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O conceito de letramento crítico originou-se na teoria dos letramentos múltiplos, segundo a qual o aprendizado sempre deve estar embasado numa perspectiva crítica.Entende- se o letramento crítico como aquele que trata de forma ética os múltiplos discursos que se realizam na sociedade, entre eles os multissemióticos, que precisam ser discutidos de tempos em tempos devido ao processo histórico, que é dinâmico e causador das mudanças sociais (ROJO, 2009).

O letramento crítico está associado a uma visão de linguagem que fornece artifícios para os alunos aprenderem a fazer escolhas éticas, a não serem alienados, e que lhes possibilite dar sentido aos valores sociais e aos projetos políticos e históricos nos quais estão envolvidos (ROJO, 2009). Uma das consequências do letramento crítico é “aprender a problematizar as questões hegemônicas e os significados antiéticos que desrespeitem a diferença.” (ROJO, 2009, p. 108).

Lankshear e Knobel (1998, p. 8) esclarecem o conceito de letramento crítico:

O letramento crítico é um comprometimento discursivo, uma forma de vida, um modo de estar no mundo. Assim, práticas de letramento crítico são um apelo para teorizar o mundo e a linguagem, textos, inscrição e letramento em relação ao mundo: desenvolver um entendimento do mundo social como “um campo irregular” e tornar-se consciente de como a linguagem e os usuários da linguagem estão comprometidos em criar, manter ou desafiar esse campo e as representações que o sustentam. O campo, evidentemente, não é estático, mas está sempre em processo de construção e reconstrução,[...].9

A dimensão crítica do letramento é a base para assegurar que os participantes dos eventos10 e práticas de letramento11 não somente participem das práticas sociais e construam

9 C.f. o trecho original: Critical literacy is a discursive commitment, a form of life, a way of being in the world. Hence, practices of critical literacy are a call to theorizing the world and language/texts/inscription/literacy in relation to the world: to developing an understanding of the social world as an "uneven playing field", and becoming aware of how language and language users are implicated in creating, maintaining or challenging this playing field and the representations that support it. The field, of course, is not static, but always in the process of being made and remade (...) (LANKSHEAR; KNOBEL, 1998, p. 08).

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Evento de letramento é “uma ferramenta conceitual utilizada para examinar, dentro de comunidades específicas da sociedade moderna, as formas e funções das tradições orais e letradas e as relações coexistentes entre a linguagem falada e escrita.” Heath (1984).

11 Por práticas de letramento designam-se tanto os comportamentos exercidos pelos participantes num evento de

letramento quanto as concepçõess sociais e culturais que o configuram, determinam sua interpretação e dão sentido aos usos da leitura e escrita naquela particular situação (STREET, 1995, citado por SOARES, 2005, p. 105).

significados, mas que também as transformem e as produzam. E, para Fairclough (2001), ser crítico implica mostrar conexões e causas que estão ocultas; implica também intervenção, fornecendo recursos para aqueles que possam encontrar-se em desvantagem. Somente com uma visão crítica sobre o papel da linguagem na organização e na manutenção da hegemonia12 de determinados grupos sociais, em detrimento de outros, poderão ocorrer mudanças sociais em favor dos menos favorecidos. Em suma, ser crítico é ser capaz de refletir e de se posicionar. Porém, esse é um campo bastante complexo, principalmente, porque o caminho da crítica exige leitura, reflexão13 e desenvolvimento de uma consciência sobre direitos e deveres, que pode demandar profundas transformações na identidade dos indivíduos e na identidade nacional. Portanto, para se ter acesso ao letramento crítico é necessário tratar os discursos em uma base teórica social que implica, ao mesmo tempo, ser moldado e constituir a estrutura social e na qual as transformações sociais ocorrem por meio da linguagem (FAIRCLOUGH, 2001).

O passo seguinte é saber como ter acesso a esses discursos, que são dissimulados e refletem práticas sociais tão desiguais. Segundo Lankshear e Nobel (1998), para se ter acesso aos discursos, é necessário abordar perspectivas críticas no letramento, aprender a interpretar e criticar os discursos. Assim, é necessário fazer um levantamento das teorias sociais críticas e da linguagem que fazem referência à categoria de letramento e que se baseiam no propósito, disposição ou atitude diante do texto e nas relações de ética nos múltiplos discursos (ROJO, 2009; BUZATO, 2009).

Nos anos de 1990, entre alguns nomes que se destacam nos estudos do letramento crítico na área da educação, ou Pedagogia crítica, estão Paulo Freire (1979) e Henry Giroux (1983), que foram os precursores de um processo de alfabetização de natureza política e ideológica. Porém, seus estudos abrangeram as questões mais amplas do letramento, como ir de encontro a uma aprendizagem neutra, despida de qualquer caráter político (SOARES, 2010). Nessa mesma época, destacam-se Pennycook (1998), Gee (1999) e Fairclough (1992), precursores da Teoria Social Crítica.

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Entendida como “o poder de grupos dominantes que pode estar integrado em leis, regras, normas, hábitos e mesmo a um consenso geral, e assim assume a forma do que Gramsci denominou hegemonia (VAN DIJK, 2008, p. 118).

13 O termo reflexividade na modernidade é usado no sentido do uso sistemático do conhecimento sobre a vida social para organizá-lo e transformá-lo e é um traço fundamental da sociedade contemporânea [...] e que vai desde os sistemas mais especializados como os dos terapeutas e cientistas até os que se estendem para o centro do ser (Giddens, 1991 apud Fairclough, 1993, p. 42).

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Mais recentemente, os estudos do letramento crítico acabam incorporando recortes das ciências sociais através de um cunho discursivo, sócio-histórico e etnográfico. As pesquisas tendem a demonstrar preocupação com as novas possibilidades de melhoria na qualidade de vida dos envolvidos e a visualizar um discurso mais livre e reflexivo (MOITA LOPES, 2006; ROJO, 2006). Compartimentalizando as teorias críticas, pode-se afirmar que alguns estudos convergem para uma linha mais pedagógica e voltada para o ensino de leitura e escrita; outras teorias convergem para uma linha mais discursiva, que também inclui as das práticas escolares, em uma vertente mais crítica do termo.

As abordagens críticas da análise do discurso iniciaram-se em oposição aos estudos de Saussure ao proporem que os signos são socialmente motivados e que há mais de uma relação entre um significante e um significado. Elas se opõem a concepção de língua que adota a dicotomia entre o indivíduo e a sociedade, entre as relações estruturais internas da língua sobre as externas e que desvincula a fala do social e, consequentemente, das questões históricas, sociais, culturais ou políticas (PENNYCOOK, 1998).

Exemplo de relações linguísticas assimétricas e socialmente motivadas na categoria do vocabulário são as expressões baixem a voz e fiquem quietos que variam de sentido dependendo da posição do sujeito e do contexto de produção. O indicativo de que as relações dos signos da língua podem variar alcança também os níveis de interpretação do discurso quando a ambivalência dos sentidos (potenciais) das palavras são reduzidos pelos leitores em apenas um sentido particular na compreensão de um texto (FAIRCLOUGH, 2001). Isso esclarece que a língua varia de acordo com a natureza da relação entre os usuários, do tipo de evento social, entre outros aspectos.

Segundo Barton (2001), nos estudos etnográficos, não há uma linha crítica específica para se trabalhar o letramento crítico, mas a tendência é unir a análise de textos com a análise das práticas de letramento sob uma perspectiva crítica. As áreas de pesquisa mais representativas do letramento crítico focam na globalização, na identidade, na mudança social e na mídia. Outras áreas que causam certa dificuldade para formar uma base teórica são aquelas que trabalham com questões sobre gênero, linguística sistêmica e análise crítica do discurso.

Numa perspectiva crítica, os significados dos textos passam a ser localizados, situando os discursos a que somos expostos e recuperando o seu contexto de produção: quem escreveu, com que propósito, onde foi publicado, quando e para quem foi dirigido. Os pesquisadores dos NEL e os analistas críticos querem saber quais estruturas, estratégias e propriedades do texto e da interação verbal desempenham um papel nas significações e nos modos de

reprodução dos textos. Porém, as relações entre as macro-noções, tal como grupo, poder e dominação institucional e micro-noções, tal como texto escrito ou falado, não são de fácil articulação. Por isso, é necessário encontrar conceitos para dar conta dos níveis teórico, metodológico e analítico. Entre as teorias críticas, uma que tem se destacado é a análise crítica do discurso (ou de discurso) e que é relevante ao estudo do uso linguístico, do discurso e do letramento crítico. Essa teoria focaliza a dimensão da prática social a partir de uma visão de linguagem investida de poder e ideologias e que pode fornecer subsídios para aqueles que têm menos oportunidades possam se tornar mais críticos (PEDRO, 1997).

Assim, a escolha da ACD como base teórica e metodológica deste estudo se deve ao seu interesse nas manifestações da linguagem permeadas por relações de poder e na observação de como a linguagem interfere na produção do conhecimento. Além de ampliar o censo crítico para essas questões, i.e., ensinar a lidar com as relações de poder e avançar nas pesquisas sobre o favorecimento do letramento crítico na escola, a ACD serve de metodologia para a análise do corpus.

3.2 A CONTRIBUIÇÃO DA ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO PARA O