello,
Prof. Athos Magno, Profa. Carmen Regina Paro.
À Profa. Carmen Regina Paro, minha supervisora no Estágio de Docência
realizado na PUC Goiás, meu carinho e admiração pela competência e determinação
como pessoa e como docente na coordenação do curso de Serviço Social da PUC
Goiás.
Agradeço à Alessandra, secretária do Mestrado em Serviço Social da PUC
Goiás, que tantas vezes me ouviu e ajudou da melhor forma possível, com atenção,
Serviço Social da PUC Goiás; aos colegas da minha turma de Mestrado (2017):
Annaterra, Daiane, Claudete, Josiene, Elvira, Maria Gomes, Tamara, Patrícia, Édar e
Ubaldo; e aos colegas da turma de 2018, com quem tenho enorme carinho e afinidade,
em especial: Nayara, Juraildes, Mairon e Mariane. Ainda, agradeço às amigas do
Mestrado em História da UFG, amizades que fiz no percurso desta pesquisa:
Jaqueline e Maria Elisa.
Meus agradecimentos a todos os meus amigos e amigas de Palmeiras de
Goiás, onde passei minha infância e adolescência, aos amigos de Goiânia e às
amizades que construí ao longo desse tempo em diversos lugares do país e que, de
alguma forma, sempre estiveram presentes para me apoiar, ajudar e dar forças para
seguir em algum momento desses dois anos e meio de mestrado.
À minha psicóloga Vanessa Faria, que esteve me acompanhando e dando todo
apoio psicológico e emocional nesse tempo, agradeço seu carinho e dedicação
durante todo o período do mestrado.
Ademais, não poderia aqui deixar de agradecer às pessoas que estiveram ao
meu lado me apoiando e incentivando nos diversos momentos e sensações que esta
pesquisa me proporcionou: Mirian, Cristina, Jaqueline, Marjorie, Nayara, Juraildes.
Sem o apoio de vocês este trabalho não seria possível. Muito Obrigada!
Compartilho este trabalho com todas as pessoas que, direta ou indiretamente,
colaboraram para a sua realização e que, de algum modo, estiveram presentes em
suas várias etapas. Certamente, essa presença contribuiu para que as dificuldades
enfrentadas fossem vivenciadas em um clima de amizade e profissionalismo.
O objeto deste estudo é o exame dos fundamentos históricos e teórico-metodológicos
do Serviço Social na perspectiva propugnada no projeto de formação profissional
expressado nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de 1996, da Associação
Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), em um contexto de
ofensiva do conservadorismo na educação superior. Esta dissertação defendida no
Mestrado em Serviço Social da PUC Goiás vincula-se à linha de pesquisa em Teoria
Social e Serviço Social. Os fundamentos são conteúdos essenciais para apreender a
profissão e sua história, a conjuntura em que a profissão emergiu no Brasil e a
trajetória que percorreu de construção e materialização do projeto ético-político e
profissional. O que se propôs na pesquisa e em sua exposição foi mais do que um
resgate cronológico, factual e muitas vezes linear. Tratou-se de examinar, na
conjuntura e atualidade, em que medida o ensino dos fundamentos está inserido nas
matrizes curriculares das instituições de ensino e concebido como parte fundamental
da formação profissional na graduação. A ofensiva conservadora e neoliberal na
educação superior e no Serviço Social se concretiza na formação profissional por
intermédio da expansão dos cursos de Serviço Social no país e no Estado de Goiás,
com evidências de deformação e/ou fragmentação dos fundamentos crítico-históricos
e de forte apelo aos valores do neoconservadorismo
Palavras-Chave: Fundamentos do Serviço Social. Educação Superior. Privatização.
Mercantilização. Conservadorismo.
The object of this study was to examine the historical and theoretical-methodological
foundations of Social Work from the perspective proposed in the vocational training
project expressed in the National Curriculum Guidelines (DCN) of 1996, of the Brazilian
Association of Teaching and Research in Social Work (ABEPSS), in a context of
conservative offensive in higher education. The dissertation defended in the Master in
Social Work at PUC GOIÁS is linked to the Social Theory and Social Work Research
line. The fundamentals are essential contents to apprehend the profession and its
history, the conjuncture in which the profession emerged in Brazil and the trajectory
that followed the construction and materialization of the professional political ethical
project. What was proposed in the research and its exposition was more than a
chronological, factual and often linear rescue, it was a question of examining, at the
conjuncture and actuality, the extent to which the teaching of the fundamentals is
inserted in the curricular matrices of educational and educational institutions.
Conceived as a fundamental part of undergraduate vocational training. The
conservative and neoliberal offensive in Higher Education and Social Work is
materialized in Vocational Training through the expansion of Social Work courses in
the country and the State of Goiás, with evidence of deformation and / or fragmentation
of critical historical foundations and strong appeal to neoconservative values
Keywords: Fundamentals of Social Work. College education. Privatization.
Conservatism.
Quadro 1 – Instituições de Ensino Superior / Serviço Social - Modalidade Presencial
– Goiás. ... 77
Quadro 2 – Instituições de Ensino com turmas em andamento em Goiás ... 79
Quadro 3 – IES que ofertam o Curso de Serviço Social na Modalidade Ead em Goiás
... 82
Quadro 4 – Vagas anuais dos cursos de Serviço Social em Goiás ... 84
ABESS
Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social
ABEPSS
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Políticas
Sociais e Serviço Social
CEDEPSS
Centro de Documentação e Pesquisa em Serviço Social
CEUCLAR
Centro Universitário Claretiano
CF
Constituição Federal
CFESS
Conselho Federal de Serviço Social
CNE
Conselho Nacional de Educação
CRESS
DCN
Conselho Regional de Serviço Social
Diretrizes Curriculares Nacionais
EaD
Ensino a Distância
ENESSO
Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social
FACCIDADE
Faculdade Cidade de Aparecida de Goiânia
FAC–MAIS
Faculdade de Inhumas
FACUNICAMPS Faculdade Unida de Campinas
FAMA
Faculdade Metropolitana de Anápolis
FAN PADRÃO
Faculdade Noroeste Padrão
FANAP
IES
Faculdade Nossa Senhora Aparecida
Instituição de Ensino Superior
IFES
Instituições Federais de Ensino Superior
IPO
Initial Public Offering
IUESO
Instituto Unificado de Ensino Superior Objetivo
LDB
Lei de Diretrizes e Base da Educação
LDBEN
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC
Ministério da Educação
UAB
Universidade Aberta do Brasil
UCDB
UFG
Universidade Católica Dom Bosco
Universidade Federal de Goiás
UNESA
Universidade Estácio de Sá
UNESCO
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura
UNIASSELVI
Centro Universitário Leonardo da Vinci
UNICESUMAR
Centro Universitário de Maringá
UNICSUL
Universidade Cruzeiro do Sul
UNIDERP
Universidade Anhanguera
UNIGRAN
Centro Universitário da Grande Dourados
UNINTER
Centro Universitário Internacional
UNIP
Universidade Paulista
UNIPLAN
Centro Universitário Planalto do Distrito Federal
UNISUL
Universidade do Sul de Santa Catarina
UNIVERSO
Universidade Salgado de Oliveira
UNOPAR
PUC GOIÁS
Universidade Norte do Paraná
INTRODUÇÃO ... 12
1 A FORMAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E O ENSINO DOS FUNDAMENTOS
SÓCIO-HISTÓRICOS E TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA PROFISSÃO ... 18
1.1 O pensamento conservador e seus fundamentos ... 21
1.2 Pensamento conservador, conservadorismo e Serviço social ... 36
2 FUNDAMENTOS HISTÓRICO-CRÍTICOS DO PROJETO DE FORMAÇÃO DAS
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL (ABEPSS) DE 1996 ... 48
2.1 Dimensões históricas e teórico-metodológicas do projeto de formação
profissional na perspectiva de ruptura com o conservadorismo ... 48
2.2 A formação em Serviço Social na perspectiva do projeto ético-político
profissional ... 53
3 O SERVIÇO SOCIAL E A OFENSIVA CONSERVADORA NA EDUCAÇÃO
SUPERIOR – A DIREÇÃO DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM XEQUE? ... 62
3.1 A ofensiva conservadora e neoliberal na educação superior e no Serviço Social
... 68
3.2 A formação profissional e a expansão dos cursos de Serviço Social no Estado
de Goiás – a deformação e/ou fragmentação dos fundamentos crítico-históricos e
o neoconservadorismo ... 75
3.2.1 Formação profissional e os cursos ofertados no Estado de Goiás na
modalidade presencial ... 76
3.2.2 Formação profissional e os cursos ofertados no Estado de Goiás na
modalidade ensino à distância ... 82
CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 87
REFERÊNCIAS ... 91
INTRODUÇÃO
O objeto de estudo desta dissertação é o exame dos fundamentos históricos e
teórico-metodológicos do Serviço Social na perspectiva propugnada no projeto de
formação profissional das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) de 1996, da
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), em um
contexto de ofensiva do conservadorismo na educação superior. Esta dissertação
vincula-se à linha de pesquisa em Teoria Social e Serviço Social do Mestrado em
Serviço Social da PUC Goiás.
O interesse pelo tema pesquisado partiu da disciplina Seminário Temático
sobre os Fundamentos Históricos e Teórico-Metodológicos do Serviço Social, ofertada
no Mestrado em Serviço Social da PUC Goiás. Após a apresentação do Seminário
para os alunos da instituição, surgiu, inicialmente, o interesse em pesquisar como é
apresentada e ministrada a disciplina de Fundamentos nos cursos presenciais das
instituições de ensino superior de Goiás, levando em conta o fato de ser ela uma
matéria basilar na formação profissional do assistente social. Posteriormente, surgiu
a necessidade de expandir a pesquisa para a modalidade de educação à distância e
a pesquisa das matrizes curriculares e dos projetos político-pedagógicos dos cursos.
A investigação que integra a dissertação tem por pressuposto a concepção
estabelecida nas DCN da ABEPSS de que os fundamentos históricos e
teórico-metodológicos do Serviço Social direcionam a formação profissional do assistente
social no Brasil, tendo por eixo o contexto histórico e a concepção de profissão e
trabalho como categorias centrais na questão social fundada no antagonismo entre
capital e trabalho.
Nesse sentido, os fundamentos são conteúdos essenciais para apreender a
profissão e sua história, a conjuntura em que ela emergiu no Brasil e a trajetória que
percorreu de construção e materialização do seu projeto ético-político profissional. O
que se propôs na pesquisa e em sua exposição é mais do que um resgate cronológico,
factual e muitas vezes linear. Propôs-se examinar, na conjuntura e atualidade, em que
medida o ensino dos fundamentos é inserido nas matrizes curriculares das instituições
de ensino e concebido como parte fundamental da formação profissional na
graduação.
formação de um perfil profissional na direção social estratégica assumida pelo Serviço
Social no Brasil, nos marcos da ruptura com o conservadorismo e o tradicionalismo,
direção social que desenvolveu, na profissão, importantes e significativas mudanças,
ganhando força nas duas últimas décadas do século XX.
Em uma década, a de 1980, gestou-se e se desenvolveu uma determinada direção social no campo do Serviço Social – direção que, produto de esforços coletivos e sendo substantivamente inovadora, conquistou uma clara hegemonia formal e se constituiu, em meados da década seguinte, no que foi depois designado como o projeto ético-político do Serviço Social. Deste projeto é possível dizer que nele se condensa a direção social que se propôs para a formação e as práticas profissionais dos assistentes sociais brasileiros. (NETTO, 2016, p. 62)
No debate e na teorização acumulados na área de Serviço Social,
construíram-se as análiconstruíram-ses críticas das propostas de renovação profissional apreendidas por Netto
em dois patamares:
Neste momento da evolução da perspectiva da intenção de ruptura são discerníveis dois patamares. O primeiro – que, grosseiramente vai até a abertura dos anos oitenta – se constrói especialmente como uma análise crítica das principais propostas de renovação profissional; em geral, trata-se de estudos que resgatam o projeto da ruptura em formulações latino-americanas e/ou submetem à discussão propostas modernizadoras. Vista no seu conjunto, esta produção – na qual é notável a influência das ideias da Prof.ª Miriam Limoeiro Cardoso – opera uma análise textual de propostas profissionais, com nítidos objetivos de clarificação epistemológica e desnudamento ideológico; o seu salto positivo principal, para além de outros ganhos, foi recolocar no centro do debate profissional o projeto de ruptura: através destas elaborações, retornam (ou ingressam) no universo ideal dos assistentes sociais (com uma nova força) temáticas que afetam o tradicionalismo e resgatam a projeção do rompimento. O segundo patamar beneficia-se desses ganhos e ergue-se sobre esse acumulo, mas já conta com uma oxigenação diferente: cobrindo o primeiro terço da década de oitenta, capitaliza a precipitação da crise da ditadura e a sua ultrapassagem, com toda a movimentação social que a acompanha e todos os seus rebatimentos na universidade e na categoria”. O cariz diferencial desse patamar (que, insista-se, articular-se sobre os ganhos do anterior) está em que, sem abandonar a abordagem critico-analítica afirmada antes, avança para elaborações critico-históricas mais abrangentes, apoiadas nomeadamente no recurso a concepções teórico-metodológicas colhidas em suas fontes originais. (2011, p. 265).
Nos dois patamares analisados por Netto, elaboraram-se os pilares ou, mais
precisamente, os fundamentos de uma concepção teórico-metodológica da profissão,
que possibilitaram o desenvolvimento de uma interpretação que demonstrou o seu
significado social enquanto especialização do trabalho coletivo, inserido na divisão
social e técnica do trabalho. Esse acúmulo nas formulações sobre o Serviço Social
reafirmou a importância da obra de Iamamoto e Carvalho (de 1982) para o Serviço
Social brasileiro, uma referência inaugural e clássica dessa interpretação
sócio-histórica da profissão
1. Na reflexão de Netto (2016), a obra de Iamamoto e Carvalho
apreende esse significado histórico da gênese da profissão bem como outros
significados maiores:
Entendo (como adiantei na nota22) que na base dessa direção social ocupa lugar significativo a concepção de Serviço Social e da sua história que se refratou nas tantas vezes citada na obra de Iamamoto e Carvalho: a posição ali sustentada em face do passado e do presente é parte integrante e inalienável da cultura profissional que desaguou no projeto ético-político. Esta me parece ser, entre tantas outras, uma prova cabal de como a reprodução teórica da história incide na construção do presente e do futuro. (NETTO, 2016, p.63)
Na perspectiva apreendida da análise de Netto, trata-se de afirmar que os
fundamentos históricos e teórico-metodológicos estão na base da criação das
Diretrizes Curriculares de 1996, da ABEPSS, que nortearam a formação profissional
desde então, na medida em que são conteúdos de uma perspectiva de totalidade da
profissão, de sua gênese, história e sua trajetória sócio-profissional no contexto
nacional e internacional. Donde se apreende que os fundamentos históricos e
teóricos-metodológicos do Serviço Social ordenam a formação acadêmica do
estudante no curso, tendo por eixo a nucleação das Diretrizes Curriculares Gerais
para o curso de Serviço Social.
Desta forma, entende-se que a efetivação de um projeto de formação profissional remete, diretamente, a um conjunto de conhecimentos indissociáveis, que se traduzem em NÚCLEOS DE FUNDAMENTAÇÃO constitutivos da formação profissional. São eles: 1- Núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social; 2- Núcleo de fundamentos da particularidade da formação sócio-histórica da sociedade brasileira; 3- Núcleo de fundamentos do trabalho profissional. (ABEPSS, 1996, p.8)
A investigação sobre a formação profissional e os fundamentos do Serviço
Social em tempos de ofensiva conservadora contra a educação superior tem por
hipótese a diretriz de que a expansão dos cursos de Serviço Social, sobretudo
1 A obra de Iamamtoto e Carvalho (1982), Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboços de uma
interpretação histórico-metodológica, é base fundamental para estudo e aprofundamento da história do Serviço Social, das relações de classes no Brasil. É uma obra seminal no debate profissional na década dos anos 80: “É sintomático que o best-seller profissional de toda a década de oitenta tenha sido o pioneiro e exemplar trabalho de Iamamoto e Carvalho”. (NETTO, 1996, p.113).
daqueles inseridos na lógica privatista mercantil, favorecem a apropriação negligente,
enviesada, no limite esvaziada dos fundamentos históricos e teórico-metodológicos
da profissão e os determinantes socioeconômicos de sua origem e desenvolvimento
no contexto do capitalismo monopolista, no sentido dos conteúdos postulados pela
ABEPSS para os núcleos dos fundamentos previstos nas Diretrizes Curriculares
Nacionais de 1996.
Trata-se das tendências de abrandamento, deformação e ou fragmentação dos
conteúdos da história e do lugar original e central dos fundamentos conservadores e
tradicionais na gênese do Serviço Social no Brasil, enraizados nas bases da Igreja
Católica e no tradicionalismo imposto à profissão, assim como dos movimentos
profissionais relacionados à ruptura com o conservadorismo.
Ou seja, isso justifica os objetivos norteadores desta pesquisa, quais sejam: o
de analisar como se apresentam os fundamentos históricos e teórico-metodológicos
na matriz curricular dos cursos de Serviço Social do Estado de Goiás na perspectiva
da formação profissional em tempos de ofensiva conservadora contra a educação
superior; o de examinar os conteúdos sobre o ensino dos fundamentos nos cursos de
graduação, sua relação com a lógica da formação profissional comprometida com a
dinâmica da vida social e a realidade sócio-institucional, e os processos de trabalho
como questão central da produção e reprodução cotidiana vivenciada no trabalho
profissional; e o de apreender as tendências no ensino dos fundamentos históricos e
teórico- metodológicos nos cursos de Serviço Social ofertados nas instituições de
educação superior do Estado de Goiás.
A metodologia da pesquisa desenvolvida é de natureza bibliográfica e
documental, com prioridade para a análise do pensamento conservador e suas
expressões contemporâneas. Foram desenvolvidos os procedimentos para a coleta
de dados documentais sobre a expansão dos cursos de Serviço Social no Estado de
Goiás, o seu escopo e funcionamento, com base em fontes documentais impressas e
on line.
Do ponto de vista dos procedimentos metodológicos, a investigação sobre as
Instituições de Ensino Superior (IES) que ofertam o curso de Serviço Social
possibilitou mapear e analisar as suas respectivas matrizes curriculares, com a
sistematização dos dados coletados sobre os cursos de Serviço Social ofertados na
modalidade presencial e à distância (total e parcial) em Goiás.
Em Goiás, existem 13 IES que ofertam o curso de Serviço Social na modalidade
presencial e 29 que ofertam o curso na modalidade à distância (EaD), totalizando 42
IES que ofertam o curso de Serviço Social, com 133.001 vagas ofertadas anualmente.
Foram pesquisadas todas as Matrizes Curriculares e os respectivos Projetos
Políticos Pedagógicos disponibilizados nos sites de domínio público dessas
instituições de ensino superior nas modalidades presencial e à distância. Apenas três
IES - a PUC Goiás, a UFG e a FACCIDADE - têm (ou tinham) disponíveis os Projetos
Político- Pedagógicos do curso bem como o ementário das disciplinas ofertadas nos
cursos de Serviço Social na modalidade presencial. Na modalidade EaD, foram
encontrados nos sites de domínio público: da UNISUL, um guia do aluno; na
UNIVERSO, informações para o aluno; e, nas IES administradas pelo grupo Laureate
(UNIFACS e UNP), um guia de curso para os alunos.
Ainda, foram pesquisados dados sobre as IES que ofertam curso de Serviço
Social em Goiás nos sites do Ministério da Educação (e-MEC) e Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
– INEP. Constatou-se que os
dados disponibilizados na plataforma do e-MEC são desencontrados e desatualizados
quando comparados com os dados disponibilizados pelas IES. Por exemplo, dados
referentes à carga horária, modalidade de ensino, cursos iniciados têm diferenciação
se comparados.
A dissertação compreende as seguintes seções expositivas: introdução, três
capítulos, considerações finais, referências e apêndices.
No primeiro capítulo, sobre a
“Formação em Serviço Social e os
fundamentos sócio-históricos e teórico-metodológicos da profissão”, apreende-se o
pensamento conservador contemporâneo e a vinculação histórico-genérica desse
pensamento com as ciências sociais, descrevendo as contradições e mutações
abordadas no decorrer dos séculos sobre o conservadorismo até sua relação direta
com a teoria marxista, como nos apresenta ESCORSIM NETTO.
As obras de Escorsim Netto (2011), Coutinho (2010), Iamamoto e Carvalho
(2014), Iamamoto (2013), Netto (2011b), Martinelli (2000) Maranhão (2016) foram
essenciais para refletir sobre os conteúdos da história e o lugar original e central dos
fundamentos conservadores e tradicionais na gênese do Serviço Social no Brasil e
suas expressões na atualidade. Entender o pensamento conservador e o que ele
representa na sociedade capitalista é também compreendê-lo como uma unidade
constituída por diversidades.
No segundo capítulo, na abordagem sobre os
“Fundamentos
Histórico-Críticos do Projeto de Formação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Associação
Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS)”, de 1996,
compreendem-se as dimensões históricas e teórico-metodológicas do projeto de
formação profissional e a direção social do Serviço Social reafirmada no projeto
ético-político. O capítulo analisa a importância da implementação das DCN da ABEPSS, o
tensionamento e a desconfiguração causados pelo Conselho Nacional de Educação
(CNE) em 2001.
Nas análises desenvolvidas, ressalta-se a importância dos fundamentos em
todas as dimensões profissionais, localizados no centro do debate da formação
profissional em Serviço Social, seja na modalidade à distância ou presencial, vez que
uma tem relação direta com a outra no que se refere à precarização do ensino superior
e à regressividade nas relações sociais democráticas e na garantia dos direitos
sociais. Nesse contexto é que se agudiza a crise da universidade pública como parte
da ofensiva privatista mercantil na educação superior.
O último capítulo - “Serviço Social e ofensiva conservadora na Educação
Superior – a direção da formação profissional em xeque?” - compreende a análise do
contexto histórico de renovação do Serviço Social e apreende o avanço acadêmico
conquistado no Brasil. Além disso compreende a formação profissional em tempos de
ofensiva conservadora na educação superior no Brasil, a criação de cursos na
modalidade à distância, o fortalecimento do ensino privado e o posicionamento do
conjunto ABEPSS, CFESS, CRESS e ENESSO.
Analisa também a expansão de IES privadas a partir da abertura de capital
na bolsa de valores, as consequências causadas na educação pública e o processo
de financeirização e mercantilização com base na massificação da Educação no
Brasil.
1 A FORMAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E O ENSINO DOS
FUNDAMENTOS
SÓCIO-HISTÓRICOS
E
TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA PROFISSÃO
O surgimento do Serviço Social no cenário internacional passou pela união do
Estado, burguesia e igreja como um “bloco político” com a finalidade de controlar as
manifestações da classe operária na luta pelos seus direitos políticos e sociais. Como
resultado desse bloco político, destaca-se o surgimento da Sociedade de Organização
da Caridade, no ano de 1869, na cidade de Londres, com a finalidade de regulamentar
a prática da assistência, fazendo surgir assim um esboço da profissão,
Burguesia, Igreja e Estado uniram-se em um compacto e reacionário bloco político, tentando coibir as manifestações dos trabalhadores euro-ocidentais, impedir suas práticas de classe e abafar sua expressão política e social. Na Inglaterra, o resultado material e concreto dessa união foi o surgimento da Sociedade de Organização da Caridade em Londres, em 1869, congregando os reformistas sociais que passavam agora a assumir formalmente, diante da sociedade burguesa constituída, a responsabilidade pela racionalização e pela normatização da pratica da assistência. Surgiram, assim, no cenário histórico os primeiros assistentes sociais, como agentes executores da prática da assistência social, atividade que se profissionalizou sob a denominação de “Serviço Social” (MARTINELLI, 2000, p. 66).
Ou seja, surge uma profissão fundada na junção do Estado, Igreja e burguesia
sob a égide do capitalismo, desenvolvida sob um conjunto implícito de contradições e
de alienação a serviço do capital:
uma profissão que nasce articulada com um projeto de hegemonia do poder burguês, gestada sob um manto de uma grande contradição que impregnou suas entranhas, pois produzida pelo capitalismo industrial, nele imersa e com ele identificada “como a criança no seio materno” (Hegel,1978, 405; 228), buscou afirmar-se historicamente – sua própria trajetória o revela – como uma prática humanitária, sancionada pelo Estado e protegida pela Igreja, como uma mistificada ilusão de servir (MARTINELLI, 2000, p. 66).
Nesse sentido, compreende-se que
As condições peculiares que determinaram seu surgimento como fenômeno histórico, social e como atividade profissional, e em que se produziram seus primeiros modos de aparecer, marcaram o Serviço Social como uma criação típica do capitalismo, por ele engendrada, desenvolvida e colocada permanentemente ao seu serviço, como uma importante estratégia de controle social, uma ilusão necessária juntamente com muitas outra ilusões por ela criadas, garantindo-lhe a efetividade e a permanência histórica. O
Serviço Social já surge, portanto, no cenário histórico, com uma identidade atribuída, que expressava uma síntese das práticas pré-capitalistas – repressoras e controlistas – e dos mecanismos e estratégicas produzidos pela classe dominante para garantir a marcha expansionista e a definida consolidação do sistema capitalista (MARTINELLI, 2000, p. 66-67).
Essa origem marcada pela hegemonia do poder da burguesia servindo ao
capital como estratégia de controle social fez prevalecer uma profissão marcada pelo
modo de ser capitalista, isto é, com identidade atribuída a práticas capitalistas, embora
mascarada como prática a serviço da classe trabalhadora.
Fetichizado misticamente como uma prática a serviço da classe trabalhadora, o Serviço Social era, pois, na verdade, um importante instrumento da burguesia, que tratou de imediato de consolidar sua identidade atribuída, afastando-o da trama das relações sociais, do espaço social mais amplo da luta de classes e das contradições que as engendram e são por elas engendradas (MARTINELLI, 2000, p. 67).
Assim se construiu uma mediação no mínimo contraditória entre as demandas
do capital e as do trabalho, proporcionando aos trabalhadores uma ilusão de terem
suas necessidades atendidas, uma fantasia criada pelo capitalismo para mascarar o
seu real sentido. Nas análises de Iamamoto, “as características ressaltadas do
pensamento conservador encontram-se profundamente enraizadas no discurso e na
prática profissional, tornando-se parte integrante da configuração da profissão” (2013,
p.33).
No Brasil o surgimento da profissão se dá em um determinado momento
histórico, conforme analisam Iamamoto e Carvalho:
O Serviço Social surge num momento em que o modo de produção capitalista define a sociedade em que a Igreja se insere. É também um momento em que a ideologia das classes dominantes não é mais a Igreja. Não é mais ela que cria e difunde a ideologia dominante. Esta passa a ser produzida e difundida por outras instâncias da Sociedade Civil e Política (2014, p. 242-243).
Essa origem da profissão sobreposta à relação de doutrinação social da Igreja
marca profundamente seu conteúdo e sua história. Conforme Iamamoto,
“incorpora-se o princípio da solidariedade como diretriz ordenadora das relações sociais, em
tensão com seus fundamentos históricos concretos” (2013, p. 30), passando, assim,
um pensamento invertido nas relações sociais.
É importante destacar que, na base desse conservadorismo, há um componente utópico assimilado pelo Serviço Social, fruto desse universo teórico, balizado pela filosofia humanista cristã. A comunidade ressurge aí como utopia, nos quadros de um reformismo conservador e orienta a ação profissional (IAMAMOTO, 2013, p.30).
Nos estudos supramencionados, os autores atentam para os fundamentos
históricos e teóricos-metodológicos em uma perspectiva de totalidade da profissão,
sua gênese, história e trajetória sócio-profissional, nos âmbitos nacional e
internacional, distintos dos fundamentos do pensamento conservador expresso na
teoria social positivista, objeto da crítica do movimento de reconceituação
latino-americano em patamar teórico analítico.
As obras de Escorssim Netto (2011), Coutinho (2010), Iamamoto e Carvalho
(2014), Iamamoto (2013), Netto (2011b), Martinelli (2000), Maranhão (2016) são
essenciais para refletir sobre os conteúdos da história e o lugar original e central dos
fundamentos conservadores e tradicionais na gênese do Serviço Social no Brasil e
suas expressões na atualidade. De maneira que entender o pensamento conservador
e o que ele representa na sociedade capitalista é também compreendê-lo como uma
unidade constituída por diversidades.
Iamamoto sintetiza o modus operandi do pensamento conservador como se
segue:
O conservador reage aos princípios universalizantes e abstratos do pensamento dedutivo: seu pensamento tende a aderir aos contornos imediatos da situação com que se defronta, valorizando os detalhes, os dados qualitativos, os casos particulares, em detrimento da apreensão da estrutura da sociedade. A mentalidade conservadora não possui predisposição para teorizar. Sendo a organização da sociedade vista como fruto de uma ordenação natural do mundo, o conhecimento visa a um controle prático das situações presentes. O conservador elabora seu pensamento como reação a circunstâncias históricas e ideais que se afiguram ameaçadoras à sua influência na sociedade. O conservadorismo torna-se consciente, no plano da reflexão, como defesa, decorrente da necessidade de armar-se ideologicamente para enfrentar o embate das forças oponentes (2013, p. 28).
Cabe realçar que as análises de Escorsim Netto na obra O conservadorismo
Clássico: elementos de caracterização e crítica (2011) e de Coutinho (2010) em O
Estruturalismo e Miséria da Razão (2010) são referenciadas neste capítulo por serem
consideradas de conteúdo essencial e indispensável para apreender o pensamento
conservador contemporâneo e a vinculação histórico-genérica entre esse pensamento
e as ciências sociais, abordando as contradições e as mutações ocorridas no tempo
sobre o conservadorismo até sua relação direta com a teoria marxista. (ESCORSIM
NETTO, 2011, p. 17).
1.1 O pensamento conservador e seus fundamentos
O conservadorismo, que advém do pensamento conservador e que parte da
palavra conservar (preservar, manter) a qual remete à preservação de coisas e ideais
ao longo do tempo, apresenta muitas formas e faces. Para Escorsim Netto, o
pensamento conservador é o “tempo e o espaço da configuração da sociedade
burguesa” (2011, p. 41). Um típico pensamento que não pode ser encontrado em
qualquer época ou qualquer sociedade, mas que é expressivo de um tempo e espaço
específicos. Para Marx, ele é uma configuração que representa uma “rica totalidade
de determinações e relações diversas” (MARX, 1982, p. 14 apud ESCORSIM NETTO,
2011, p. 41), operando transformações nas esferas e instâncias sociais. E, nas
análises de Iamamoto, “os conservadores são “profetas do passado
2” (2013, p. 25).
A fonte de inspiração do pensamento conservador provém de um modo de vida do passado, que é resgatado e proposto como uma maneira de interpretar o presente e como conteúdo de um programa viável para a sociedade capitalista (IAMAMOTO, 2013, p. 25).
Destarte, entender o pensamento conservador e o que ele representa na
sociedade capitalista é também compreendê-lo como uma unidade constituída por
diversidades.
O pensamento conservador moderno surgiu no mundo após a Revolução
Francesa. Conforme Escorsim Netto, “o pensamento conservador moderno – cuja
data de nascimento pode ser situada na relação com o Iluminismo e, em particular,
com as consequências da Revolução Francesa – apresenta inúmeras ou polimórficas
faces” (2011, p.9).
Uma das características próprias dos designados tempos conservadores,
avalia Escorsim Netto (2011) quando analisa o real significado do conservadorismo
denominado “clássico”, é a vinculação histórico-genética entre o pensamento
conservador e as ciências sociais.
2 Sobre os conceitos de historicismo, utilitarismo, racionalismo, irracionalismo, ver Coutinho (2010),
Um dos traços peculiares desses tempos conservadores é que uma constante (a postura de uma apologia direta ou indireta da sociedade burguesa) das ciências sociais – em grau variável nas suas várias especializações – adquiriu vigor renovado, mas que em nenhuma medida inflete a sua constituição e desenvolvimento: elas nascem e se desenvolveram no berço e no marco do conservadorismo; nelas, a inflexão só ocorreu quando (alguns) tentaram romper com os determinantes postos pela sua gênese. É necessário, de uma vez por todas, erradicar a falsa visão das ciências sociais como críticas progressistas (pensando-se o progressismo como ampliação e universalização de direitos políticos e sociais, vetor real de democratização) da sociedade. Ao contrário, salvo componentes de dissenso introduzidos por hereges de esquerda (e empregamos aqui o termo “esquerda” num sentido mais amplo), dissenso ele mesmo logo abafado, as ciências sociais operaram, historicamente, como suportes teórico-ideológicos da sociedade burguesa – nelas, o componente crítico sempre foi residual. O próprio destes tempos conservadores é que esta residualmente tem sido levada ao extremo” (ESCORSIM NETTO, 2011, p. 17).
O conservadorismo contemporâneo deita suas raízes nesse descrito “clássico”,
mas uma característica mais imediata e peculiar desse conservadorismo é que ele
não se apresenta como tal, escondendo suas raízes e conteúdos conservadores.
É evidente que o conservadorismo contemporâneo deita suas raízes no conservadorismo que, adiante nas páginas desse livro, caracterizei como “clássico”; é evidente, também, que o conhecimento deste último é fundamental para a crítica daquele. Não nos enganemos, porém: o conservadorismo contemporâneo apresenta inúmeros traços de que carece o conservadorismo “clássico” – e são tantos, que fazem da constelação conservadora atual algo bastante diverso daquela do século XIX. A característica mais imediata do conservadorismo contemporâneo, em relação ao que será objeto das páginas do presente livro, consiste em que ele não se apresenta como conservadorismo e, portanto, oculta e escamoteia sua raiz e seus conteúdos conservadores” (ESCORSIM NETTO, 2011, p. 16).
A cultura do pensamento conservador (cultura da modernidade) data do fim do
feudalismo, nas transformações ocorridas na Europa Ocidental entre os séculos XIV
e XVI, que exprimiram modificações a partir do surgimento de atividades comerciais,
formando a burguesia comercial e protagonizando a formação dos estados
absolutistas. Escorsim Netto, com as referências de Anderson (1989), analisa as
transformações dos estados absolutistas:
Como demonstrou o historiador inglês que acabamos de citar, o Estado absolutista conservou-se como superestrutura de uma sociedade feudal; com ele, a nobreza fundiária garantiu seu poder de opressão e exploração sobre o conjunto da sociedade. Todavia, o concurso da emergente burguesia, que logo deslocaria a sua riqueza (mobiliária) para o que seria a manufatura, e depois, a indústria, alterava substantivamente a condensação de forças de que este Estado se constituía (2011, p. 42).
A burguesia, no movimento de uma nova composição social, desencadearia o
desmoronamento dessa formação, quando a manufatura se desdobrou na
industrialização e na nova urbanização, perfazendo uma dinâmica de grandes
descobertas.
Porque a Revolução Industrial, ao contrário do que pode sugerir a denominação, implicou muito mais que um conjunto de mutações técnicas na forma de produzir bens e materiais – e a denominação pode ser equívoca se remeter somente a esse ponto. De fato, seu processo é o processo pelo qual
a burguesia opera a conquista da sua hegemonia econômica e social ainda nos quadros da sociedade feudal – hegemonia econômica: desenvolveu-se
no seu interior o capitalismo, com o capital subordinando o conjunto das novas e mais dinâmicas relações econômicas; hegemonia social: a sua cultura, a cultura da Modernidade, desloca as visões sociais de mundo até então imperantes”. (ESCORSSIM NETTO, 2011, p.42, grifo do autor).
Não se deve negar ou reduzir o caráter revolucionário que a Revolução
Industrial teve, mas compreender o que foi esse processo para relacionar e
compreender no que essa burguesia revolucionária se colocou como classe
antagônica no que se refere ao ponto de vista econômico-social. Esse é o processo
da revolução burguesa e, como afirma Escorsim Netto, “é na cultura da Modernidade
que [se] solda essa hegemonia” (2011, p.43).
É a indicação do processo geral da revolução burguesa:
Em verdade, o que estamos indicando é o processo geral da revolução burguesa, que ocorre aproximadamente, no Ocidente, entre os séculos XVI e XVII. A revolução política, que coroa este processo (Inglaterra 1688; França 1789), assinala que a hegemonia econômico-social se completa com a hegemonia política. Com a revolução política, a burguesia destrói o Estado feudal e molda o seu Estado (cuja primeira expressão jurídico-política acabada aparece no Código Napoleônico, de 1804) (ESCORSIM NETTO, 2011, p. 43-44).
Para Escorsim
Netto, “é precisamente este período de configuração da
sociedade burguesa que assiste ao surgimento do pensamento conservador” (2011,
p. 44) e dos seus autores fundantes, como Edmund Burke.
Edmund Burke, um dos autores fundantes da matriz ideológica do
conservadorismo, apresenta suas reflexões como resposta ao processo
revolucionário da França.
Edmund Burke (1729-1797) é considerado o maior representante do conservadorismo moderno, que se inicia em 1790, com a publicação das
suas Reflexões sobre a Revolução na França e sobre o Comportamento de Certas Comunidades em Londres com Relação a esse Acontecimento, nas quais está exposta a oposição entre conservação e inovação (VIEIRA, 1998, p. 36).
Burke é o autor da obra percursora do conservadorismo como resposta à
Revolução Francesa. O que Burke pretende analisar e colocar no centro de suas
análises sobre o desenvolvimento econômico capitalista, é, de acordo com Escorsim
Netto:
A tensão embutida no pensamento de Burke está em que, sem recusar o desenvolvimento da nova riqueza das nações (tal como o processo capitalista foi visto pelo seu amigo Adam Smith), recusa as suas necessárias implicações socioculturais. O alvo de Burke é a Ilustração: na Revolução, ele (corretamente, diga-se de passagem) vê o magistério de Rousseau, numa palavra, Burke quer a continuidade do desenvolvimento econômico capitalista sem a ruptura com as instituições sociais pré-capitalistas (o privilégio da família, as corporações, o protagonismo público-temporal da Igreja, a hierarquia social cristalizada etc.). E considera que a Revolução é a excrecência desnecessária que efetiva essa ruptura. Sinteticamente, poder-se-ia afirmar que Burke deseja o capitalismo sem a Modernidade (ESCORSIM NETTO, 2011, p. 45).
Entre 1830 e 1848, a chamada cultura burguesa passaria por uma crise ou um
movimento de refuncionalização cultural e tendeu a naturalizar, eliminar os conteúdos
subversivos da cultura moderna. Uma grande reviravolta político-ideológica colocou,
então, uma ruptura entre as relações do pensamento conservador com o pensamento
progressista, passando a definir, explicitamente, o conservadorismo como
contrarrevolucionário, afetando, por conseguinte, sua estrutura básica.
Na história da filosofia burguesa, é possível discernir – com relativa nitidez – duas etapas principais. A primeira, que vai dos pensadores renascentistas a Hegel, caracteriza-se por um movimento progressista ascendente, orientado no sentido da elaboração de uma racionalidade humanista e dialética. A segunda – que se segue a uma radical ruptura, ocorrida por volta de 1830-1848 –, é assinalada por uma progressiva decadência, pelo abandono mais ou menos completo das conquistas do período anterior, algumas definidas para a humanidade, como é o caso das categorias do humanismo, do historicismo e da razão dialética (COUTINHO, 2010, p.21).
Esse movimento foi caracterizado por Coutinho (2010) como o rompimento com
a tradição progressista.
Antes de prosseguir, trata-se de dissipar um possível mal-entendido. A ruptura que estamos analisando não se processa com a totalidade do pensamento anterior, mas sim com a tradição progressista que constituiu a
essência desse pensamento. Em muitos pontos, decerto, verifica-se uma relação de continuidade entre a filosofia da decadência e a filosofia burguesa da época revolucionária (2010, p. 23).
A refuncionalização em que a burguesia encontrou seu divisor de águas
rompia, assim, com a herança cultural. Segundo Coutinho,
Mas como poderíamos definir, em suas linhas mais gerais, essa tradição progressista? O capitalismo, em dado momento, representou – não só pelo plano econômico-social, mas também no cultural – uma extraordinária revolução na história da humanidade. Seu nascimento e explicitação implicavam a atualização de possibilidades apenas latentes na economia feudal desenvolvida, atualização que dependia, por sua vez, da dissolução e desintegração das relações feudais de produção, de suas formas de divisão do trabalho. Esse caráter objetivamente progressista do capitalismo permitia aos pensadores que se colocavam do ângulo do novo a compreensão do real como síntese de possibilidades e realidade, como totalidade concreta em constante evolução. Sem compromissos com a realidade imediata, os pensadores burgueses não limitavam a razão à classificação do existente, mas afirmavam seu ilimitado poder de apreensão do mundo em permanente devir (2010, p. 25).
Coutinho assinala, com Lukács (1967), os anos de 1830 - 1848 como o
momento do rompimento definitivo da burguesia com o progresso:
As revoluções de 1830 ainda as de 1848 – observa Lukács – atestam que a burguesia perdeu seu lugar frente ao progresso social. Em 1830, começa o processo de decomposição da filosofia burguesa clássica, que termina coma revolução de 1848” (1967, p.32 apud COUTINHO, 2010, p. 35).
As análises de Coutinho afirmam, sobre esse momento de rompimento, que,
A partir de então, as contradições capitalistas tornam-se explosivas; encarnação e produto dessas contradições, o proletariado surge na história como força social, autônoma, capaz de resolver em sentido progressista os limites e antinomias do sistema capitalista (2010, p. 35).
Os anos de 1830 a 1848 foram uma fase transicional para o pensamento
conservador, uma fase de metamorfoses no conservadorismo, uma ponte entre o
conservadorismo antiburguês e o conservadorismo antiproletário, em que dois
autores, Comte e Tocqueville, desenvolveriam suas obras principais.
Exemplificam esta metamorfose as preocupações de dois autores (de nível, aliás, muito diferente) que, com significado diverso, funcionam como “ponte” entre o conservadorismo antiburguês e o conservadorismo antiproletário, Comte e Toqueville, cujas obras principais produzem-se exatamente nesse
período de transição. Nenhum dos dois possui veleidades restauradoras; ambos se defrontam com um presente que lhes parece tão irreversível quanto ameaçador e tratam de elaborar as alternativas que possam conjurar ameaça: para Comte, um conhecimento positivo que permitia fundar uma religião da humanidade, garantidora da estabilidade social; para Toqueville, mais sensível à prática política, uma democracia controlada, que, combinando liberdade com igualdade, fosse uma democracia capaz de evitar a “tirania da maioria”. O antiliberalismo comteano e o liberalismo de Tocqueville, por mais distintos que sejam, voltam-se para a questão da ordem social (ESCORSIM NETTO, 2011, p. 50-51).
Nas mudanças que afetaram o pensamento conservador,
O quadro sociocultural pós-1948, como indicamos, será qualitativamente diverso do período anterior – e uma das alterações de monta é, repetimos, a mudança de função social do pensamento conservador, que perde em escala substantiva seus traços antiburgueses. Mas esta mudança, e também já o insinuamos, afeta a estrutura do pensamento conservador: alinhando-se agora na defesa da ordem burguesa contra a ameaça revolucionária-socialista, ele tende tanto a estruturar-se como filosofia social quanto conhecimento científico-social, seja sob a forma de ciência social, seja sob a forma de teoria política. Na filosofia social, o anticapitalismo romântico original do pensamento conservador se mesclará ao irracionalismo moderno, dando origem ao reacionarismo que sustentará a apologia indireta da ordem burguesa, exemplificado na obra de Nietzsche e de um Splenger (Lukács). Mas o irracionalismo não pode, aberta e expressamente, pretender uma ciência social – neste domínio, pela sua própria natureza, a destruição da razão (Lukács) tem seu lugar ocupado pela razão miserável (Coutinho), cuja primeira expressão acabada se encontra no positivismo cientificista da segunda metade do século XIX. É assim que o conservadorismo vai dar as mãos ao positivismo e, no pós-48, fundando as modernas ciências sociais, tornar-se-á um importante componente da cultura burguesa do período da decadência (Lukács) (ESCORSIM NETTO, 2011, p. 51).
Esses sinônimos sinalizados, a crise social e a revolução, centralizarão todo o
pensamento conservador no pós-1948, como analisa Escorsim Netto (2011, p. 52,
grifos do autor):
“estão na raiz da ciência social que é filha direta do conservadorismo
pós-48, a sociologia”.
Durkheim, em quem podemos encontrar uma expressão mais coerente do
pensamento conservador, uma construção no enfrentamento da questão social,
acredita que é necessário induzir à ação social consciente e planejada como forma de
dificultar a desintegração da sociedade burguesa.
O enfrentamento da questão social implica em reformas sociais que Durkheim advoga, que supõe, preliminarmente, uma reforma moral – eis por que, em Durkheim, a socialização dos indivíduos adquire estatuto tão decisivo: o papel da educação é central no pensamento durkheimiano. Na verdade, sociologia e educação são propostas de Durkheim para superar a crise da sociedade moderna (burguesa); a primeira permitirá a construção de uma moralidade capaz de dar caráter orgânico/harmônico à ordem social; a segunda
propiciará a internalização dessa moralidade pelos indivíduos (ESCORSIM NETTO, 2011, p. 5).
Nessa fase do processo do pensamento conservador, podemos constatar que
o anticapitalismo se torna residual, consequência da teorização sociológica desse
período, que se funda em contraposições à socialidade tradicional (pré-capitalista) e
à modernidade (capitalista).
O conservadorismo como objeto de reflexão da sociologia, um objeto de estudo
específico da sociologia, quando estudado exteriormente nas ciências sociais foi
chamado de sociologia do conhecimento. Escorsim Netto avalia:
Foi preciso aguardar os anos de 1950/1960 para que este panorama se alterasse significativamente. De uma parte, é então que, no interior da sociologia, surgem tendências que questionam a sua própria função social – é quando emergem, expressando transformações socioculturais, os embriões da sociologia crítica (2011, p. 71).
No cenário da concepção científico-sociológica da matriz conservadora,
Escorsim Netto (2011) destaca três autores importantes para análise: Mannheim,
Goldner e Nisbet, em que se especifica o conservadorismo como objeto de reflexão
sociológica. Embora assumam a abordagem do conservadorismo em si, o trato do
conservadorismo é diferente para os três, podendo se considerar paradigmas
diferentes em cada um.
Mannheim resgata o conservadorismo como objeto da sociologia do
conhecimento. Sob influência do pensamento de Weber, sua obra Ideologia e utopia
sintetiza o que é mais importante em suas concepções, não só as provenientes do
pensamento weberiano, mas também do historicismo e do marxismo.
Nota Karl Mannheim (1883-1947) que há dois tipos de conservadorismo: o conservadorismo natural, o mais universalista, aquele que Max Weber denominou “tradicionalismo”; e o “conservadorismo moderno” resultante das condições históricas e sociais, sendo mais particularista (VIEIRA, 1998, p. 35).
Mannheim compreende que
[...] A sociologia do conhecimento busca compreender o pensamento no contexto concreto de uma situação histórico-social, de onde só muito gradativamente emerge o pensamento individualmente diferenciado. Assim, quem pensa não são os homens em geral, nem tampouco indivíduos isolados, mas os homens em certos grupos que tenham desenvolvido um
estilo de pensamento particular em uma interminável série de respostas a certas situações típicas características de sua situação comum (MANNHEIM, 1976, p. 31, apud ESCORSIM NETTO, 2011, p.73).
Escorsim Netto afirma que
O propósito da sociologia mannheiminiana do conhecimento, portanto, consiste na identificação desses estilos de pensamentos, que só podem ser analisados a partir da “formulação genérica da concepção total de ideologia (2011, p. 73).
A contribuição de Mannheim na crítica se dá no momento que ele, na
Alemanha, analisa estilos de pensamentos totalmente opostos após a Revolução
Francesa, considerando o pensamento conservador alemão uma expressão
contrarrevolucionária. Existem dois objetos a serem estudados e que correspondem
a um estilo característico do pensamento conservador alemão: o primeiro, não muito
diferente de outras análises, baseia-se no romantismo, não como uma expressão
romântica, mas como a filosofia; e o segundo, o historicismo. Escorsim Netto afirma
que, para Mannheim, os propagadores desse pensamento “serão as camadas sociais
que ficarão fora do processo de modernização (camponeses, artesão, nobreza
fundiária) ” (2011, p. 78).
Alvin W. Gouldner (1920-1980) trouxe significativas contribuições sobre a
sociologia reflexiva, em análises do conservadorismo na autocrítica da sociologia,
apontando elementos para a crítica ao conservadorismo que relacionam os
fundamentos do pensamento social moderno e contemporâneo. Escorsim Netto
afirma que o objetivo de Gouldner é “estabelecer uma crítica rigorosa do papel de
Parsons, seja como organizador da sociologia acadêmica norte-americana, seja como
o autor mais expressivo da “Grande Teoria” contemporânea” (2011, p. 84).
Nas análises gouldnerianas, o conservadorismo de Parsons pode ser
considerado o mesmo da sociedade norte-americana. Considera que a classe média
“ganha existência sólida e autônoma” na sociedade capitalista (ESCORSIM NETTO,
2011) em estilos de vida derivados do utilitarismo e individualismo no que se refere ao
conjunto de interações humanas.
Ou seja: de acordo com Goldner, a cultura utilitária condiciona a sociologia em dois sentidos: ou força-a a apropriar-se no estudo de problemas sociais limitados (o empirismo) ou, na consequência das demandas para preencher aquele “vazio conceitual”, conduz a uma muito genérica “Grande Teoria”, cuja
verdadeira função social é, de fato, conferir ao mundo social um significado conveniente à ordenação da cultura utilitária (2011, p. 89).
Nas análises da autora, quatro etapas se destacam no surgimento da sociologia
ocidental.
Assim pressionada pela cultura utilitária da ordem burguesa, a sociologia ocidental nasce e se desenvolve. De acordo com Goldner (1973, p. 88-89), na história da sociologia se podem distinguir quatro etapas : 1ª a do positivismo sociológico, período próprio à influência de Saint-Simon e Comte (o primeiro elaborador de uma “Grande Teoria”), que vai até os anos quarenta do século XIX; 2ª a do Marxismo, sob a égide de Marx e Engels, que iria da quarta à oitava décadas do século XIX; 3ª a da sociologia clássica, que estende-se até por volta de 1920 e se marca pela produção de Weber, Durkleim e Pareto; e, enfim, 4ª a do estrutural-funcionalismo, articulada sequenciada à crise de 1929 e que se expressa na obra de Parsons (ESCORSIM NETTO, 2011, p. 90).
Já o conservadorismo pensado por Robert A. Nisbet (1913-1996) recupera o
pensamento conservador nos Estados Unidos do pós-segunda guerra, que articula,
consciente e positivamente, a sociologia como expressão do conservadorismo.
Analisa a influência por ele proposta no pensamento sociológico do que chama de
ideias e elementos da sociologia. O conservadorismo se torna seu objeto de interesse
e de pesquisa. Dois traços determinam sua obra: em primeiro lugar, Nisbet, sempre
deu ênfase ao pensamento conservador e à sociologia como uma relação que é
genérica e constitutiva; em segundo lugar, Nisbet se considera um conservador sem
hesitação.
A noção de comunidade permeia a produção dos autores clássicos da teoria sociológica; embora se apresente como uma forma secularizada de conhecimento, a sociologia incorpora o compromisso com o conservadorismo. Nisbet assume a hipótese de que as preocupações da sociologia norte-americana de hoje com a ordem social, ajustamento/ desajustamento, integração/ desintegração grupal, com a natureza da personalidade etc. estão enraizadas na tradição conservadora do pensamento europeu do século XIX, mais do que no sistema liberal, geralmente tomado como o fundamento da sociologia moderna (IAMAMOTO, 2013, p.29-30).
Nas análises de Escorsim Netto (2011), Nisbet percebe que, no pós-guerra,
nos Estados Unidos, aparece uma recuperação das ideias conservadoras na primeira
metade dos anos de 1950, denominada por ele como “renascimento conservador”.
Esse renascimento, nos anos de 1970, evidenciaria a hegemonia política de
setores da direita norte-americana assinalada por Nisbet criticamente a combinar o
populismo e o oportunismo. Pode-se constatar, a partir de suas análises, a coerência
da relação do pensamento conservador com a sociologia:
Sustentamos, como se disse acima, que nesta obra – por outra parte, reveladora do conhecimento histórico e filosófico de Nisbet - encontramos a unidade daqueles traços particulares da reflexão do autor. Observe-se o seu esquema geral: colocado um problema de natureza filosófico-social, tratado histórica e analiticamente numa perspectiva conservadora, ele vai resultar num encontro com a sociologia (que está na base da comunidade pluralista). Em síntese: Nisbet relaciona, em sua obra, qualquer que seja o campo problemático abordado, uma análise conservadora com a tradição da sociologia. Com isso o que queremos assinalar é a profunda coerência do pensamento de Nisbet – nele se articulam, sem colisões, o sociólogo e o conservador ou, mais precisamente, se articula consciente e positivamente a sociologia como expressão cientifica do pensamento conservador. Isto posto, podemos passar à consideração da sua análise específica do conservadorismo como constitutivo da sociologia (ESCORSIM NETTO, 2011, p. 101-102).
Nisbet destaca também o liberalismo, o conservadorismo e o socialismo como
as três ideologias políticas mais importantes dos séculos XVIII e XIX, cada uma a seu
estilo de pensamento.
Nisbet entende que aquelas três ideologias políticas, assentadas em sistemas culturais determinados (cada um com seu estilo de pensamento) desenvolveram-se a partir de uma relação determinada com o Iluminismo e a Revolução Francesa e numa contínua interação. Para ele, o liberalismo, filho mais direto e legitimo do Iluminismo, foi combatido tanto pelo socialismo quanto pelo conservadorismo. Neste ponto, Nisbet resgata, sob outra luz (esta também típica e abertamente conservadora), o enquadramento que já fora realizado por Mannheim (cf. seção 2.1): não há oposição entre conservadorismo e socialismo - entre esses polos, também há identidades, situadas no âmbito de um tradicionalismo que os situa num mesmo campo opositivo ao liberalismo (ESCORSIM NETTO, 2011, p.102).
Escorsim Netto (2011) afirma ainda que,
para Nisbet, das três mais importantes do mundo moderno, a menos estudada foi o conservadorismo – segundo ele, porque, no século XIX, seu papel não foi tão acentuado como no século XX, quando, como citamos, o conservadorismo vem a exercer forte polarização sobre a ‘mente contemporânea(2011, p. 107).