• Nenhum resultado encontrado

4.1. METODOLOGIA

4.2.3 A análise textual dos capítulos do LDLPL-Ensino Médio

4.2.3.4 Pescando significados – Capítulo 4

Esse capítulo versa sobre a luta contra a apatia social. Ele apresenta inicialmente um texto do jornalista Gilberto Dimenstein, Pescador de Ti, o qual aborda a lenda indiana de que muitos são os que não são ouvidos. Na página 56, a primeira instrução serve para que os estudantes contextualizem o tema do texto sobre dois pescadores que tentam salvar várias crianças do afogamento em um rio. Com essa instrução, eles devem mobilizar seu

123

conhecimento de mundo, reconstruir o cenário da estória e descrever como são os personagens, usando da sua imaginação, como mostra a figura abaixo.

Figura 32 – Instrução sobre o texto Pescador de Ti Fonte: LDLP-Ensino Médio, 2007, p. 56.

A provocação dessa instrução é alertar os estudantes para o fato de que as pessoas pouco se envolvem com os problemas sociais e, portanto, contribui para o desenvolvimento do letramento crítico. Entretanto, a instrução não indica em que gênero textual a instrução deve ser produzida, o que parece ser uma recorrência nas instruçãos desse livro, isto é, o livro não ensina como os gêneros textuais são constituídos, aspecto que facilitaria a compreensão de como os discursos se realizam na prática social. Em outras palavras, as práticas de leitura e escrita voltam-se para a formação crítica desde que se ensine, além da construção de sentidos dos textos, em que gênero as ideias registradas devem ser produzidas, por exemplo, se na forma de relatório ou em um artigo de opinião, mostrando quem são os interlocutores e quais os objetivos da instrução (PARANÁ, 2008).

O jogo de palavras entre o título do texto de Dimenstein Pescador de Mim e a canção Caçador de mim, de Milton Nascimento, tem o propósito de mostrar como a intertextualidade está presente no dia a dia dos estudantes. Por exemplo, na página 57, encontram-se outras instruções com uma proposta de reflexão sobre o texto de Gilberto Dimenstein, que dialogam com a canção de Milton Nascimento, todas elas pedem a interpretação das escolhas lexicais dos autores, tal como na figura na próxima página.

Figura 33 – Instruções sobre a interpretação das escolhas lexicais e efeitos de sentido do texto

Fonte: LDLP-Ensino Médio, 2007, p. 57.

As três perguntas acima abordam os efeitos de sentido que o texto veicula e buscam uma atitude responsiva por parte dos estudantes. Esse tipo de instrução leva a uma formação crítica, pois faz com que os estudantes reconheçam o posicionamento do autor sobre o tema em discussão e se posicionem sobre ele, favorecendo o desenvolvimento do letramento crítico.

Já, na página 58, a instrução trabalha com as intenções dos textos e com a estrutura textual, representadas na marcação das segmentações e dos parágrafos, como nas perguntas: “Qual é a intenção do texto de Dimenstein? Você é capaz de identificar os blocos, situá-los no texto e explicar a sua função?”. Van Dijk (2008, p. 137) afirma que “a presença ou ausência de categorias esquemáticas padronizadas, tais como uma resolução em um esquema narrativo ou uma conclusão em um esquema argumentativo são formas convencionais de organização global do discurso”. Essas estruturas servem para enfatizar as ideologias, por isso, ensinar como elaborar as sequências de um texto ou a forma composicional do gênero textual devem ser ensinadas na educação básica. Por exemplo, o tipo argumentativo que é encontrado em artigos de opinião e usado para convencer o leitor.

Nas perguntas seguintes, a provocação se refere à ação dos pescadores e às ações políticas enfatizadas pelo autor do texto. As perguntas, “E para você, qual a atitude mais adequada? O que você faria no lugar dos pescadores?”, podem ser consideradas como uma prática de leitura crítica em relação ao problema social abordado no capítulo. Essa pergunta coloca o estudante no papel de co-produtor de sentidos, com um papel ativo no processo da leitura e, por isso, de acordo com as propostas de formação crítica ela está voltada para o letramento crítico (FREIRE, 1988;BORGES, 2010).

Da mesma forma, a reflexão sobre o texto de Mahatma Gandi, na página 58, que revela o domínio britânico sobre a Índia, segundo as palavras do texto “Ele nos reduziu, politicamente, à servidão.”, tem a função de contrapor-se ao regime de governo colonialista e imperialista. As discussões sobre os regimes governamentais leva os estudantes a refletirem

125

sobre as assimetrias de poder na sociedade e a conhecerem as diferentes estruturas sociais, e, portanto, também colabora para a formação crítica dos estudantes.

Na página 59, o aluno deve associar o problema social da Índia com a história do Brasil nas seguintes perguntas: “Há semelhanças entre a história da Índia pré-independente e o Brasil do século XXI? Eram as mesmas crianças, no rio, no tempo da Índia de Tagore e Gandhi e no do Brasil atual? E a solução de Gandhi surtiu efeito?”. A associação dos fatos históricos indianos com os brasileiros alerta os estudantes para a sua realidade social, trazendo à tona as injustiças e as diferenças sociais e, dessa maneira, possibilita que essa reflexão produza mudanças sociais. Entretanto, as instruções não propõem uma prática de escrita em que eles possam expor a suas opiniões sobre essa discussão. A seguir, a instrução propõe uma reflexão sobre a possibilidade de se mudar as situações sociais e políticas opressoras, nas perguntas: “Como impedir que crianças sejam jogadas na água? É possível mudar o curso desse rio?”. Essas perguntas abertas possibilitam que o estudante reflita um pouco mais sobre os regimes políticos opressores.

Na página 60, mantém-se a proposta de reflexão e diálogo com os outros textos do capítulo, por exemplo, na figura a seguir:

Figura 34 – Proposta de reflexão e diálogo com os outros textos do capítulo Fonte: LDLP-Ensino Médio, 2007, p. 60.

O ensino do uso das metáforas pode estar voltado para a formação crítica quando se ensina a ler nas entrelinhas e a perceber os efeitos de sentido que o uso das palavras acima,

significando a luta humana pela sobrevivência, pretendem veicular, além do seu sentido literal. Segundo Fairclough (2001, p. 241), “as metáforas estruturam o modo como pensamos, o modo como agimos e o nosso sistema de conhecimento e crenças, de modo penetrante e fundamental”. Por isso, o letramento crítico, além de abordar o sentido literal das palavras e de suas regras de uso, deve envolver questões que alertem os estudantes para como a escolha das palavras revelam o posicionamento ideológico dos usuários da língua, e que se configuram em fenômenos semânticos, tal como o eufemismo, usado, em geral, por políticos e jornalistas para ocultar a verdade.

O trabalho proposto nessa instrução deve ser feito em equipes e os estudantes ficam livres para escolher outra música do repertório de Milton Nascimento e relacioná-la com os textos lidos, verificando os temas prediletos da produção musical do compositor. Essa instrução, ao somente pedir que os estudantes verifiquem os temas escolhidos pelo autor, não aprofunda o conhecimento sobre como ele aborda os temas nas canções e quais as suas posições ideológicas, deixando de ampliar o potencial crítico dos estudantes.

A última instrução desse capítulo, localizada na página 62, traz a charge exibida na próxima página que retrata de forma irônica as desigualdades de direitos e deveres dos cidadãos. Ela propõe a discussão sobre as formas de sociedade que satisfazem as necessidades humanas de forma igualitária. Além disso, o aluno deve fazer associações entre a charge e os textos de Dallari e Dimenstein, lidos anteriormente.

Figura 35 – Charge sobre uma sociedade justa Fonte: LDLP - Ensino Médio, 2007, p. 62.

127

Tomando-se como referência os estudos sobre o letramento escolar, a linguagem não- verbal deve estar presente nos livros didáticos, pois ela faz parte do cotidiano das pessoas e é um recurso importante para ensinar o estudante a ampliar a sua visão crítica. A charge é um gênero que faz parte da mídia impressa, com estratégias específicas de comunicação, utilizadas de forma crítica ou irônica sobre acontecimentos sociais. Essas características são repassadas no livro, informando aos estudantes sobre os objetivos pretendidos pelo autor e a instrução propõe uma leitura efetiva dos gêneros multimodais, como mostra a figura na próxima página.

Figura 36 – Instruções sobre a charge Fonte: LDLPL-Ensino Médio, 2007, p. 62.

O tema dessa instrução é relevante para a formação crítica dos estudantes, pois discute as desigualdades sociais. E o livro, ao fazer associações entre o tema do fragmento do texto de Dallari, publicado na página 62, e a leitura e interpretação da charge, propõe uma instrução voltada para a análise crítica do discurso. Além disso, o comando que pede para o estudante comparar a sociedade descrita por Dallari com algum modelo de sociedade que ele conheça o leva a refletir sobre a sua realidade social e, dessa maneira, se caracteriza como uma instrução de leitura crítica. Entretanto, os gêneros multimodais, tal como a charge, podem também ser explorados em sua constituição e contextualização, favorecendo a formação crítica dos estudantes. O local da publicação da charge, seu autor, os aspectos linguísticos e os da sua composição gráfica são elementos que devem ser considerados caso se queira alertar os estudantes para o conteúdo ideológico desse tipo de gênero, aspecto que não foi proposto nessa prática de leitura.

O tema desse capítulo é relevante para a formação crítica dos estudantes, pois mostra como os textos são moldados ideologicamente e relacionam-se ao poder social. Todavia, essa última instrução não deixa claro para quem o comentário a ser produzido pelo estudante deve ser escrito, o que torna essa instrução sem uma função social. Como visto anteriormente, uma

prática de letramento escolar deve situar as práticas de leitura e escrita para que, além do desenvolvimento de capacidades de argumentação e de uma percepção crítica, construam oportunidades reais de participação e de posicionamentos nos diferentes contextos sociais em sociedade.