• Nenhum resultado encontrado

2.3 OS DISPOSITIVOS LEGAIS DA REFORMA DA EDUCAÇÃO

2.3.4 Parecer CNE/CEB Nº 16/99 e Resolução CNE/CEB Nº 04/99

Com a LDB e o Decreto N° 2.208/97, foram materializadas as condições para a regulamentação da reforma da educação profissional técnica nos moldes pretendidos pelo MEC93. No início de outubro de 1999, o Conselho Nacional de Educação, por meio da Câmara de Educação Básica lançou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico através do Parecer CNE/CEB Nº 16, anunciando o deslocamento do foco inicial dessa modalidade de ensino, originalmente assistencialista, destinada ao acolhimento de menores abandonados, os “filhos dos desfavorecidos da fortuna”, para a formação profissional com vistas ao exercício profissional atrelado ao campo econômico. Nesse sentido, as diretrizes representavam uma forma de

[...] possibilitar a definição de metodologias de elaboração de currículos, a partir de competências profissionais gerais do técnico por área. Para tanto, cada instituição deve poder construir seu currículo pleno de modo a considerar as peculiaridades do desenvolvimento tecnológico, com flexibilidade, e a atender às demandas do cidadão, do mercado de trabalho e da sociedade (BRASIL, CNE, 1999a).

O parecer, amparado na compreensão de educação profissional embutida na LDB, caracteriza as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico como

93No documento Política e Resultados 1995 – 2002: a Reforma da Educação Profissional, lançado em dezembro de 2002, o MEC avalia a nova LDB como “[...] um facilitador porque tornou possível a reforma, sem que fosse necessário aprovar uma lei regular do Congresso e sem mudar a Constituição. A LDB permitiu executar a reforma dentro de um âmbito politicamente muito mais fácil de fazer reformas que são os decretos presidenciais e portarias ministeriais. Portanto, a LDB facilitou muito a reforma, do ponto de vista burocrático e administrativo” (BRASIL, 2002, p. 15).

[...] um conjunto articulado de princípios, critérios, definição de competências profissionais gerais do técnico por área profissional e procedimentos a serem observados pelos sistemas de ensino e pelas escolas na organização e no planejamento da educação profissional de nível técnico (BRASIL, 1999a).

A educação profissional de nível técnico passou a ser constituída com base em vinte “áreas profissionais”, estabelecidas pela Resolução CNE/CEB Nº 04/99, a qual estipulou, também, as competências gerais e a carga horária mínima de cada área, bem como as competências específicas das habilitações profissionais. Para Ramos, algumas das áreas profissionais:

[...] se traduziram como um recorte abrangente dos campos profissionais, integrando processos de forma ainda não coerente com a divisão técnica e social do trabalho na sociedade brasileira. Por outro lado, alguns campos foram recortados de forma estreita, por demais limitados em relação aos conhecimentos científico-tecnológicos que os caracterizam (2002, p. 404). As instituições definiram as habilitações a serem desenvolvidas no seu contexto, em conformidade com as áreas profissionais, listadas no quadro 6 (Fig. 25), juntamente comas respectivas cargas horárias mínimas.

ÁREAS PROFISSIONAIS CARGA HORÁRIA MÍNIMA PARA CADA ÁREA/HABILITAÇÃO 01. AGROPECUÁRIA 1200 02. ARTES 800 03. COMÉRCIO 800 04. COMUNICAÇÃO 800 05. CONSTRUÇÃO CIVIL 1200 06. DESIGN 800 07. GEOMÁTICA 1000 08. GESTÃO 800 09. IMAGEM PESSOAL 800 10. INDÚSTRIA 1200 11. INFORMÁTICA 1000

12. LAZER E DESENVOLVIMENTO SOCIAL 800

13. MEIO AMBIENTE 800

14. MINERAÇÃO 1200

15. QUÍMICA 1000

16. RECURSOS PESQUEIROS 1200

18. TELECOMUNICAÇÕES 800

19. TRANSPORTES 800

20. TURISMO E HOSPITALIDADE 800 Figura 25 - Quadro 6 – Áreas profissionais determinadas pela Resolução N° 04/99 Fonte: Resolução N° 04/99.

São, ainda, indicadas, como “premissas básicas” das diretrizes:

[...] possibilitar a definição de metodologias de elaboração de currículos a partir de competências profissionais gerais do técnico por área; e cada instituição deve poder construir seu currículo pleno de modo a considerar as peculiaridades do desenvolvimento tecnológico com flexibilidade e a atender às demandas do cidadão, do mercado de trabalho e da sociedade (BRASIL, 1999a).

Atendendo às proposições expressas nas diretrizes curriculares, os currículos dos cursos técnicos passaram a ser desenvolvidos sob o conceito de competência, com vistas à formação de técnicos com um perfil profissional pretensamente adequado às constantes transformações da demanda do mercado de trabalho, adaptando as subjetividades às suas novas reivindicações. O conceito de competência profissional definido na resolução refere-se à “[...] capacidade de articular, mobilizar e colocar em ação valores, conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho” (BRASIL, 1999b), invariavelmente vinculada à autonomia do trabalhador ante as transformações nas relações de produção. Isto demonstra a convergência numa formação de trabalhador dependente das demandas dos setores produtivos, em detrimento de uma formação humana, integral, crítica, de qualidade social, que acolha as reais necessidades da classe trabalhadora, em substituição ao adestramento técnico de mão-de-obra, que daria ao trabalhador competitividade, capacidade de controle sobre o processo de produção e até do mercado de trabalho.

Nesse sentido, é conveniente ressaltar o comentário de Hirata (1994), ao afirmar que

[...] o modelo de competência não é uma construção originária do campo da educação, mas dos negócios, o que reforça a leitura [...] de que as reformas recentes no ensino médio e no técnico implicaram decisões que tendem a privilegiar os interesses de um setor social e não os da sociedade como um todo [...] (apud FERRETI e SILVA JÚNIOR, 2000, p. 52).

Assim, a construção dos novos cursos alinhada ao aparato normativo foi decisiva na aplicabilidade da reforma, uma vez que a elaboração dos currículos, necessariamente mais flexíveis e fundamentados em competências, promoveu a aproximação de representantes dos

setores produtivos na determinação das competências necessárias à formação de um profissional com o perfil almejado pelo mercado. Porém, é preciso ressaltar que, em função da constituição da subjetividade que permeia a noção de competência, se criou um panorama de inquietações, dúvidas, insegurança e resistência por parte dos educadores no conjunto das instituições, tendo em vista não apenas a discordância em relação à concepção de um currículo desenvolvido por competências, como também pela falta de ‘capacitação’ oferecida aos trabalhadores da educação profissional, sobretudo aos docentes, que, além de participar da elaboração dos novos currículos, teriam de efetivar sua prática profissional/educativa com base nessa concepção. Mesmo assim, parcela dos educadores, aceitou a ideia de competência e dela se apropriou.

Diferentemente de uma concepção de formação que possibilite ao educando estabelecer relações, desenvolver uma compreensão e leitura de mundo e de sociedade mais crítica e reflexiva, sem a utilização meramente utilitarista dos conhecimentos acumulados pela humanidade, a efetivação da noção de competência no desenvolvimento de um currículo de formação profissional, para Ramos (2001, p. 154) “[...] apresenta o risco de se fazer um recorte restrito do que deve ser ensinado, limitando-se à dimensão instrumental e, assim, empobrecendo e desagregando a formação, por atrelar essa dimensão a tarefas e desempenhos específicos, prescritos e observáveis.”

Focada na constituição de “atitudes”, a ideia de competência na formação profissional configura uma forma de transferência para o trabalhador de questões que envolvem relações de trabalho e produção, assim como o responsabiliza por sua inserção ou permanência no mercado de trabalho, tendo em vista apenas sua condição de formação/qualificação, desconsideradas as relações sociais e políticas estabelecidas nos processos produtivos. Nestes termos, a educação profissional centrada em competência marca a transferência de encargos sociais relativos a emprego e qualificação profissional do Estado para o trabalhador, característica premente do sistema capitalista.

Nesses termos, é forçoso delimitar a necessidade de uma formação profissional integrada com uma formação básica de qualidade social, diferente daquela imposta pelo governo federal na década de 1990, fruto de relações capitalistas de produção. Procurou-se, com este capítulo, trazer elementos para análise do arcabouço legislativo/normativo que produziu a materialidade da reforma da educação profissional no contexto brasileiro, situando, também, a instituição objeto desta pesquisa na trajetória histórica da Rede Federal.

No terceiro, e último, capítulo serão desenvolvidas reflexões acerca da implantação da reforma na instituição, problematizando a adaptação das políticas às singularidades daquele

espaço formativo, assim como os principais impactos curriculares produzidos a partir do cumprimento das novas legislações.

III TECENDO AS TRAMAS DA REFORMA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NA ETF-SC/UNIDADEFLORIANÓPOLIS

As políticas públicas para a educação profissional são, em geral, estabelecidas a partir da análise das alterações no mundo do trabalho. Nessa conjuntura é que o governo federal do Brasil lançou o Decreto N° 2.208/97, assim como toda a estrutura legal que lhe desse amparo, consolidada no final dos anos 1990. Face à complexidade que abrange uma reforma educacional, há que se ponderar os meandros que envolvem diferentes processos de mediações entre sua concepção e materialização nos espaços educativos.

Nesse contexto, se analisará como se deu o processo de implementação da Reforma da Educação Profissional na Unidade Florianópolis da Escola Técnica Federal de Santa Catarina, ponderando acerca de seus particulares processos de negação e posterior adesão (compulsória), caracterizando as interfaces entre a acomodação legal e os interesses dos sujeitos que compõem a instituição escolar, processo que acarretou transformação da identidade institucional, o que aliás não se limitou à Unidade, mas afetou toda a Rede Federal.

A reforma do ensino médio e profissional [...] certamente trouxe implicações para a identidade das escolas. Por ter sido um processo no qual as escolas tiveram que se inserir, sem a opção do contrário, suas identidades foram afrontadas por um projeto não construído por elas próprias, mas por sujeitos externos. A contradição vivida esteve na obrigação de apropriarem- se desse projeto como seu (CIAVATTA, 2006, p. 9).