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Dinâmica, Agentes e Instrumentos da Urbanização e Formação do Espaço Regional

CAPITULO 2 MARINGÁ: O PROCESSO HISTÓRICO GEOGRÁFICO ESPACIAL

2.3 Dinâmica, Agentes e Instrumentos da Urbanização e Formação do Espaço Regional

A história da produção espacial urbana e regional da microrregião norteparanaense, assim como a análise do fenômeno produzido, permite tecer um panorama das forças socioeconômicas presentes em cada momento, bem como identificam os principais agentes envolvidos no processo, na sua forma de atuação e instrumentos utilizados para viabilizar a sua atuação.

A região conhecida como Norte do Paraná, espaço social produzido no decorrer dos últimos sessenta anos, passou por transformações bastante representativas de sua estreita relação com as políticas e movimentos da economia estadual e nacional, estando, entretanto, já desde o seu início, intrinsecamente vinculada aos interesses do capital internacional: relações estas que moldaram e ainda moldam o caráter da mesma.

Em que pese, atualmente, o papel do estado na definição das políticas de desenvolvimento regional, a concepção inicial, planejamento e implementação da produção desse espaço, equivalente a uma terça parte do território do Estado do Paraná, foi quase que totalmente da iniciativa privada através do capital inglês em estreita relação com o capital nacional.

ARRIGUI (1996), em seus estudos sobre a teoria do ciclo sistêmico de

acumulação, relativa ao desenvolvimento do capitalismo mundial, assim coloca a

hegemonia capitalista no século XX, que explica, por exemplo, a penetração do capital inglês na região, na década de 20, cedendo posteriormente espaço para o capital norte-americano que passa a atuar, então, de forma indireta:

Como todos os séculos anteriores, o longo século XX compõe-se de três segmentos distintos. O primeiro começa na década de 1870 e se estende até a de 1930, isto é, desde a crise sinalizadora até a crise terminal do regime britânico de acumulação. O segundo vai da crise terminal do regime britânico até a crise sinalizadora do regime norte-americano – uma crise que podemos situar por volta de 1970. E o terceiro e último segmento vai de 1970 até a crise terminal do regime norte- americano (ARRIGUHI, 1996, p.27).

Mesmo que recentemente tenham sido produzidos trabalhos contestando veemente, não seria exagero afirmar que o desenvolvimento de parcela substancial do território paranaense se deu praticamente mais pela visão aguda do capital, seja britânico, nacional ou norte-americano, do que propriamente como fruto da visão administrativa do estado nacional; aliás como fica bastante claro na descrição da forma como se deu o início do processo feito pela própria Cia. Melhoramentos Norte do Paraná em sua edição comemorativa do cinqüentenário, publicada em 1977:

Desde o ano do cinqüentenário da Independência – 1922 – o Governo Arthur Bernardes desenvolvia gestões para que técnicos ingleses viessem ao Brasil estudar sua situação financeira, econômica e comercial com vistas, de um lado, à consolidação de nossa dívida para com a Inglaterra, e de outro, à reformulação de nosso sistema tributário. Pretendia o governo federal abolir os impostos diretos e instituir uma nova e eficiente sistemática de arrecadação.

A missão inglesa era chefiada por Lord Montagu, ex-secretário de Estado para as Índias e ex-secretário financeiro do tesouro da Inglaterra, que vinha acompanhado de vários assessores, entre os quais se sobressaiam Sir Charles Addis, diretor do Banco da Inglaterra e presidente da Hong-Kong e Shangai Banking: Lord Lovat, diretor da sudam Cotton Plantations Syndicate, assessor para assuntos de agricultura e florestamento; Sir Hartley Withers, comentarista de assuntos financeiros e ex-diretor do The Economist, de Londres.

Além de viajar como assessor da missão Montagu, Lord Lovat tinha como incumbência dos acionistas da Sudan Plantations estudar a possibilidade de vir essa poderosa companhia inglesa a aplicar seus capitais no Brasil, de forma a obter o algodão que importava em larga escala para suprir a florescente indústria têxtil da Inglaterra.

É muito importante conhecer essa missão de Lovat, pois com ela se delineava, pouco a pouco, uma convergência de interesses que viria a contribuir decisivamente para a colonização do Norte do Paraná: de um lado Lord Lovat, em busca de informações sobre a nossa agricultura e de terras adequadas para o plantio do algodão; de outro, os fazendeiros do Norte Velho, liderados pelo major Barbosa Ferraz e por Antônio Ribeiro dos Santos, que procuravam interessar investidores estrangeiros na aplicação dos capitais necessários á continuação das obras da companhia ferroviária São Paulo-Paraná, que por essa época estava com a ponta dos trilhos na estação de Leoflora – cerca de meio caminho entre Ourinhos e Cambará (SANTOS, 1997, p.42).

Esse encontro de interesses nacionais e estrangeiros promoveriam a partir de 1925, com a fundação da Brazil Plantations Syndicate Ltd., pouco mais tarde Paraná Plantations Ltd., e sua subsidiária brasileira a Companhia de Terras Norte do Paraná, um dos mais espetaculares empreendimentos de colonização planejada que se tem notícia.

Neste ponto torna-se importante evidenciar, através do relato anterior, qual era o papel do capital e do estado, ate então, exatamente como bem coloca CARNOY (1994), em seu estado e Teoria Política:

Evidentemente, o desenvolvimento capitalista e o estado sempre estiveram intimamente ligados. No século XIX, porém o papel do estado nas sociedades capitalistas, embora significativo era em geral relativamente limitado. Isso era, em parte, uma reação ao poderoso Estado mercantilista que antecedeu a revolução industrial, mas era também resultado do grande dinamismo do capitalismo privado. Até os anos 30, a força propulsora das sociedades capitalistas residia na produção da empresa privada. O setor de produção privada, e não o Estado, era a fonte dessa energia e o setor privado da economia era o centro da mudança social (grifo nosso) (CARNOY, 1994, p.9).

Seguindo a lógica daquele momento, efetivamente o capital privado lançava os fundamentos da inserção de uma ampla área no cenário econômico do país, de 1925 á 1960 estradas de ferro e de rodagem cortam a região, inúmeras cidades são planejadas e fundadas, espaços públicos são previamente definidos, a infra-estrutura das cidades são uma preocupação básica da Cia. Colonizadora até pelo sucesso do próprio empreendimento e ás custas de muito capital. E a quantidade de migrantes que chegam à região assombra o país, ao ponto de denomina-la de o novo “Eldorado”.

Durante este período, o sucesso do empreendimento inglês é fonte de inspiração para o próprio estado, que a partir do sucesso da Cia. de terras Norte do Paraná, torna-se também empreendedor, conforme descreve FRANCE LUZ (1997).

O sucesso alcançado pela Companhia de Terras Norte do Paraná levou o Governo do estado, possuidor de grandes extensões de terras devolutas entre os rios Ivaí e Paranapanema e de antigas concessões que haviam retornado ao seu patrimônio em 1934, a

encetar um programa de colonização de muitas dessas áreas, no inicio da década de 1940. Seguindo o modelo bem sucedido da Companhia, o Estado dividiu as suas terras em lotes agrícolas, que vendia a apreços acessíveis a pequenos proprietários.

Poucos anos após seu início, alguns fatores clássicos, amplamente conhecidos, como qualidade do suporte geoambiental (fertilidade dois solos, adequação do clima e outros) e sua posição geográfica em relação a mercados e portos de escoamento de produtos, principalmente devido à obra de infra-estrutura prevista pelo colonizador, rapidamente garante à região norte-paranaense uma situação invejável e privilegiada diante de outras regiões do Estado e país.

O período seguinte, da década de 60 até meados da década de 70, quando ocorre a devastadora geada de 1975, e que cria as condições socialmente aceitáveis para o grande projeto de modernização do país, que na verdade seria o grande mote dos governos militares para a política de atrelamento total da economia nacional ao capital estrangeiro, mais especificamente o norte- americano, representa uma transformação total no modo de produção regional, com profundos impactos na forma de organização do espaço, seja este rural ou urbano.

Esse período da inicio ao intenso processo de urbanização da região e do país, e onde as preocupações com a gestão do espaço urbano passam a ser uma das maiores prioridades do Estado, que já então desempenha um papel completamente diverso daquele do início do processo de colonização, ou seja, é o estado mediador e facilitador da acumulação do capital privado.

A avaliação do papel do Estado nesse período é fundamental para a compreensão do processo de urbanização e, principalmente do processo de produção do espaço, particularmente o urbano, que se torna o cenário principal do desenvolvimento da vida nacional durante o restante da década de 70 e dos anos 80.

Entretanto, passada a euforia da inesgotável capacidade desenvolvimentista da região, essa nossa última década vem apresentando sinais evidentes de transformações em curso que sinalizam uma nova forma de organização social.

Essas transformações não somente tem como origem processos gerados fora das escalas de poder, tradicionais ou clássicas (o Estado Provincial e Nacional), como também agem e interagem com aquelas “escalas” , de forma nada convencional ou historicamente reconhecidas.

A forma de organização recente do espaço geográfico da região bem demonstra esses sinais de que está se fazendo presente um novo conjunto de relações e processos, os quais, contudo, por seu caráter, digamos, embrionário, não conduzem necessariamente ao entendimento ou explicação do fenômeno; ao contrário, por vezes confundem e embaralham o discernimento.

Por absoluta ausência de parâmetros e padrões já estudados ou conhecidos, as intenções e ações locais ou regionais das autoridades de gestão de planejamento, nas escalas citadas, têm se pautado pela clara falta de compreensão desses processos, o que vem resultando, na maioria das vezes, em ônus econômico e social para essas comunidades.