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3.4 OS SENTIDOS DA REFORMA PARA OS ENTREVISTADOS

3.4.4 Dinâmicas da implantação da reforma

Ao proceder à análise relativa à forma como a ETF/SC, Unidade Florianópolis, se mobilizou para concretizar a reforma, sob a percepção dos interlocutores entrevistados, é importante, novamente, salientar que o processo se construiu na prática dos grupos encarregados da elaboração dos novos cursos, técnicos sequenciais e ensino médio propedêutico.

De modo geral, os educadores que participaram desta pesquisa declaram não ter havido, na escola, uma orientação comum na condução dos trabalhos.

Nós fizemos por nós mesmos. Entramos nos grupos que elaboraram os novos currículos e fomos aprendendo a fazer juntos. Trocávamos ideias com pessoas de outros grupos e fomos fazendo como achávamos que deveria ser. Sempre nos baseávamos nas legislações e na experiência acumulada dos envolvidos. Só alguns meses depois, veio do MEC um documento apresentando os itens que deveriam compor os planos de curso

(Entrevistado F).

Os testemunhos apresentam uma fala recorrente, referenciando a liberdade que os grupos tiveram na construção dos planos dos novos cursos. Pelas falas, percebe-se a ausência de orientação para balizar os trabalhos dos grupos, principalmente no que se refere à questão do currículo por competência e à avaliação que poderia ser desenvolvida dentro desse currículo, o que efetivamente não ocorreu. “Cada curso foi montar o seu; houve liberdade para isso. Cada um foi procurar o seu espaço e até foi uma coisa que mais tarde a gente pagou o preço, cada grupo era um currículo e não se falavam. Cada um deu seu enfoque diferente” (Entrevistado B).

As falas revelam que essa liberdade, a princípio, foi mal-recebida entre os educadores por ter gerado muita insegurança; porém, num momento posterior, agradou por possibilitar a cada grupo elaborar os planos de cursos em conformidade com as expectativas e experiências dos grupos de professores que comporiam o corpo docente de cada curso. Entretanto, depois que os cursos começaram a ser desenvolvidos, a instituição se deu conta de toda a diversidade pedagógica que compunha seu espaço.

Essa realidade é assim analisada por um dos educadores: “Cada grupo construiu o seu curso à sua maneira, inclusive com formas e registros de avaliação diferentes. Ao final tínhamos cursos com sistema de avaliação dos mais diversos, com conceitos tão diferentes, que já não parecia uma só escola” (Entrevistado F).

Recorre-se à fala desse educador para ressaltar o movimento heterogêneo vivenciado pela instituição e que, por diferentes caminhos, foi dando contornos à reforma nos cursos técnicos. Percebe-se que os grupos foram criando estratégias próprias na elaboração dos novos cursos, conforme demonstra a fala que segue:

Diria que teve muito movimento. Não teve uma metodologia sistematizada. A todos que entravam na sala nós fazíamos perguntas, mostrávamos o que já tinha sido feito, e a cada etapa, quando tínhamos alguma coisa mais substancial, era levado para o grande grupo [do curso] em reunião” (Entrevistado D).

Prosseguindo no depoimento, esse educador avalia a liberdade concedida à preparação dos cursos como um ponto positivo do processo. “Foi uma coisa muito rica, onde todos tiveram liberdade para pensar os cursos” (Entrevistado D).

Outra declaração confirma o desenvolvimento do trabalho em um diferente grupo.

Formamos uma comissão e nos reuníamos semanalmente e de vez em quando dávamos retorno ao grupo [de professores do curso]. Era só o pessoal da formação técnica. Como teve a separação, muitos cursos deixaram de ter qualquer disciplina da formação geral, mas nós mantivemos, por exemplo, Comunicação e Expressão, porque sentíamos que era uma necessidade (Entrevistado C).

Cabe salientar que, na elaboração do Plano de Curso Ensino Médio, desenvolvido pela instituição a partir da separação dos cursos técnicos, seguiu-se a mesma sistemática, de formação de um grupo de professores, com espaços próprios para reflexão e posterior discussão com o coletivo dos docentes da Formação Geral. “Nós tínhamos naquela época as Diretrizes do Ensino Médio, que nós estudamos. Tinha Ciências da Natureza e Matemática, Códigos e Linguagens e a parte de Ciências Humanas” (Entrevistado B).

Ao prosseguir a análise, nota-se uma fala recorrente que aponta o emprego das disciplinas da formação geral como ferramentas para as de formação específica nos cursos que vinham sendo desenvolvidos de forma integrada, o que leva ao questionamento acerca da concepção de integração adotada naqueles cursos. O exemplo a seguir é bastante esclarecedor. “Eu trabalhava em cursos onde a gente atuava de uma maneira bem direta na formação do técnico, com tipos de conteúdos que eram importantes para eles lá, numa abordagem que era bem voltada para o que eles precisavam” (Educador B).

Nessa linha, outro educador tece uma consideração elucidativa, na medida em que mostra que a integração nos cursos anteriores à reforma se dava principalmente pelo convívio entre os docentes:

[...] Existia uma integração efetiva pela convivência, porque integração se dá não só pelo projeto do curso, mas pelo convívio, pela troca de ideias. [...] A dinâmica de convivência era bastante forte naquele momento e com o Decreto N° 2.208/97 não se estabeleceu mais esse diálogo e ao mesmo tempo começou a ter a expansão da escola, que se transformou em CEFET [...] (Educador E).

Esta fala vai ao encontro do pensamento de Machado (2006, p. 61), para quem “o convite à construção de currículos integrados é também uma convocação à interdisciplinaridade, à busca das mediações que possibilitem planejar e desenvolver planos comuns de trabalho, que harmonizem distintas experiências e pontos de vista.”

O entendimento apresentado pelos entrevistados de que os cursos técnicos desenvolvidos antes da reforma privilegiavam uma integração através da aproximação das disciplinas e conteúdos da formação geral como suporte à formação profissional parece apontar para o distanciamento em relação às bases de uma formação integral e politécnica.

Na educação profissional, a integração ganha especial sentido, podendo levar à construção de redes de relações entre conhecimentos da formação geral e da formação técnica. Tais conhecimentos formam uma unidade, pois, tanto os conhecimentos trabalhados no ensino médio como na formação técnica são resultado da ação e do controle que o homem vem exercendo sobre a natureza. Assim, a efetivação do currículo exigirá “a organização desses conhecimentos, seja em forma de disciplina, projetos, etc. Importa, entretanto, que não se percam os referenciais das ciências básicas, de modo que os conceitos possam ser relacionados interdisciplinarmente, mas também no interior de cada disciplina” (RAMOS, 2005, p. 121).

Nesta perspectiva, não é possível separar a formação profissional de uma formação geral que possibilite a compreensão da vida na sua totalidade. Essa idéia é fundamentada por Ciavatta (2005), ao tratar do sentido da expressão “integrar” remetendo o termo

[...] ao seu sentido de completude, de compreensão das partes no seu todo ou da unidade no diverso, de tratar a educação como uma totalidade social, isto é, nas múltiplas mediações históricas que concretizam os processos educativos. No caso da formação integrada ou do ensino médio integrado ao ensino técnico, queremos que a educação geral se torne parte inseparável da educação profissional em todos os campos onde se dá a preparação para o trabalho: seja nos processos produtivos, seja nos processos educativos como a formação inicial, como o ensino técnico, tecnológico ou superior. Significa que buscamos enfocar o trabalho como princípio educativo, no sentido de superar a dicotomia trabalho manual/trabalho intelectual, de incorporar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo, de formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos (CIAVATTA, 2005, p. 84).