• Nenhum resultado encontrado

3.4 OS SENTIDOS DA REFORMA PARA OS ENTREVISTADOS

3.4.1 Percepção acerca da reforma e suas motivações

No caso específico da ETF/SC, Unidade Florianópolis, um aspecto significativo do contexto da reforma, segundo os entrevistados, é que ela era “mal vista” pelos professores em geral. Nenhum grupo se manifestou favoravelmente à reforma, pois todos tinham clareza de que causaria grande impacto na instituição.

Segundo o entrevistado B:

A visão que a gente tinha era de que o governo queria diminuir custos; isso era forte! Era uma coisa muito de que queria enfraquecer a educação profissional. [...] Era um tipo de política que tinha um viés de enfraquecer as instituições públicas. [...] Como não consegue terminar com as escolas técnicas federais, então era uma maneira de fragilizar.

Embora não constituíssem unanimidade entre os professores os reais motivos que teriam levado o governo federal a lançar mão de uma reforma estrutural na educação profissional, entre o corpo docente prevalecia a opinião de que a intenção era de romper com a identidade institucional construída historicamente e reconhecida socialmente, em função da oferta dos cursos técnicos integrados ao ensino médio.

Uma das coisas que me preocupava muito, até por ter vivenciado aqui a questão do ensino integrado, [...] eu via a preocupação nessa mudança, de fazer uma coisa que a gente achava que fazia bem feito e que tinha tradição, para uma outra, que não sabia exatamente quais seriam as consequências. Então, hoje, eu tenho certeza de que a gente estava certo de ficar com o pé atrás (Entrevistado C).

Recorre-se aqui à fala de outro educador entrevistado, que reforça a condição de descontentamento dos docentes quanto à cisão dos cursos técnicos em relação ao ensino médio, apregoada pela legislação da reforma:

Minha percepção é de quem provocou espaços de reflexão e acompanhou o processo com precisão [...]. Eu gosto de dizer que não teve nenhum grupo que assumiu a defesa da legislação do Decreto n° 2.208/97. Pelo contrário, a grande maioria conseguiu perceber que essa situação mudaria claramente o perfil dos alunos da instituição(Entrevistado E).

Se, por um lado, alguns entrevistados afirmam que a maioria do corpo docente tinha a percepção do panorama político ideológico da reforma, por outro, em outras falas, aparece o reconhecimento de que, independentemente da prática docente realizada em sala de aula, parte deles se mostrou um tanto ausente do processo, em termos de compreensão do contexto, como argumenta um entrevistado:

Essa coisa estava clara pra mim. Havia algo que era o capital que estava sobressaindo e demandando aquilo que estava sendo implementado. Mas eu acho que para a maioria dos professores isso nem sempre é claro. Porque muita gente é muito bom professor, faz seu trabalho muito bem feito, mas nem sempre busca esse contexto maior; acho que não fica claro pra todos (Entrevistado C).

Em relação à percepção dos entrevistados acerca da participação dos servidores administrativos na reforma, o que se observa, de maneira geral, é que o coletivo não se engajou tão expressivamente no processo, restringindo-se aos envolvidos com os setores pedagógicos da instituição e a outros implicados com os movimentos coordenados pela seção sindical local.

Dada a conjuntura das reformas estruturais propostas pelo governo, a seção sindical envolta nas reivindicações salariais e por melhores condições de trabalho vinha promovendo uma série de atividades, constituídas mesmo em espaços de reflexão, trazendo para o interior do movimento temas relacionados à reforma em pauta, contrapondo-se ao ideário neoliberal do governo brasileiro114. Nessa direção, um dos entrevistados destaca: “Eu acho que o setor administrativo ligado à pedagogia, esse sim; para os outros [...] ‘o governo está mexendo alguma coisa e pode ser que respingue na gente’, mas, sem a menor ideia do que era” (Entrevistado D).

114A retirada do PL N° 1.603/96 do Congresso e, posteriormente, a revogação do Decreto n° 2.208/97

foram pauta constante no movimento sindical ligado à educação profissional. Nesse contexto, vários eventos em âmbito nacional e local foram realizados pelas seções sindicais às quais estavam vinculados os educadores da educação profissional, dentre os quais se destacam: I Seminário Nacional sobre Cefetização, em agosto de 1995; I Seminário Nacional sobre a Reforma do Ensino Profissional, em junho de 1997; II seminário Nacional sobre a Reforma do Ensino Profissional, em novembro de 1998; III Seminário Nacional sobre a Reforma do Ensino Profissional, em junho de 2001 (LIMA FILHO, 2003).

Diante dessa declaração, cabe fazer referência a outra fala que ilustra um ponto de vista diverso, reconhecendo nos servidores administrativos que ingressavam na instituição naquele momento outra postura política diante do quadro que se apresentava para a educação. “Eu acho que nessa década as pessoas que foram ingressando na instituição e que eram técnico-administrativos, muitos vieram com uma boa visão de contexto, [...] eu acho que alguns participaram até bem mais que alguns docentes” (Entrevistado C).

Na sequência da entrevista, esse educador apresenta um elemento importante a ser analisado no contexto de uma escola. Refere-se ao fato de que, de forma geral, os servidores “não-docentes” vinham ocupando um patamar “diferenciado” na instituição, como se sua atuação profissional fosse descolada da ação educativa:

Era como se essas pessoas fossem serviçais, como se elas não tivessem opinião, formação, como se elas não participassem do dia-a-dia da instituição, como se elas também não educassem! Isso vem da própria estrutura; como eles não eram chamados pra isso, não respondiam, não faziam parte. Mas, isso foi mudando, e ainda bem, porque nós somos todos uma escola [...].

A parte final dessa ponderação remete a um contexto interno de mudança de cultura de gestão, vivenciado a partir da reeleição, em 1994, da professora Soni de Carvalho como diretora da ETF/SC, que foi determinante nos rumos da reforma no conjunto da instituição. Com uma gestão manifestamente assentada nos princípios de democracia, participação e cidadania, a nova direção se orientaria pelo reconhecimento da educação como um direito social, das escolas como instituições de direito público (LIMA FILHO, 1999), o que se opunha às bases da reforma da educação profissional.

Ao refletir sobre as formas de apreensão da reforma no âmbito interno das instituições da Rede Federal, Lima Filho (2003) constata que, a despeito da força impositiva das determinações legais e suas articulações, ocorreram movimentos característicos que propiciavam resistências ou facilidades para adesão, justificando as especificidades na concretização da reforma, tendo em vista a atuação dos sujeitos e as relações de força estabelecidas na esfera da instituição. No que diz respeito à postura da direção da ETF/SC no momento de lançamento do aparato jurídico e normativo da reforma, verificou-se um posicionamento reativo, contrário à principal orientação da reforma, que era a separação dos cursos técnicos do ensino médio.

A postura da direção da ETF/SC constituiu a base para o posicionamento contrário da instituição às políticas educacionais do governo federal.

Com a mudança da direção da escola, em 1998, iniciou-se um processo de adesão às transformações reformadoras, justificado como única chance de manutenção e crescimento da instituição, tendo em vista a coerção que o Ministério da Educação exercia sobre as instituições por meio da diminuição de recursos.