O conservadorismo sempre esteve presente no Serviço Social, no âmbito da
profissão e da formação profissional. É necessário compreender qual a função desse
pensamento e o que ele influencia na sociedade e também na profissão.
Considera-se aqui que o conservadorismo nunca deixou de permear a formação e o trabalho profissional. Por vezes explícita, por vezes implicita- mente, sempre esteve presente, e também não é uma exclusividade do Ser- viço Social. Defende-se, portanto, que o conservadorismo não é um traço exatamente novo e atual que distanciaria uma “base” conservadora de as- sistentes sociais de uma suposta “vanguarda” progressista. O que orienta essas reflexões é uma perspectiva que defende que o conservadorismo é, e sempre será, alimento imprescindível da reprodução do capital, e por isso nunca sai de cena. Ou seja, é um alimento central para conservar a sociedade capitalista e sempre estará a seu dispor (BOSCHETTI, 2015, p.639).
O conservadorismo enraizado na profissão não se dá apenas pelo
tradicionalismo no Serviço Social e/ou também pela inserção das teorias positivistas
e fenomenológicas, como afirma Netto (1996) no livro Capitalismo Monopolista e
Serviço Social. É mais profundo e complexo dentro dos posicionamentos do mundo
das ideias.
Maranhão
4, em seu texto “Uma peleja teórica e histórica: Serviço Social,
sincretismo e conservadorismo”, assinala que,
[...] concordando com Netto (1996), a desconstrução das ilusões conservadoras no interior da profissão está longe de garantir a desobstrução do caminho para análise substantiva do devir histórico-concreto da realidade social. De acordo com essa perspectiva, haveria, assim, determinações mais complicadas que concorreriam para obstar a análise concreta de situações concretas pelos sujeitos profissionais (2016, p. 169).
Maranhão defende:
[...] diferentemente das correntes positivistas, que procuravam na elaboração teórica as fontes de explicações para a profissão, defendemos que as determinações que dificultam a fluidez das análises cítricas no interior da profissão deitam raízes num terreno singular, ou seja, na própria constituição do ser sócio-profissional do Serviço Social (2016, p. 169).
4 MARANHÃO, Cezar. Uma peleja teórica e histórica: Serviço Social, sincretismo e conservadorismo.
In MOTA, A. E, AMARAL, A. (Org.) Cenários, Contradições e Pelejas do Serviço Social Brasileiro. São Paulo: Cortez, 2016. p. 165-205.
Uma importante chave de análise do conservadorismo no Serviço Social é
elaborada por Netto (2011b) na formulação sobre o sincretismo como um princípio
constitutivo do Serviço Social.
Para Netto, são três os fundamentos que organizam a estrutura sincrética no
Serviço Social: “(...) o universo problemático original que se lhe apresentou como eixo
de demandas histórico-sociais, o horizonte do seu exercício profissional e a sua
modalidade específica de intervenção” (2011b, p. 92).
O primeiro fundamento, o universo problemático original que se apresenta
como eixo de demandas histórico-sociais refere-se à multiplicidade problemática da
questão social.
Netto afirma sobre a multiplicidade problemática da questão social:
Em suma: a multiplicidade quase infindável das refrações da “questão social” que esbatem no âmbito da intervenção profissional do Serviço Social põe problemas nos quais necessariamente se entrecruzam dimensões que não se deixam equalizar, escapando e desbordando dos modelos formal- abstratos de intervenção. Os moldes formal-abstratos desenvolvidos pela profissão – expressos, por exemplo, na tricotomia caso/grupo/comunidade, ou na sequência estudo/diagnóstico/terapia/avaliação (contínua) – mostram- se inevitavelmente unilaterais e unilateralizantes, na justa escala em que deixam de aprender o sistema de mediações concretas que forma a rede em que se constitui a unidade de intervenção, esta mesma alvo de inúmeras situações problemáticas em que se corporificam as refrações da “questão social”, numa série cuja diferencialidade instaura um aparentemente caótico complexo de carências (materiais e/ou ideiais). Verifica-se, portanto, que a problemática que demanda a intervenção operativa do assistente social se apresenta, em si mesma, como um conjunto sincrético; a sua fenomenalidade e o sincretismo – deixando na sombra a estrutura profunda daquela que é a categoria ontológica central da própria realidade social, a totalidade (2011b, p.95).
Este fato apenas não determina o sincretismo no Serviço Social, mas se
apresenta como uma extensa gama de intervenções sociais, sejam elas
profissionalizadas ou não. São modelos formal-abstratos usados particularmente em
espaços profissionais por assistentes sociais com intuito de operar ferramentas de
estatística e quadros conjunturais, comprovando serem desqualificados no que se
refere às mediações que norteiam a multiplicidade das demandas apresentadas na
rotina diária do profissional no seu campo de trabalho e no que se refere às refrações
da “questão social”.
A funcionalidade histórico-social do Serviço Social aparece definida precisamente enquanto uma tecnologia de organização dos componentes
heterogêneos da cotidianidade de grupos sociais determinados para ressituá- los no âmbito desta mesma estrutura do cotidiano – o disciplinamento da família operária, a ordenação de orçamentos domésticos, a recondução às normas vigentes de comportamentos transgressores ou potencialmente transgressores, a ocupação de tempos livres, processos compactados de ressocialização dirigida e etc. – conotando-se tecnologia de organização do cotidiano como manipulação planejada (NETTO, 2011b, p.96).
Tal fato não se torna um aspecto restrito do Serviço Social, mas ocorre também
em outras áreas profissionais (cientistas sociais, psicólogos, pedagogos e
publicitários...). O que os diferencia, nesse caso, são as condições peculiares que a
divisão social e técnica do trabalho dominante na sociedade burguesa já consolidada
reserva para o fazer profissional. Netto afirma:
[...] nesta perspectiva, dentre todos os profissionais alocados à organização do cotidiano de determinados grupos sociais, o assistente social é aquele que se vê posicionado de modo tal que o aparente sincretismo da matéria sobre a qual opera (a “problemática”) conjuga-se à perfeição com as condições da sua operação (a intervenção profissional como reordenadora de práticas e condutas cotidianas) (2011b, p. 96-97).
Para Maranhão (2016), essa particularidade específica do Serviço Social, a
intervenção, favorece fortemente e decisivamente a profissão, convergindo com esses
dois fatores pautados na discussão e inscrevendo o Serviço Social no círculo do
sincretismo.
Nas análises de Netto:
É pouco importante indagar em que medida o processo de intervenção profissional de fato realiza esta manipulação; o que conta é que ela se apresenta idealmente como o escopo do assistente social: toda operação sua que não se coroa com uma alteração de variáveis empíricas (sejam situacional-comportamentais, individuais, grupais etc.) é tomada como inconclusa, ainda que se valorizem seus passos prévios e preparatórios. O curso da intervenção profissional está dirigido para ela e deve resultar nela. Não por azar, o traço de intervenção do Serviço Social é frequentemente identificado como uma tal alteração – que a formulação tradicional subsumiu na rubrica do “tratamento” (2011b, p. 97).
Existem algumas implicações e desdobramentos que, com todas as suas
características, o sincretismo reproduz em implicações para a prática profissional,
especificamente no conhecimento da realidade do Serviço Social e nos espaços
sócio-ocupacionais da burocratização da vida social, resolvendo mecanicamente as
demandas e os problemas do local de trabalho. Nas análises de Maranhão:
Na realidade, o Serviço Social lida cotidianamente, nos mais variados espaços profissionais das instituições, com uma das tendências mais reificadoras e típicas das relações sociais capitalistas: a burocratização da vida social. Como sublinha Coutinho (2010), a burocratização da vida social é a práxis típica da fase decadente da burguesia e ocorre quando certas atividade e procedimentos práticos são coagulados, formalizados e repetidos mecanicamente. Por meio dessa práxis burocrática, assumida como procedimento indispensável ao funcionamento das instituições, empobrece- se a ação humana, que é continuamente afastada de sua relação com a realidade social e suas finalidades. Ainda segundo Coutinho (2010), o caráter repetitivo da ação burocrática bloqueia o contato criador do sujeito (nesse caso, o profissional de Serviço Social) com a realidade, substituindo a apropriação do objeto pelo intelecto por uma manipulação vazia de dados, segundo esquemas formais preestabelecidos (2016, p. 177)
Esse modelo de burocratização difundido nos espaços institucionais é uma
forma específica de alienação, à qual os profissionais são submetidos. Essa práxis
burocrática objetiva elementos de realidade social aos assistentes sociais, que
transformam, na análise de Maranhão, “regras’ formais de atendimentos e intervenção
profissional” (2016, p. 178).
Maranhão afirma que
É perfeitamente perceptível a compatibilidade quase imediata desta necessidade do estatuto sincrético profissional com vertentes teórico- culturais positivistas e idealistas, com todas as suas derivações empiristas, pragmáticas e existencialistas (2016, p. 178).
A tendência de legitimar essa forma da lógica-formal abstrata como verdadeira
na intervenção profissional resulta em análises pragmáticas, nas análises de
Maranhão, “[...] baseadas naquilo que Coutinho (2010) denomina como “miséria da
razão” (2016, p. 179).
Maranhão analisa as consequências que esse sincretismo provoca na
profissão:
Essas implicações concretas do sincretismo profissional indicam os grandes obstáculos postos a uma profissão que busca desenvolver alternativas críticas de ação. A história da profissão foi permeada por esses entraves ao pensamento crítico e também influenciou, de maneira decisiva, as primeiras manifestações que buscaram romper com a herança conservadora do Serviço Social. (2016, p. 180)
foi a aproximação do Serviço Social com a tradição marxista. Foi a partir desse
caminho que o Serviço Social buscou romper com a herança conservadora instaurada
desde seu surgimento, superando as implicações do sincretismo profissional.
Maranhão afirma:
Contudo, essa aproximação com a ampla tradição teórica do marxismo, que abriu a possibilidade de ruptura com o conservadorismo – depositário histórico da reprodução sincrética da profissão –, não se deu sem que existissem problemas que dificultassem a construção de uma alternativa critica realmente viável e livre dos condicionantes fatalistas ou voluntaristas. Vejamos em que contexto histórico e econômico-político o Serviço Social começa a projetar sua “intenção de ruptura” (Netto, 2005) com as tendências conservadoras e que dificuldades emergiram nessa conjuntura para que toda a riqueza e complexidade da tradição teórico-cultural marxista não tocassem as cordas do Serviço Social (2016, p. 181).
Desde o final dos anos de 1950, já havia manifestações no interior da profissão
que contestavam a prática profissional vigente e a conjuntura em que se encontrava.
Mas foi somente na década de 1970 que esse projeto de ruptura do Serviço Social
tradicional começou a se consolidar. Nas análises de Maranhão, “essa renovação
teórica e política emerge significativamente dos quadros da universidade e, aos
poucos, toma forma entre os diversos setores profissionais” (2016, p. 181).
A carreira de docente, um campo profissional novo em termos de inserção dos
assistentes sociais, mais seguro, diferentemente da rotina encontrada em outros
espaços profissionais, possibilitou desenvolver um projeto de ruptura com o
tradicionalismo instaurado na profissão. Nem a conjuntura política em que o país vivia
ou as mordaças que o sistema ditatorial impunha aos movimentos sociais e à
população e também à universidade impossibilitaram esses profissionais no espaço
acadêmico, criando uma linha de resistência que gerou a elaboração e a
experimentação fundamentais ao projeto de ruptura profissional. As requisições de
conteúdo programático, as disciplinas e os suportes teóricos-metodológicos foram
objetos sistematizados por essa categoria essencial na recente história do Serviço
Social no Brasil. Maranhão afirma que “[...] o projeto de ruptura explicitou-se, primeira
e especialmente, como produto universitário de vanguardas acadêmicas e, por isso,
foi alvo de várias críticas” (2016, p. 182).
Na conjuntura em que o país se encontrava, em meio a uma ditadura militar, o
espaço universitário tornava passível uma interação intelectual em que os assistentes
sociais poderiam se dedicar aos estudos, à pesquisa, colocando-se em contato com
várias correntes das ciências sociais e humanas, interagindo com movimentos
políticos. Nas análises de Maranhão,
Foi justamente na aproximação com os movimentos políticos na época e na interlocução, cada vez mais próxima, com as ciências humanas, possibilitada pelo rico espaço universitário, que o Serviço Social estabeleceu os primeiros contatos com uma tradição teórico-cultural que, até então (anos 1960 e 1970), imantava grandes contingentes de militantes, intelectuais e acadêmicos na América Latina: o marxismo (2016, p. 182-183)
Maranhão relata como foi essa aproximação teórica do Serviço Social com a
tradição marxista:
Contudo, essa aproximação do Serviço Social com a tradição marxista não se deu sem que houvesse contratempos que dificultaram uma apropriação satisfatória da profissão com a riqueza e complexidade da teoria social inaugurada por Karl Marx. Na verdade, o que ocorreu, primeiramente, foi uma espécie de “aproximação enviesada” que trouxe sérios obstáculos para que se estabelecesse um diálogo rico entre o Serviço Social e os aspectos teórico-metodológicos contidos na tradição marxista. Entre os vários determinantes que colaboraram para essa “apropriação enviesada”, destacaremos três principais (2016, p. 183).
A primeira determinante que dificultou tal aproximação do Serviço Social com
a tradição marxista se destacou no antagonismo cultural das duas vertentes do
pensamento moderno.
Para Maranhão,
A chamada “questão social” se põe nos primeiros momentos da revolução industrial e Marx confronta-se com ela, teórica e politicamente, ainda no capitalismo concorrencial ou “clássico”; já o Serviço Social só pode ser tomado como profissão a partir do trânsito do capitalismo concorrencial à idade do monopólio ou, como sublinhou Lênin, ao estágio imperialista. Essa diferença que, em um primeiro momento, pode parecer apenas de ordem cronológica/historiográfica guarda um forte antagonismo de concepção acerca do significado da expressão da “questão social”, ou seja, para Marx, o que a bibliografia tradicional do Serviço Social entende por “questão social” é um fenômeno completamente indissociável do capitalismo; mais exatamente, o capitalismo é para, Marx, a produção e reprodução ampliada da “questão social” (Netto, 1989). Para a tradição marxista, a superação da “questão social” é, inevitavelmente, também a ultrapassagem da sociedade capitalista. Por outro lado, o pressuposto original do Serviço Social aponta para o enfrentamento da “questão social” nos marcos do capitalismo. Segundo Netto (1989, p.91), “[...] o serviço social surge vocacionado para subsidiar a administração da ‘questão social’ nos quadros da sociedade burguesa” (2016, p. 184).
entre o Serviço Social e a tradição marxista, como reflexo dos traços conservadores
e contrarrevolucionários que permearam a trajetória da profissão. Foi a partir dos anos
de 1970 que a tradição marxista se expressou no Serviço Social tanto na vida
acadêmica como na luta política, resultando em um profundo e promissor diálogo
contínuo.
Outro aspecto que também resultou em uma aproximação limitada e enviesada
do Serviço Social com a tradição marxista foi o conjunto geral das determinações
históricas da herança teórico-política causada pelas II e III Internacionais no
movimento comunista mundial
5.
Essa aproximação do Serviço Social com a tradição marxista se caracterizou
por traços interligados. Maranhão afirma que
Tratou-se de uma aproximação sem muitas exigências teóricas. Além de ter uma forte influência da sociologia crítica da época, grande parte do arsenal teórico utilizado principalmente pela vanguarda acadêmica dos assistente sociais era de natureza, sobretudo, ideopolítica, frequentemente centrada na realpolitik, não dando muita importância para um conteúdo teórico- metodológico mais denso que subsidiava a construção de pesquisas acadêmicas e de práticas profissionais que levavam em considerações as possibilidade e os limites da atuação institucional do Serviço Social (2016, p. 193).
Outro ponto a ser analisado é a aproximação das vanguardas acadêmicas do
Serviço Social com a tradição marxista, os partidos políticos de esquerda e o
movimento estudantil.
Como se registra em diferentes autores, foi nos anos de 1990 que a
aproximação do Serviço Social com a teoria marxista aprofunda-se, com estudos que
tendem à superação do conservadorismo nas apreensões da teoria social de Marx e
na apropriação de autores marxistas, como György Lukács e Antônio Gramsci, para a
compreensão do método e das categorias cunhadas por Marx.
A inserção da teoria marxista no Serviço Social expressa-se na proposição de
parcela da categoria em construir propostas críticas e interventivas. De outro lado,
sabe-se que parte da categoria profissional ainda guarda distância do desafio diário e
das reflexões sobre sua prática profissional esbarrada no sincretismo presente nos
espaços institucionais. Maranhão relata:
5 Sobre o movimento da Segunda e Terceira Internacional do movimento comunista mundial, ver
O que vem se confirmando na dinâmica histórica do Serviço Social brasileiro é que, apesar da ampliação e do aprofundamento nos espaços acadêmicos dos estudos referentes à tradição marxista, o que ocorre nos espaços profissionais é que estes desenvolvem, pouco e fragilmente, estratégias de atuação que visam à sistematização crítica de sua prática profissional. Essa característica tem impossibilitado a suspensão, mesmo que temporária, dos elementos sincréticos da profissão e, por consequência, também cria largo caminho para a reposição contínua do conservadorismo e do imediatismo presentes em amplos setores profissionais. Paradoxalmente, o que se tem percebido é a ampliação do pragmatismo profissional e a exaltação do “saber prático” enquanto forma de atuação mais eficaz e eficiente para a prática do assistente social. É sempre bom lembrar que esse “saber prático” frequentemente oscila entre o racionalismo formal-abstrato, ancorado na divulgação do saber puramente instrumental e técnico, e o puro irracionalismo, com sua exaltação de um tipo de conhecimento que não tem nenhum compromisso coma sistematização e análise de dados da realidade social. Mas, então, como explicar esse paradoxo em que o avanço da tradição marxista na área acadêmica nas décadas de 1980, 1990 e 2000 não se refletiu na construção de uma prática cotidiana dos assistentes sociais que estabelece graus de ruptura com a estrutura sincrética da profissão? (2016, p. 196).
Para Maranhão (2016), na retaguarda desse antagonismo, há a ausência de
medidas entre a produção teórico-metodológica e profissional das “vanguardas
acadêmicas”, o empobrecimento cultural do assistente social, a correlação de forças
políticas desencadeadas pela conjuntura política contemporânea, desarticulando as
organizações dos trabalhadores no país, reduzindo a capacidade de organização e
intervenção política dos trabalhadores. Tal gera uma despolitização dos assistentes
sociais, dificultando e impossibilitando o projeto societário do trabalhador no Brasil e
empobrecendo cada dia mais o universo político-cultural e ideológico dos assistentes
sociais.
Pode-se ressaltar ainda que esse descompasso é também resultado de um distanciamento dos problemas teóricos colocados pelas vanguardas acadêmicas e sua relação com as práticas profissionais, concretas e desenvolvidas pela massa da categoria (MARANHÃO, 2016, p. 197).
As reflexões até aqui empreendidas possibilitam afirmar que o
conservadorismo nunca deixou de constituir o Serviço Social tanto no âmbito da
formação quanto no do trabalho profissional e vem reatualizando-se e fortalecendo-
se por determinações societárias. Como orienta Boschetti:
Foi na história de resistência e luta contra esse conservadorismo, que sempre quis subordinar e colocar a profissão a serviço da reprodução do capital, que o Projeto Ético-Político – em suas dimensões teórica, politica, ética, legal e profissional – se constituiu como processo dinâmico vivo, como expressão da
luta contra o conservadorismo. Nesse processo, sempre viveu a dialética da convivência entre o pensamento conservador e a intenção de ruptura, como explica Netto (2011b). Essas reflexões iniciais intentam explicitar que não tratamos o avanço ou reatualização do conservadorismo com algo externo, ou fora do processo cotidiano da formação e do trabalho profissional (2015, p. 639).
O irracionalismo permeia os corredores das instituições de ensino superior por
meio do dogmatismo e do pensamento pós-moderno, com o neopositivismo
desenvolvendo a naturalização das desigualdades. Essa incorporação do
irracionalismo não se deve somente a ideologias, mas também à reprodução do senso
comum decorrente da precarização das condições de trabalho e aprendizado e da
existência de alunos e professores dentro das IES. Barroco atenta para as
contradições desse momento:
Em face dos conflitos e contradições que permeiam a vida profissional e por várias determinações que não se restringem às escolhas ideológicas dos profissionais, parte da categoria é envolvida em amplos apelos irracionalistas que apontam para soluções pragmáticas: modelos de ação, técnica de autoajuda, regras de comportamento que prometem resolver imediatamente “problemas” individualizados, abstraídos da história e de suas determinações objetivas (2015, p. 633).
Essa complexa relação entre o pensamento conservador e o conservadorismo
na profissão decorre não só da história do Serviço Social no Brasil, mas também do
contexto internacional. Netto analisa brevemente a origem e os obstáculos dessa
relação:
Talvez seja preciso recordar que a gênese e o desenvolvimento do Serviço Social de origem católica (que, afinal, paramentou longamente o nosso Serviço Social) foram decididamente antimodernos: a profissão nasceu e se desenvolveu como parte do programa de antimodernidade, reagindo à