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4.1. METODOLOGIA

4.2.3 A análise textual dos capítulos do LDLPL-Ensino Médio

4.2.3.8 A máquina do tempo – Capítulo 8

A questão mobilizadora desse capítulo está colocada nas perguntas “É possível viajar no tempo? Quais os meios de que dispomos para tal?”. Nesse capítulo, o tema gira em torno da passagem do tempo. A primeira instrução, na página 102, versa sobre os significados das palavras mito e mitologia, ao que essas duas visões têm em comum e na suas relações com o planeta Terra, como mostra a figura na próxima página.

Figura 51 – Instrução sobre os significados das palavras mito e mitologia Fonte: LDLPI: Ensino Médio, 2007, p. 102.

Nessa instrução, há sugestões para a leitura de textos míticos, tal como textos bíblicos e partes do livro As mais belas lendas da mitologia, aspecto que amplia o conhecimento enciclopédico dos estudantes.

Da mesma forma, sob um viés filosófico, na página 103, o livro sugere a leitura de um capítulo do livro didático público de Filosofia Do mito à Filosofia e do livro O mundo de Sofia, de Jostein Gaarder. Nesse último, o estudante deverá ler dois capítulos, que se referem aos períodos do Renascimento e do Barroco, e anotar em seu caderno um resumo da visão do universo a partir do físico Newton. Após a leitura dos dois capítulos, ele deve responder a seguintes perguntas: “Seu pensamento se enquadra dentro da mitologia ou da ciência? Quais princípios, segundo ele, explicariam a universalidade dos fenômenos? O que prende a lua na órbita da Terra e a Terra na órbita do Sol?”. Essa instrução contrasta a visão da ciência e da mitologia sobre a formação do mundo e pede que os estudantes organizem as ideias do autor em forma de resumo. Ensinar as particularidades dos gêneros textuais faz parte do letramento crítico, pois, como visto na segunda seção desta tese e nas orientações da consciência linguística crítica, um dos objetivos da teoria linguística crítica é que os aprendizes saibam

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recorrer a sua linguagem e a sua experiência discursiva, tornando-se mais conscientes da sua prática de leitura e escrita como produtores e consumidores de textos.

Na sequência, na página 104, há um texto explicativo sobre a tese do Buraco do Verme, de Albert Einstein e Nathan Rosen, e um desenho que esquematiza essa tese utilizada para esclarecer os conceitos e os termos da área da física, como mostra a figura abaixo.

Figura 52 – Esquema do buraco do verme Fonte: LDLPI: Ensino Médio, 2007, p. 104.

Ao mesmo tempo, há uma conexão entre a ciência e a imaginação na citação de Einstein, citada na instrução da página 105, como mostra a figura a seguir.

Figura 53 – Instrução sobre questões filosóficas e especulações científicas Fonte: LDLPI-Ensino Médio, 2007, p. 105.

Nessa instrução, os estudantes devem fazer reflexões por meio do seu conhecimento e de sua imaginação, fazendo-os refletirem sobre a sua própria existência. Entretanto, essa

instrução, apesar de propor uma reflexão sobre as mudanças sociais que podem ocorrer na transposição de um tempo para outro ou para outro universo, não discute questões polêmicas, tal como sobre o domínio que a classe científica exerce sobre a sociedade.

A seguir, nas páginas 105-106, a palavra viagem é empregada no livro para desenvolver um livro de memórias. A primeira viagem está contada na obra Canção de muito longe, de Mario Quintana. Os sentidos que esse autor produz em seu poema são explorados, comparando-se as intenções do autor nos versos do poema. A instrução enfatiza a passagem do tempo e o ponto de mudança de uma realidade à outra, aspectos que devem ser transpostos para a ilustração do Buraco de Verme. Como observado, essa instrução emprega os textos literários para o aprendizado da língua portuguesa e chama a atenção dos estudantes para os significados dos versos e para as intenções do autor e, assim, ensinam o estudante a fazer leituras críticas.

A obra Cantiga de recordar, de Helena Kolody, é a segunda viagem proposta no livro, e a instrução pede que o estudante descreva, em prosa, o cenário para onde a saudade levou a poeta. Em seguida, como feito com o poema de Quintana, ele deve distribuir na ilustração do Buraco de verme, o poema de Kolody. Além dessas duas propostas de práticas de leitura e escrita, o livro aborda o sentido das palavras canção e cantiga, como mostra a instrução a seguir.

Figura 54 – Instruções sobre os poemas e o buraco de verme Fonte: LDLPI-Ensino Médio, 2007, p. 106.

As ações propostas acima abordam os sentidos das palavras no texto e o conhecimento do significado de palavras que definem estilos literários. Na instrução de produção textual, não há uma explicação de como elaborar um texto em forma de prosa, pressupondo-se que os estudantes já tenham tido contato com esse tipo de texto. As práticas de leitura e escrita, nessa instrução, buscam o reconhecimento das expressões linguísticas e das intenções do texto, porém não discutem temas polêmicos que desenvolvem o letramento crítico dos estudantes.

Na página 107, a terceira viagem está representada pelo texto explicativo sobre os objetivos do discurso histórico, de Baccega (2003), da relação entre os diferentes discursos,

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entre eles o literário, e do exemplo da “Carta do Achamento do Brasil”. Complementando essa instrução de leitura, pede-se que o estudante “Relate um fato de sua vida, entrelaçando discursos que marcaram o seu passado e que, de alguma forma, se refletem no seu presente”. Essa instrução, apesar de aproximar o estudante de sua própria história, não inclui referências ou pistas para um tópico específico que aborde um tema polêmico ou uma situação problemática.

Em seguida, na página 108, surge a quarta viagem representada no conto fantástico de Murilo Rubião Teleco, o coelhinho, que deve ser interpretado considerando-se os seguintes itens: “Que elementos estabelecem o universo da realidade fantástica? Qual é a realidade concreta espelhada por esse universo fantástico? Produza um texto narrativo em que uma realidade fantástica espelhe uma realidade concreta”. Ao pedir que os estudantes associem uma realidade fantástica a uma concreta, essa instrução faz com que eles descubram o que está implícito no texto, que atentem para as metáforas e para os recursos estilísticos, tal como os encontrados em fábulas que usam animais para revelar modos de ser e de pensar dos humanos. Esses aspectos revelam as intenções e ideologias que estão por trás dos discursos, fazendo com que o seu senso crítico seja estimulado. Ao mesmo tempo em que os temas fantásticos das lendas são usados para chamar a atenção do leitor sobre um aspecto do universo humano, eles têm uma função crítica. Em geral, o sobrenatural e o fantástico servem para remeter o leitor aos conflitos e aos grandes dramas da natureza humana. Entretanto, apesar de chamar a atenção dos estudantes sobre as diferenças entre uma realidade concreta e uma fantástica, de mostrar expressões que representam a realidade fantástica e ensiná-los a delimitar no texto os elementos que estabelecem as relações entre as duas realidades, essa instrução não promove uma discussão sobre os temas polêmicos que, em geral, as fábulas e as lendas veiculam.

Encerrando o capítulo, na quinta viagem, pede-se que o aluno leia a epígrafe do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Essa leitura deverá ser feita para responder qual a diferença entre os termos buraco de verme e buraco do verme. Essa instrução serve para que o estudante compreenda os significados de expressões linguísticas e é semelhante às outras que pedem que o estudante explique o sentido das palavras nos textos. Instruçãos que somente buscam a compreensão dos sentidos das palavras nos textos não incentivam o senso crítico dos estudantes e, nem, necessariamente, facilitam a compreensão do texto (MARCHUSCI, 2008).

O romance de memórias volta à cena na página 109, com a pergunta sobre como o capítulo sete do livro de Machado de Assis, citado acima, pode se relacionar com as viagens

que o livro apresenta. Logo a seguir, está em destaque uma lista com títulos de romances de memórias produzidos por escritores brasileiros. Nessa instrução não houve menção à forma como o gênero memórias é produzido, revelando a sua função social. Dessa forma, essa instrução se caracteriza como uma prática de leitura e escrita que não desenvolve plenamente o letramento crítico dos alunos.

As instruções desse capítulo levam os alunos às reflexões genéricas sobre a formação dos mundos, sobre as memórias pessoais e as encontradas em obras da literatura brasileira. Perde-se, aqui, uma oportunidade de incentivar o pensamento crítico quanto aos temas polêmicos encontrados em discursos históricos e literários, por exemplo, os discursos velados que comprometem o real conhecimento da história e a não-informação sobre as descobertas científicas que poderiam abreviar situações desumanas em detrimento de interesses econômicos.